Assistir ao parto, trocar fraldas, ir ao pediatra, frequentar reuniões escolares não é sacrifício para esses homens
Pai até de madrugada
O humorista Helio de la Peña, 44, sai sozinho com os dois filhos e ainda leva uns amiguinhos junto. O modelo Alvaro Jacomossi, 23, escolheu a decoração do quarto do pequeno Zion, feita com motivos ligados ao surfe. Já que não pode amamentar, o ator Edson Celulari, 45, faz questão de colocar a filhinha para arrotar.
Helio, Alvaro e Edson são exemplares de uma nova geração de homens que leva a sério a máxima de que “não basta ser pai, tem que participar”. Eles acompanham o pré-natal, assistem ao parto, dividem os afazeres com o bebê e são capazes de debater métodos pedagógicos com quase o mesmo ardor com que discutem se o Corinthians é ou não campeão mundial.
Com atitudes como essas, eles imprimem um novo padrão de paternidade, bem diferente da conduta adotada pelos seus próprios pais. Há 20 ou 30 anos, não se esperava deles grande participação, principalmente nos primeiros anos da criança: o homem fumava seu charuto na sala de espera da maternidade, voltava ao trabalho no dia seguinte e só intensificava a relação com o filho depois que ele falava “papai”.
“O pai pós-moderno é um filhote do feminismo dos anos 60”, diz a terapeuta familiar Isabel Cristina Gomes, professora do Instituto de Psicologia da USP. A psicóloga explica que os maridos das primeiras feministas não dividiam as tarefas de casa: elas podiam trabalhar, desde que não deixassem de lado o cuidado com o lar e os filhos. A maioria dos pais de então davam às crianças uma educação mais liberal do que a que tinham recebido, mas não colocavam a “mão na massa” -trocar fralda, dar papinha, colocar para dormir. Coube às suas mulheres criarem meninos dispostos a reivindicar um papel decisivo na vida dos filhos.
Mas não é apenas a evolução social a responsável por esse novo perfil de pai. A situação econômica da classe média também interfere, e muito. Em poucas famílias, o pai pode ser hoje o único provedor. “O trabalho para a mulher não é mais uma realização pessoal. É uma necessidade”, diz Isabel.
Outro fator que pesa na balança do empenho paterno é o conceito, muito difundido hoje, de que o adulto é resultado daquilo que foi construído na infância, segundo a psicopedagoga Neide Noffs, professora da Faculdade de Educação da PUC-SP.
“Houve uma mudança no conceito de infância. Antigamente, a criança era vista como um anjo que caiu do céu e era de determinado modo porque Deus quis. Hoje, acredita-se que ela é fruto da interação com o meio e das experiências por que passa. Os pais sabem que os filhos vão se desenvolver melhor, com mais segurança, se tiverem mais estímulos, e eles procuram dar isso a eles.”
Outro fator, acredita Neide, é que os casais estão engravidando mais tarde e gerando menos crianças. “Os filhos da maturidade são muito planejados e desejados. O homem está em uma idade em que quer cuidar de alguém”, diz.
O reflexo da participação mais efetiva dos pais de hoje já chegou à esfera jurídica. O novo Código Civil, que entrou em vigor em janeiro, retira da mãe a prioridade na guarda dos filhos menores em caso de separação. O texto anterior, de 1916, dizia que a mãe só não ficaria com os filhos se tivesse sido a única responsável pela separação do casal. Hoje, fica com a guarda das crianças quem revelar melhores condições de exercê-la.
“O novo código veio ratificar aquilo que já existia. Já havia uma jurisprudência forte, com inúmeras decisões dando guarda aos pais”, diz a advogada Renata Guimarães. Segundo ela, os pedidos de pais requisitando a guarda triplicaram de cinco anos para cá.
Como esse novo comportamento já foi reconhecido na lei, que tradicionalmente demora para se adequar às evoluções sociais, não há o que discutir: os tempos são outros.
DEPOIMENTOS
“Na gravidez, a mulher fica mais irritada, exigente. A Isa (Isabelli Fontana, top model) tinha bastante fome. Estávamos em Nova York e eu saía à noite para comprar sorvete para ela. Como eu comia junto, engordei seis quilos. Brincavam que eu também estava grávido.O quartinho dele nos EUA -cheio de ursinhos Pooh- foi obra dela, e eu escolhi o de Florianópolis, com pranchas de surfe, coqueiros e barquinhos. Com três meses, ele ganhou a primeira pranchinha. Sempre quis ter filho cedo para poder aproveitar a adolescência dele. Vamos pegar onda, sair juntos.”
Alvaro Jacomossi, 23, modelo, pai de Zion, 5 meses
“Assisti aos dois partos e não passei mal porque meu plano não cobria. Aliás, não tinha como passar mal, o sangue nem era o meu! O pai, a princípio, é tratado como um imbecil porque a gravidez não acontece na barriga dele. Na gravidez do João, eu tinha mais crédito porque a Ana (a fotógrafa Ana Quintella) via que o Joaquim (filho do primeiro casamento de Helio com a bióloga Isabel) é um garotão bacana, gente boa, ou seja, tudo havia dado certo. Como fui um aluno CDF, acabo sendo rigoroso com a educação. O bicho pega se o Joaquim vai mal na escola. Se você asfalta o que seria o primeiro quebra-molas na vida do sujeito, pode ser que o primeiro tropeção que ele dê ocorra em uma situação muito grave.”
Helio de la Peña, 44, humorista, autor de “O Livro do Papai” (Ed. Objetiva), pai de Joaquim, 11, João, 1, e “grávido” de mais um menino, que nasce em dezembro
“Na época em que a Fernanda era bebê, eu trabalhava à noite e chegava em casa às 5h. Aí ficava vendo desenhos na TV com ela até a hora do almoço, quando eu ia dormir. Uma das primeiras coisas que ela aprendeu a falar foi Batman. Quando começa o desenho da Liga da Justiça, ela me chama: Pai, vai começar o seu desenho favorito!. Vou às festinhas da escola e às reuniões de pais. Sempre que posso, fico com ela e brincamos juntos no computador. Às vezes eu me ressinto de ter que trabalhar tanto, gostaria de ficar muito mais.”
Fernando José Lopes, 34, editor de quadrinhos e pai de Fernanda, 4
“Nas festinhas, tem muito pai que chega, despeja a criança e vai beber cerveja e assistir futebol. Eu gosto de brincar com eles. Sinto prazer com isso. Sou o tio que todos os amiguinhos curtem. Várias crianças da classe me chamam pelo nome. Tento ser ao máximo igual a eles. É mais fácil construir uma relação na base da igualdade. O fato de serem crianças não muda a essência, eles já são pessoas, apenas não têm maturidade ou conhecimento.”
Fabio Clark, 40, engenheiro, pai de Juliana, 7, Lucas, 5, e Gabriel, 3
“Sou separado há dois anos da mãe da Helena, então a vejo com hora marcada, tudo certinho. Mas acho pouco e adoraria que fosse mais. Quando estou com ela, dispenso a babá e eu mesmo dou banho. Nunca saí uma noite nos finais de semana em que ela estivesse comigo para poder acordar cedinho e curtir mais. Quando saímos juntos, há aquele dilema da hora de fazer xixi. Uma vez, entrei com ela no banheiro feminino, mas havia uma mulher. Quando ela me viu, ficou tão nervosa que saiu que nem um foguete. Quando vamos ao clube, ela entra comigo no vestiário masculino mesmo. Eu a seguro ou ela faz xixi na pia. Acaba virando uma brincadeira.”
Alê Primo, 46, dono da produtora Santa TV e pai de Helena, 3
“Uma vez cheguei para a Cláudia (Raia, atriz) e disse: Não posso amamentar, mas o arroto é meu!. Quando nasce o bebê, surge em você uma força ancestral de protetor, uma coisa animal mesmo. Nós conversamos muito com profissionais e trocamos experiências com amigos. Fomos escolher juntos a escola do Enzo, visitamos várias durante o intervalo porque nos interessava ver o reflexo do trabalho deles no comportamento das crianças. Agora, quando a gente está gravando, dá uma culpa danada. A culpa vem porque você sabe a qualidade do que você dá. Quando você está longe, sabe que a criança não vai desenvolver tudo o que poderia.”
Edson Celulari, 45, ator, pai de Enzo, 6, e Sophia, 6 meses
por Alessandra Kormann
Revista da Folha de São Paulo – 10 VIII 2003