Luis Cuschnir
Por Carlos Peixoto – Fantástico – Globo
O que acontece quando homens se reúnem para falar de suas dificuldades no relacionamento com as mulheres e com os outros homens? Se não for para uma conversa de botequim – uma daquelas bem encharcadas de cerveja sobre futebol ! -, os encontros podem revelar muito da personalidade masculina, expor medos e inseguranças, revelar emoções. Imagine o que vem pela frente quando o motivo do encontro é um processo terapêutico.
A intimidade de dez homens se transformou em relatos organizados pelo psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir no livro Homens Sem Máscaras Paixões e Segredos dos Homens (Rio de Janeiro: Editora Campus, 2002), que teve origem na tese de mestrado defendida na Faculdade de Medicina da USP. As reações no relacionamento com outros homens, a crise de identidade de uma vida ancorada no trabalho, os acertos e erros cometidos no papel de filho, pai, marido, namorado ou amante são alguns dos assuntos do livro.
Há, pelo menos, dois tipos de reações diante do trabalho: os homens podem encontrar situações que parecem copiadas de suas próprias vidas é o efeito-espelho; as mulheres têm a oportunidade para entender um pouco mais da alma masculina nesse caso, o masculino pode ser representado pelo pai ou filho, além, é claro, do companheiro.
Mas, atenção: Cuschnir não fez mais um daqueles tratados científicos que só interessam a seus colegas de vida acadêmica. Ao contrário. Em 176 páginas, o autor apresenta, através de relatos pessoais, os sentimentos de homens comuns como tantos outros (80 % têm nível universitário, 50 % são casados pela primeira vez e a idade média é 36 anos), que estão perplexos com as mudanças em suas vidas nas últimas décadas, principalmente depois que o movimento feminista mudou as relações homem-mulher.
Comparando-se com os reality show da TV, o livro de Cuschnir seria mais um Big Brother científico do que um livro de teórico sobre psicodrama, sem que isso signifique fazer as concessões que uma produção televisiva exigiria. Preocupado em refletir sobre os dilemas masculinos em tempos de hegemonia feminista, Cuschnir, que criou o termo masculismo concedeu, através de e-mail, uma entrevista ao Fantástico On Line:
Fantástico: Os Estudos de Gênero não têm se ocupado muito do masculino.
Por quê?
LC: “Esse termo “gênero” foi utilizado pelo movimento feminista para evidenciar que a mulher não deveria ser vista pelo seu aspecto sexual (visão sexista), mas de uma maneira mais ampla. Por isso estava focado o aspecto de gênero do lado delas. Hoje tento utilizar masculismo, que é correspondente ao termo feminismo, e que eu gostaria de ver introduzido nos dicionários da língua portuguesa. Foi utilizado pela primeira vez na literatura acadêmica na ficha catalográfica de minha tese apresentada na Faculdade de Medicina da USP, área de psiquiatria, que corresponde ao livro lançado agora.
Fantástico: O masculismo é uma reação ao feminismo?
LC: “Não é uma reação, mas corresponde e foi mobilizado pelo movimento feminista. Elas mudaram o posicionamento das mulheres na sociedade. Provocaram assim uma reorganização da sociedade contemporânea, o que provocou também nos homens uma necessidade de ocupar novos espaços”.
Fantástico: É possível fazer o inventário dos reflexos positivos e dos negativos do feminismo sobre o comportamento masculino?
LC: “Posso dizer que, do ponto de vista positivo, o homem ganhou espaços afetivos mais amplos. Foi-lhe permitido não só chorar, como é comum se dizer hoje em dia, mas a sua vida afetiva familiar, conjugal e de pai foi ampliada. Sua vida econômica ficou mais aliviada com a extensão à mulher do papel de provedor, papel que agora é compartilhado pelos dois. Suavizou-se o ambiente organizacional, fazendo com que o homem refletisse sobre novas questões, mais humanas, o que provocou uma ampliação no entendimento das relações de trabalho. Quanto aos reflexos negativos, o homem perdeu o domínio absoluto sobre a chefia da família e todo o autoritarismo decorrente disso. Também do ponto de vista profissional, ele não tem mais o poder absoluto sobre o intelectual, profissional e econômico, tendo que dividir espaços e muitas vezes perdê-los. São ganhos por um lado, mas, por outro lado, mais egoísta, são perdas”.
Fantástico: Os homens estão mesmo na defensiva e não conseguem se livrar dela?
LC: “A defensiva tem a ver com a ameaça de suas posições. Claro que ela existe. Ele compete com seus iguais, mas também com as mulheres que, muitas vezes, têm mais flexibilidade e amplitude para a resolução dos problemas do dia a dia. Às vezes, elas se saem melhor no profissional por causa desse “treino” da vida pessoal e afetiva”.
Fantástico: É possível se falar então de uma baixa-estima generalizada entre os homens?
LC: “Não se pode falar assim, até porque isso generalizaria uma situação, o que não seria correto. Homens vencedores, temos aos borbotões. Hoje eles podem localizar até com mais presteza as áreas onde estão se sentindo plenos e realizados e outras que não eles sentem tanto assim. Não devemos nos contaminar com um certo ufanismo feminino que, corretamente, conseguiu grandes vitórias, mas que está se queixando muito de solidão e exaustão e se sentindo-se pouco pleno em suas expectativas quanto a uma vida mais satisfatória.
Fantástico: Homens, às vezes, falam pouco. Falam menos ainda de questões emocionais. Isto é um problema?
LC: “Homens têm uma tendência maior para a reflexão sobre problemas emocionais. Não estão acostumados a desenvolver longas conversas a respeito deles. Desde muito pequenos são acostumados a guardar o que sentem na esfera pessoal. Muitas vezes tentam se expressar e encontram interlocutores pouco disponíveis a escutá-los, a ser uma “boa escuta””.
Fantástico: O senhor poderia comentar a seguinte frase que está no seu livro: “Basta um homem discordar de uma mulher e emitir seu parecer para que ele seja imediatamente rotulado de machista”.
LC: “Um homem que se posiciona discordando da mulher em uma situação de relacionamento corre risco de ser tachado de rígido, insensível, egoísta, etc. Se a sua visão não coincide com a visão de mundo feminina, da afetividade, de como se relacionar com a mulher ou, ainda, quando ele expressa as necessidades emocionais de um homem – , ele é freqüentemente chamado de machista. É uma questão de divergência quanto ao que a mulher acredita ser o certo nos relacionamentos com os homens”.
Fantástico: O senhor diria que o caminho para o homem se sentir melhor é através do fortalecimento do seu papel de pai – no caso daqueles que têm filhos?
LC: “Um dos caminhos, é claro. Os que têm o privilégio de tê-los podem ir se estruturando, experimentando seu potencial afetivo, dando e recebendo afeto com os filhos. Hoje em dia, voltando aos saldos positivos dessa revolução toda, o maior progresso do ponto de vista de atuação do homem, do ponto de vista afetivo, foi nesse papel de pai. Cresceu grandemente a atuação do homem na educação dos filhos, oferecendo-se a eles com mais amplitude (escolaridade, orientação, acompanhamento médico, participação em atividades, etc.). Tudo isso, graças ao desenvolvimento de suas potencialidades afetivas, tem retorno, o que vai preencher suas necessidades emocionais”.
Fantástico: Salvo as situações em que a mulher aparece de forma desqualificada – como a gostosona, aquele tipo bem objeto -, seria possível considerar que os homens estão com medo ou de saco cheio das relações com as mulheres? Ou nenhuma das duas alternativas?
LC: “Quem sabe os dois aspectos, ou nenhum deles. O medo está em todo ser humano que percebe que precisa sempre cultivar e preservar quem ama (ou com quem se relaciona), investindo sempre. E saco cheio de se frustrar, pois muitas vezes o homem não encontra canais adequados de comunicação por não saber ou por não ser escutado. De uma maneira mais geral, os homens estão tendo que se reciclar, insistir, recuar; às vezes, desistem, outras vezes fazem “ouvidos moucos”, tentando passar por cima e agüentar a incompreensão delas. Eles sabem muito claramente que precisam delas, que dependem de um relacionamento afetivo com elas e procuram se adaptar a isso, mesmo quando estão insatisfeitos.