A PARTICIPAÇÃO DO PAI NO PARTO É PERIGOSA?
Michel Odent ®
A participação do pai no parto é, sem dúvida, um aspecto do parto industrializado. Um século atrás, quando a maioria dos bebês nascia em casa, tal pergunta teria sido considerada irrelevante. Naquela época, todo mundo sabia que o parto era “negócio para as mulheres”. Ao marido era dada uma tarefa prática, como passar horas fervendo água, mas ele não se envolvia no parto em si.
Hoje, no auge do parto industrializado, a mesma pergunta ainda é considerada irrelevante, até mesmo burra. Ao raiar do século XXI, todo mundo sabe da importância da função ativa do pai no “nascimento de uma família”. A maioria das mulheres nem pode imaginar dar luz sem a participação do seu parceiro. Já escutamos inúmeras histórias maravilhosas de “casais dando à luz”. Os pais são bem-vindos nas salas de parto convencionais.
Para interpretar mudanças tão repentinas e radicais em termos de atitude e comportamento, precisamos colocá-las no seu contexto histórico. É essencial lembrar que este fenômeno intrigante começou de forma inesperada na maioria dos países industrializados na década de 60. Naquela época, uma nova geração de mulheres sentiu necessidade de ser ajudada pelo pai da criança ao parir.
Elas começaram a expressar essa nova demanda no mesmo momento em que os partos se concentravam mais e mais em hospitais cada vez maiores. O parto em grandes maternidades foi um passo importante na história do parto industrializado. Também coincidiu com o momento em que a parteira se tornou membro de uma grande equipe médica (nos países onde ela não tinha desaparecido por completo). Fica claro que a participação do pai foi como uma adaptação a situações sem precedentes. Não havia acontecido antes na história da humanidade que as mulheres tivessem de parir em grandes hospitais entre desconhecidos; quanto às parteiras, sempre foram independentes.
Aqueles que foram testemunhas de tais transtornos comportamentais se lembram da rapidez com o qual os teóricos estabeleceram novas doutrinas. Por exemplo, escutei por volta de 1970 que a participação do pai iria fortalecer vínculos entre os casais e que poderíamos aguardar uma diminuição nos índices de divórcios e separações. Também escutei que a presença do pai, como pessoa familiar, deveria facilitar o parto e que deveríamos esperar uma redução no índice de cesarianas.
Para podermos nos preparar para uma nova era no parto humano, devemos reconsiderar o comportamento e teorias associados historicamente ao parto industrializado. Devemos fazer um inventário das questões a levantar. Quanto à participação do pai no parto, devemos colocar pelo menos três perguntas:
Primeira pergunta:
A participação do pai ajuda ou atrapalha o parto?
As pessoas que têm idade para lembrar o que pode ser um parto quando não há ninguém presente, a não ser uma parteira experiente, maternal e discreta, tendem a formular a pergunta dessa forma. Nosso objetivo não é o de proporcionar as respostas, mas analisar os muitos motivos pelos quais esta é uma questão tão complexa.
Existem muitos tipos de casais, de acordo com o tempo de duração da coabitação, o grau de intimidade, etc. Existem muitos tipos de homens; alguns podem ficar discretos enquanto sua parceira está em trabalho de parto; outros tendem a se comportar como observadores, ou como guias, enquanto outros ainda agem como protetores. No exato momento em que a parturiente precisa reduzir a atividade do seu intelecto (do seu neocórtex) e “visitar outro planeta”, muitos homens não conseguem deixar de ser racionais. Alguns parecem corajosos, mas a sua liberação de altos níveis de adrenalina é contagiosa.
A linguagem dupla dos seres humanos parece ser o principal motivo pelo qual a complexidade de tais questões é subestimada. Há uma contradição freqüente entre a linguagem verbal e a corporal das gestantes. Com as palavras, a maioria das mulheres modernas é veemente quando afirma precisar da participação do pai do bebê no momento em que dão à luz; mas no dia do parto, as mesmas mulheres podem expressar exatamente o contrário de modo não verbal. Lembro – me de vários partos que estavam indo devagar até o momento em que o pai teve que sair inesperadamente (por exemplo, para comprar algo urgentemente, antes que a loja fechasse). Assim que o homem saiu, a parturiente começou a gritar, foi ao banheiro e o bebê nasceu após uma curta série de contrações fortes e irresistíveis (que eu chamo “reflexo de ejeção do feto”).
Quando se levanta tal pergunta, devem ser levadas em consideração também as peculiaridades das diferentes etapas do trabalho de parto. Algumas mulheres se sentem inibidas naquela fase do parto em que esvaziam o reto – uma oportunidade para enfatizar que o tipo de intimidade que uma mulher pode ter com seu parceiro sexual é de outra natureza que a sensação de privacidade que ela pode gozar na companhia da sua mãe.
Muitas vezes, é entre o nascimento do bebê e o período da expulsão da placenta que muitos homens sentem a necessidade de atividade, no exato momento em que a mãe não deve nada mais ter a fazer além de olhar nos olhos de seu bebê e sentir o contato com a pele num lugar aquecido. Vamos repetir que é nesse período que qualquer distração tende a inibir a liberação de ocitocina e, portanto, interfere na ejeção da placenta.
Segunda pergunta:
A participação do pai no parto pode afetar posteriormente a vida sexual do casal?
Através de tal pergunta introduzimos a questão complexa da atração sexual. A atração sexual é misteriosa. O mistério tem um papel na indução e cultivo da atração sexual. Em outros tempos cultuaram-se deusas maternas. Naquele período, o parto era enigmático no mundo dos homens. Já tive a oportunidade de conversar sobre o parto de seus bebês com mulheres que haviam nascido no final do século XIX. Não podiam imaginar serem observadas pelo marido enquanto parissem: “e o que seria da nossa vida sexual depois?” Era a sua reação mais comum.
Hoje fico atônito com o número de casais que se separam alguns anos depois de um parto maravilhoso segundo os critérios modernos. Permanecem bons amigos, mas deixam de ser parceiros sexuais. È como se o nascimento do bebê tivesse reforçado seu companheirismo, enquanto a atração sexual desaparecia.
Terceira pergunta:
Podem todos os homens lidar com as fortes reações emocionais que poderão ter ao participar do parto?
Na época do parto industrializado, num período em que as mulheres podem assistir á TV na sala de parto, é raro levantar a perguntar dessa maneira. Durante os dias que sucedem um parto industrializado, ninguém pensa no bem-estar do pai. Nas visitas a uma família dois ou três dias após o parto domiciliar, quase sempre encontrava uma mãe feliz e ativa cuidando do seu bebê. Tinha uma surpresa quando ela falava do pai. Muitas vezes escutava que ele tinha estado de cama, pois estava com dor de barriga, ou de coluna, ou gripe, ou dor de dente, ou simplesmente porque ele se sentia “esgotado”, como uma mãe me falou. Quando me reporto à minha experiência de parto domiciliar, tenho vontade de afirmar que a depressão masculina pós-parto é comum num determinado contexto, embora não seja reconhecida como tal.
O conceito de depressão masculina pós-parto traz a lembrança de que em muitas culturas existem rituais cujos efeitos são canalizar as reações emocionais do pai. Todos estes rituais cabem na categoria do “couvade” (os antropólogos utilizam este termo em francês que, originalmente, significa o “processo de chocar” ou o “rompimento do ovo”). Quaisquer que sejam as particularidades locais, estes rituais ocupam o pai enquanto sua mulher está dando à luz. O último exemplo de “couvade” era o homem passando longas horas fervendo água. Não deixo de pensar no caso dos jovens modernos que passam muito tempo montando uma piscina de parto portátil alugada, quando finalmente o bebê nasce antes da piscina estar pronta. Seria isto o resgate do “couvade”?
Quando as nossas sociedades tiverem alcançado um grau de consciência adequado em relação ao parto industrializado, a participação rotineira do pai no parto se tornará um tema central de discussão.
® in O Camponês e a Parteira – uma alternativa à industrialização da agricultura e do parto. Ed. Ground, SP, 2003.