Os homens estão mais conscientes com a paternidade, mas…
Marcus Renato de Carvalho*
Comecei a estudar o cuidado paterno quando percebi minha insatisfação e a de muitos homens com o pouco contato com os filhos. A partir daí, todo um universo se descortinou em mim e iniciei a montagem de um grande quebra-cabeça — o homem e a paternidade. Comecei a procurar em meu álbum de família e descobri que não havia nenhuma foto do meu pai me dispensando algum tipo de cuidado: alimentando, trocando fraldas, dando banho, levando para a escola, ao pediatra… Atos cotidianos que os homens da atualidade exercem não mais como obrigação, e sim, pelo prazer que esses contatos evocam.
Felizmente, a sociedade mudou em apenas uma geração. No entanto, as instituições de saúde e também as escolares, jurídicas, etc., não acompanharam a velocidade dessas transformações. Na minha formação em medicina e nos vários cursos de pós-graduação stricto ou lato sensu que fiz, nunca tive uma aula sobre paternidade. Por vontade própria busquei mais conhecimento e encontrei outros desbravadores desse tema e dia a dia seguimos trocando muitas descobertas.
Inúmeros estudos comprovam que ser pai faz bem aos homens, às mulheres e, principalmente, a crianças e adolescentes. A presença paterna está associada a menor risco de gravidez na adolescência, envolvimento com drogas, violência e abandono escolar. Homens em contato com seus filhos no pós-parto produzem mais prolactina e ocitocina — hormônios do amor e do prazer — e menos testosterona, que está relacionada à violência e ao aumento da libido, num momento em que a mulher está de resguardo fisiológico.
Até hoje, porém, os serviços de saúde e educação são espaços femininos, onde muitas vezes os homens se sentem pouco à vontade de entrar e levar os filhos. Mas temos boas-novas. Na prefeitura do Rio de Janeiro está sendo colocada em prática uma política pública de promoção do cuidado paterno, como a Unidade de Saúde Parceira do Pai e o Mês de Valorização da Paternidade. Em São Paulo, há o pré-natal do homem, onde a gestante e seu parceiro são atendidos juntos e os exames de sangue são colhidos de ambos, com impacto na diminuição de doenças sexualmente transmissíveis e uma gestação mais tranquila. E a nível federal temos, há cinco anos, uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem e um dos eixos de seu programa é o estímulo à paternidade proativa.
É preciso realmente uma revolução cultural também nas questões da paternidade para nos tornarmos uma sociedade mais feliz no contato com os filhos. Na Suécia, o pai e a mãe têm a mesma importância. A licença-paternidade é de seis meses, enquanto no Brasil quem toma conta é a mãe ou a sogra, depois a tia e, por fim, o homem.
Sabem o que eu acho? Pai que é pai acompanha a gestação, o parto e a amamentação, colabora nos cuidados cotidianos, participa das atividades escolares. Pai que é pai ouve, olha nos olhos, brinca, está presente no dia a dia de seus filhos. Providencia lazer, esporte e cultura para as crianças e, evidentemente, possibilita o acesso a seus direitos, à saúde e à educação. E não é só, não. Pai que é pai não mente para seus filhos, é ético e respeita suas escolhas, assim como garante sua presença mesmo tendo se separado.
Todos nós podemos ser promotores do cuidado paterno. Vamos chamar os homens para participarem mais do cuidado dos filhos? Vamos aumentar a licença-paternidade? Vamos convidar os pais a trazerem seus filhos às consultas, às escolas? Vamos prestar mais atenção nessas questões de gênero para que possamos possibilitar com mais efetividade do crescimento e desenvolvimento integral de nossas crianças e adolescentes?
* Marcus Renato de Carvalho é pediatra, docente da Faculdade de Medicina da UFRJ, editor do portal www.aleitamento.com e, com muito orgulho, pai de Clara e Sophie. Especialista em amamentação, percebeu que o apoio do homem era fundamental para o aleitamento materno e criou o primeiro slogan da Campanha de Valorização do Cuidado Paterno — “Pai, dê o peito para o seu filho” —, criada em 2003. Essa iniciativa tem o propósito de chamar a atenção da sociedade sobre a importância da participação dos homens no cotidiano da vida dos filhos, evitando a chamada “alienação parental” — quando o pai, de certa forma, começa a romper os laços afetivos com suas crianças — e, por último, mas não em último lugar, aumentar a licença-paternidade.
Comentário do leitor:
No presente Ponto de Vista, o pediatra Marcus Renato, que é especialista em amamentação, fala sobre o fundamental apoio do homem para o aleitamento. Ele criou o primeiro slogan da Campanha de Valorização do Cuidado Paterno — “Pai, dê o peito para o seu filho” — em 2003. Ao contrário da maioria das especialidades da Medicina, que cuidam de um órgão, aparelho ou sistema, a pediatria dedica-se ao estudo de todos os problemas de um ser humano, no período que vai desde a fecundação até a puberdade, assistindo-o durante sua formação sob o ponto de vista físico e psicológico. Assim, o objetivo é a criação de indivíduos fisicamente sadios, psiquicamente equilibrados e socialmente úteis. O pediatra procura promover o crescimento e desenvolvimento normais da criança, prevenindo as doenças passíveis de serem evitadas ou recuperando uma criança doente para reintegrá-la o mais rápido possível ao ritmo normal de crescimento e desenvolvimento, além de reabilitá-la na família, na escola e na sociedade. Por fim, algo nos leva a crer que o Marcus Renato surgiu com interessante inovação, chegando ao ponto de aconselhar o pai a “dar o peito para o seu filho”. Propõe ele, então, um inusitado conceito do “ser pai”.
Mário de Macedo Cristino
Publicado no jornal “A Voz da Serra” em 29/09/204 – http://www.avozdaserra.com.br/colunas/53/12508/os-homens-estao-mais-conscientes-com-a-paternidade-mas