Ter um filho muda tudo. Mesmo
O que João Gordo, Wellington Nogueira, o palhaço do Doutores da Alegria, e o jogador de vôlei Giba têm em comum? Além da paternidade, são homens que se orgulham de ter mais tempo para os filhos. E aproveitam bem
Por Cristiane Rogerio e Thais Lazzeri
Punk vira pai babão. Palhaço tenta ficar sério. Esportista que corre o mundo agora tem medo de avião. Pois é… ter filhos enlouquece qualquer um. Não apenas pelos momentos sensacionais que se passam juntos, as frases surpreendentes, o prazer da companhia. Mas também porque é como se descobrisse, finalmente, a razão de você estar no mundo. E, descobrindo essa razão, vem junto um repensar a vida, um cuidar mais de si mesmo e uma reviravolta no conceito de tempo: quando se trata dos filhos, ele nunca é suficiente.
A CRESCER conversou com o apresentador João Gordo, o palhaço Wellington Nogueira – idealizador do Doutores da Alegria – e com o jogador de vôlei Gilberto Amauri de Godoy Filho, o Giba, atacante da Seleção Brasileira de Vôlei. Vidas tão diferentes se igualam na paternidade. Eles contam como fazem questão de passar o maior tempo possível com os filhos e como vêm aprendendo um jeito novo – e mais gostoso – de viver.
Giba,mais sensível
O atacante da Seleção Brasileira de Vôlei, Gilberto Amauri de Godoy Filho, o Giba, 29 anos, viu o parto da sua filha junto com o mundo todo: pela televisão. Nicoll nasceu em plena Olimpíada de Atenas, em agosto de 2004. Dois anos depois, ele conta como ser pai todos os dias consegue ser ainda mais surpreendente do que aquela inusitada situação
Você se sente diferente?
Hoje sou mais sensível. Choro muito mais em filme (risos). Tenho mais atenção com as coisas à minha volta, mais cuidado. Até andar de avião começou a me assustar. Não que eu tenha medo, mas, na hora que eu coloco o pé, penso “é uma possibilidade…” Agora penso duas vezes para tudo, até uma discussão no trânsito, por exemplo.
Mas isso é mais pelo risco de você faltar à sua filha ou por medo de ficar longe dela?
Porque eu quero vê-la crescer. É claro que também para eu não faltar a ela, ela precisa de mim. Apesar de que hoje acho que sou eu que preciso mais dela… não sei, é difícil explicar (emociona-se).
Sua esposa (a jogadora de vôlei romena Cristina Pirv) também joga na Itália, mas você tem treinos no Brasil. Como ficou a rotina com uma bebê?
É uma loucura, porque a gente programa as coisas com 24 horas de antecedência. A Nicoll já foi para a Itália quatro vezes! Aí fica aquela confusão, um monte de mala, brinquedos… Mas é muito bom fazer isso com ela. É um prazer maior.
É maravilhoso perceber que com você sua filha se sente segura
O que há de melhor em ser pai?
Tanta coisa… É poder voltar para casa, ver o que ela está fazendo de diferente. Nada no mundo paga isso. Sabe aquela cena em que a criança, assustada com alguma coisa, agarra nas pernas do pai ou da mãe? É isso. É maravilhoso perceber que com você ela se sente segura.
Do que você mais lembra do dia em que ela nasceu, o mundo todo assistindo…
De como é estar feliz. Mas foi também uma decepção porque eu sonhava em estar com a Cristina na hora do parto, eu iria cortar o cordão umbilical. A gente tinha lido muito: revistas, livros, costumes de outros lugares. Tanto que a gravidez dela foi tranqüila, o parto também e a Nicoll é uma menina muito calma.
Existe algo dessa profissão que influencia no relacionamento com a sua filha?
Bem, ela vai ter acesso a coisas que outras crianças podem não ter. Já fala romeno, português e italiano antes dos 2 anos! Com a nossa vida, ela pode conhecer gente de várias partes do mundo, ter acesso a diversas culturas, histórias, religiões. Assim, ela vai vivendo, entendendo o mundo. Isso é ótimo
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“Ela já foi para a Itália quatro vezes!
É uma loucura, aquele monte
de malas, mas com ela o
prazer é maior”
Giba, da Seleção de Vôlei,
pai de Nicoll, 2 anos
Wellington Nogueira,o contador de histórias
Palhaço também ri? Wellington Nogueira, sim. Aos 45 anos, ele cai na risada com o filho, Theo, de 7. Como os pais, o menino adora pôr para fora seu senso de humor. “O fato de ser palhaço cria na gente uma conexão pela alegria”, diz. Criar um filho bateu tão forte que, por um tempo, ele pensou que tinha de ser mais sério com o filho. Mas Theo quis conhecê-lo melhor, o Wellington real. E ele adorou
Como a paternidade mudou você?
No trabalho com o Doutores da Alegria (ONG que colabora na recuperação de crianças hospitalizadas levando alegria), sempre me envolvi com a história das crianças. Mas eu tinha uma compreensão muito intelectual do sofrimento e da morte. Depois do Theo, senti na pele o sofrimento daqueles pais quando viam seus filhos doentes. Hoje o meu entendimento é com o corpo inteiro. Uma questão de amor mesmo. Quando comecei a entender o amor, entendi a perda.
Existe algum momento especial de que você se lembre?
A hora de pôr na cama, o momento em que se lêem histórias. Quando a gente vai lendo, pára para conversar sobre coisas mais sérias, emocionantes. Para mim, essa hora de dormir é maravilhosa. Às vezes tem evento ou espetáculo, tem tanta coisa, e eu também gostaria de ir, mas, quando eu vou e penso que estou perdendo essa alegria, fico com ele. Fiquei muito mais calmo, caseiro, por opção, pelo prazer de estar com ele em casa.
Depois do Theo, senti na pele o sofrimento daqueles pais quando viam seus filhos doentes
Você é bem-humorado como pai?
Fiquei tão preocupado em ser o melhor que acabei virando um chato. Uma vez o Theo disse: “Eu gosto da mamãe muito. De você, médio”. Foi um clique. Comecei a relaxar, ficar mais eu mesmo, mais bobo (risos). Aí criamos essa cumplicidade. Em um fim de semana na praia, eu estava saindo do mar e ele apareceu dizendo: “Purê de batata!”. Assim que eu vi aquilo (um bolo de areia molhada!) na mão dele, nossa! Como é bom! É essa capacidade de a criança se expressar: vamos ser cúmplices?
O que ele sabe do seu trabalho?
Outro dia, veio uma prima dele em casa e minha mala de palhaço estava na sala. Ele falou: “Posso abrir sua mala, pegar as suas coisas para fazer a Helena rir?”. Depois me pediu que montasse um kit para ele. Achei bacana, mas já me perguntei: “Será que..?”. Não quero incorrer no risco de induzi-lo a ser uma coisa que ele não é. Ele tem uma mãe cineasta (Mara Mourão) e um pai palhaço, é normal que tenha uma queda para as artes. Mas uma vez perguntaram o que ele queria ser. Ele respondeu “cientista” (risos).
Ele sabe que você vai a hospitais?
Sabe. Eu falo que vou levar alegria às crianças porque toda criança, mesmo doente, gosta de brincar. (E quando a CRESCER perguntou: “Theo, o que o seu pai faz?”. Ele respondeu: “Cura as pessoas com alegria”.)
“A hora de dormir é maravilhosa. Fiquei mais calmo, caseiro, por opção, para estar sempre com ele “
Wellington Nogueira,
pai de Theo, 7 anos
João Gordo, o futuro vovô
Alguém aí consegue imaginar o apresentador de televisão João Gordo, vocalista da banda Ratos do Porão, aquele cara que fala o que pensa – regado com um monte de palavrões, claro – cantando: “Choveeee, mas como choveeee/ Chuva, chuvisco, chuvaraaadaa/ Por que chove tanto assim?”. Depois do nascimento de Victoria, 2 anos, e Pietro, 9 meses, ele incluiu ao seu repertório musical o sucesso do programa da TV Cultura, Cocoricó. E está feliz da vida com isso.
Você diz que a paternidade mudou tudo na sua vida. Foi logo de cara ou veio com o tempo?
Na hora em que a Victoria nasceu, caiu um raio na minha cabeça. Eu que sempre pensei em morrer cedo e nunca ter filhos. Ser pai serviu para eu ter esse senso de responsabilidade e para provar a mim que a gente está aqui na Terra só para isso: reproduzir. E o Pietro nasceu porque a gente quis, bem pertinho para ela não ser tão déspota (risos), aprender a compartilhar. Mas, quando a Vi (a esposa Viviana Torrico) ficou grávida pela segunda vez, me perguntei: “Como é que eu vou fazer para tirar todo esse amor que eu tenho pela Victoria e dividir com outra criança?”. Mas que nada. Se vierem dez, você ama dez. As pessoas nem imaginam que aqui em casa é uma harmonia maravilhosa, que nos dedicamos totalmente aos nossos filhos. A decoração, as tatuagens, as músicas e até o palavriado são inusitados. Mas o amor que a gente tem pelas crianças é muito grande.
Soubemos que você é fã do Bob Esponja, do Cocoricó…
Meu barato sempre foi ficar deitado, assistindo a desenho animado. Sempre foi, e com a Victoria agora é melhor ainda. É muito bom assistir ao Pernalonga com meus filhos! Por causa de Victoria entrei no mundo do Bob Esponja e está difícil de sair, é retardado demais.
Quando a Vi engravidou pela segunda vez, pensei: Como vou dividir esse amor pela Victoria com outra criança?
E de música, o que você ouve com eles?
Além do Cocoricó? (risos). No carro eu escuto só pauleira, rock, hard-core, metal. Provavelmente a Victória vai gostar de outra coisa, como esses Rebeldes (risos). Mas eu não vou impor nada.
Como você vai apresentar a eles aquele João Gordo de antigamente?
Ah, eu penso: “Quando eles lerem essas entrevistas minhas, o que vão achar?”. Você pega coisa que eu já falei há 15 anos que é de arrepiar o cabelo. Um dia vou ter de conversar bastante com eles, dizer que a visão de vida do papai era essa.
E a Victoria já sabe que você tem banda?
Quando vou viajar, ela diz: “Papai tá com ratos?”. Aí você pergunta como é que o papai canta e ela faz “urrrrrrrrrrr”. Mas ainda não sabe o que é.
O que você pensa do futuro?
Meu objetivo é me cuidar melhor para viver mais e ficar mais tempo com eles. Tive eles tarde, com 40 anos. Penso: “Será que vou ver os dois se formarem?”. Quero estar vivo para ver pelo menos eles se formarem, casarem. Quero ver meus netos.
“É muito bom assistir ao Pernalonga com os meus filhos.
Com a Victoria, entrei no mundo do Bob Esponja “
João Gordo, pai de Victoria, 2 anos, e Pietro, 9 meses
Fotos Beto Tchernobilsky e Marcelo Rudini (Giba)