CASAL GAY CONSEGUE PATERNIDADE DE CRIANÇA NO INTERIOR DE SÃO PAULO
Foto: Sérgio Barzaghi
Justiça permite que Júnior e Vasco sejam listados como pais na
certidão de nascimento de Theodora
A Justiça emitiu nesta terça-feira, pela primeira vez, em Catanduva (a 385 km de São Paulo), uma certidão de nascimento em que um casal homossexual masculino responde pela paternidade de uma criança adotada. Dois casais formados por mulheres já haviam conquistado o mesmo direito em Bagé (RS) e no Rio de Janeiro (RJ). Para o advogado do casal, Heveraldo Galvão, o caso abre jurisprudência.
“Agora, esperamos que fique mais difícil para os juízes negarem um pedido de adoção por um casal homossexual”, diz Galvão. Ele ressalta que o caso é um dos poucos em que a Justiça brasileira reconhece uma relação de fato, já que Theodora, de cinco anos, convive com os pais adotivos, os cabeleireiros Júnior de Carvalho, de 46 anos, e Vasco Pedro da Gama, de 38 anos, desde dezembro. A menina só havia sido registrada no nome de Gama, que enfrentou o processo de adoção como uma pessoa solteira.
O advogado do casal decidiu, então, pedir na Justiça com o reconhecimento de paternidade de Carvalho, dias depois de a juíza da 2ª Vara Criminal da Infância e Juventude de Catanduva, Sueli Juarez Alonso, ter reconhecido Gama como um cidadão apto a criar uma criança.
“Se eles entrassem com o pedido de adoção como um casal, talvez a Theodora não estivesse com eles agora”, afirma Galvão. “Ela me chama de pai, por que a Justiça também não reconhece a paternidade?”, pergunta Carvalho.
Apesar de Theodora já viver há quase um ano com o casal, Carvalho teve que passar por todo o processo formal de adoção, que inclui entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, cujos relatórios foram favoráveis ao pedido de adoção.
Mesmo assim, o Ministério Público indeferiu o pedido, alegando que não existe previsão legal para dois homens registrarem uma criança como filha legítima. “Partimos do princípio de que o que não é expressamente proibido torna-se legal”, diz Galvão.
Ele também defende a decisão alegando que uma das exigências na lei brasileira da adoção é que a criança seja inserida no convívio com pessoas adultas, que lhe forneçam estabilidade financeira e social e possuam uma relação estável. Gama e Carvalho estão juntos há 14 anos.
Diante disso, a juíza concedeu sentença favorável ao pedido de adoção em 30 de outubro. A promotoria tinha até 10 dias para recorrer, o que não aconteceu. Os pais, porém, só comemoraram a dupla paternidade nesta terça, ao retirar a nova certidão de nascimento de Theodora, onde, na filiação, constam ambos os nomes e os dos avós de cada lado.
“Mas não são especificados no documento a mãe e o pai, constam apenas os nomes completos de Gama e Carvalho”, explica Galvão.
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Especialistas: valores superam o preconceito
Psicólogos especializados em atendimento a homossexuais dizem que a relação deles com os filhos deve ser natural.
– É uma relação de amor paternal e filial como as outras – diz o psicólogo Klécius Borges .
Em relação à falta de referência materna, ele diz que é possível suprir isso.
– Uma tia, avó, qualquer figura feminina pode ter esse papel. O que importa são os valores que a criança vai aprender de cada um dos pais.
Para o psicólogo Paulo Bonança, através desses valores a criança terá mecanismos de defesa contra o preconceito.
– Se os pais se mostram tranqüilos em relação à sua opção sexual, não há motivo para criança se sentir insegura.
Ele afirma que o preconceito não é exclusivo de filhos de homossexuais e que os pais devem se comunicar com os filhos.
Borges diz que, diferentemente do que muitos acreditam, um filho de homossexuais não seguirá, necessariamente, a orientação sexual dos pais.
– Seria o mesmo que afirmar que filhos de heterossexuais não poderão ser homossexuais quando adultos.