Por dois meses a mais
Projeto que libera a ampliação da licença-maternidade de quatro para seis meses vai à votação no Congresso ainda este ano. Especialistas em mercado de trabalho temem por um preconceito maior contra as mulheres, mas muitas mães rejeitam o argumento e aprovam a medida
Amanda Cieglinski
Especial para o Correio
Monique Renne/Especial para o CB
Fim da licença deixa sigrid de coração apertado: “Ela (mina) não está preparada. nem eu”
A recomendação do Ministério da Saúde é clara: o recém-nascido deve alimentar-se exclusivamente de leite materno até os seis meses de vida. Já as descobertas mais recentes da neurociência são reveladoras: o cérebro cresce de forma mais intensa nos três últimos meses de gestação e nos seis seguintes. Dois fortes argumentos a favor do projeto de lei, elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e apresentado pela senadora Patrícia Saboya (PSB-CE), que propõe a ampliação facultativa da licença para seis meses na iniciativa privada. O projeto vai a plenário no segundo semestre.
“O Brasil é um dos maiores defensores do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês, mas a Constituição assegura a licença-maternidade de apenas quatro meses. É um pouco irracional”, compara Dioclécio Campos Júnior, presidente da SBP. Ele ressalta ainda que, para o desenvolvimento ser adequado, o bebê precisa de uma alimentação nutritiva e, principalmente, de estímulos. “Não é só a questão do leite. Criar laços com a mãe, sentir o calor dela, o cheiro, a voz, são coisas fundamentais”, defende.
A defesa parece irrefutável, mas patrões e especialistas em mercado de trabalho alertam para uma possível perda de espaço da mulher. “Teremos um retrocesso porque as empresas vão preferir contratar os homens”, prevê Jorge Pinho, chefe do departamento de administração da Universidade de Brasília (UnB). Em sua opinião, ao ficar tanto tempo sem uma funcionária, a empresa teria uma queda na produtividade. “A substituição gera prejuízo. Nesse caso, perde-se por meio ano uma funcionária que já está acostumada com o serviço e o funcionamento do local. Leva tempo para a pessoa que irá substituí-la entre no ritmo”, explica Jorge.
A Revista foi conferir a rotina de mamães e bebês que estão passando por esse período delicado e cheio de descobertas. Conhecem-se há apenas quatro ou cinco meses e já precisam lidar com a primeira separação.
Dedicação em dobro
Para quem conhece a lógica do mercado, a medida é justa, mas pode trazer problemas. “Infelizmente, a discriminação existe em algumas empresas de forma velada. É fato que elas sofrerão um preconceito maior na hora da contratação”, acredita Marcel Cordeiro, professor de direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Trabalhando desde os 20 anos, a publicitária Sigrid Guimarães, 35 anos, conhece a ferocidade do mercado, mas não teme perder espaço por causa do período de afastamento. “Acho que depende do seu histórico no trabalho. Se você é um bom profissional e tem o perfil de entrega, como eu, ninguém vai lhe mandar embora por causa disso”, avalia.
Na vida dela, o trabalho sempre ocupou lugar de destaque. Coordenadora do departamento de marketing de uma empresa de telefonia, nunca trabalha menos do que 10 horas por dia. Ela só comunicou à chefia que estava grávida quase no sexto mês porque não queria comprometer o rendimento da equipe em um período crucial para as vendas da empresa, o Natal.
Mas a rotina puxada transformou-se há três meses, com o nascimento da pequena Mina, prematuramente, aos sete meses e meio de gravidez. Já veio ao mundo apressadinha, ao modo da mãe. Quase nasceu dentro do carro, a caminho do hospital. “Minha vida sempre foi muito movimentada. Do trabalho eu ia para o cinema, barzinho, shopping, nunca parava em casa. Durante a gravidez, achava que não ia conseguir ficar em casa quieta por quatro meses”, lembra Sigrid.
Após o nascimento da filha, mudou de idéia e já fica com o coração apertado ao pensar na volta ao trabalho, em agosto. “Acho que ela não está preparada. E eu, muito menos. Além da questão do leite, agora é que a gente está começando a se entender e ela está criando um ritmo de vida”, conta a mãe. Para garantir que Mina não saia do peito logo que ela voltar a trabalhar, Sigrid planeja almoçar em casa todos os dias para amamentar, além de dar o peito antes e depois de voltar do trabalho.
O QUE PROPÕE O NOVO PROJETO DE LEI
Ampliação facultativa da licença-maternidade de 120 para 180 dias na iniciativa privada. Empresas e funcionárias decidirão se querem estender o período. Após os quatro meses previstos pela Constituição, a empresa deverá pagar os dois meses extras, mas terá direito à dedução integral do valor correspondente no cálculo do imposto de renda. É importante ressaltar: a lei não obriga os patrões há concederem seis meses. A adesão deve ser voluntária e a mulher pode optar ou não pela ampliação. Por essa razão, os defensores da medida apontam que as mulheres não sofrerão discriminação, pois cabe à empresa conceder ou não o benefício.
Entre o trabalho e os filhos
Gustavo Moreno/Especial para o CB
A pediatra Jeanne Alecrim, de 34 anos, precisava ser duas — ou três — para dar conta de todas as tarefas do dia-a-dia. Trabalha em três hospitais e ainda encontra tempo para o marido e os filhos, Júnior, de 3 anos, e Thiago, de cinco meses. Em um dos empregos, ela retornou antes mesmo de o bebê completar quatro meses. Em meio a tantos compromissos, as emoções e os desejos se confundem. Ela lamenta ter que voltar a trabalhar tão cedo, ainda que conte com uma babá de confiança para cuidar das crianças durante o dia. “A gente fica apreensiva porque nunca é a mesma coisa. É uma sensação de perda mesmo”, avalia.
Ainda assim, Jeanne conta que durante a licença sentiu falta da rotina atribulada. “Ficar em casa o tempo todo, às vezes, é ruim, ainda mais para quem tem uma vida agitada como a minha. Sentia essa necessidade durante a licença, parecia que eu não estava sendo eu mesma”, diz.
Há cerca de um mês, ela começou a incluir frutas e papinhas na alimentação de Thiago. Essa é a solução encontrada pela maioria das mães que precisam voltar ao emprego depois dos quatro meses da licença. Jeanne, que é pediatra, acompanha essa realidade de perto. “A não ser que a mulher não trabalhe, não há outra solução. Elas inserem esses alimentos e continuam dando o peito nos horários disponíveis”, explica. Jeanne considera o momento importante e delicado, mas não imagina como seria ficar sem trabalhar para cuidar exclusivamente dos filhos. “É gostoso perceber os gostos e a personalidade deles se formando. Mas eu não abro mão do meu trabalho, acho que eles têm que ser independentes também”, justifica.
A licença-maternidade no país e no mundo
O projeto de lei (PL 281/2005) que amplia a licença-maternidade das funcionárias de empresas privadas de quatro para seis meses foi apresentado no Senado em 2005 pela senadora Patrícia Saboya (PSB-CE). A proposta não contempla servidoras públicas porque obrigaria a uma mudança na Constituição e tornaria mais difícil a aprovação. Ainda precisa passar por mais uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e, de acordo com a senadora, deve ser votada no segundo semestre de 2007. “Dentro da Casa, o projeto é praticamente unanimidade, o próprio relator da comissão já disse que dará parecer favorável. Acho que será facilmente aprovada”, acredita Saboya. Nesse caso, o projeto é encaminhado para votação na Câmara e, se não sofrer alterações, segue para ser sancionado pelo presidente Lula.
Apesar de ainda nem ter ido a plenário, a proposta ganha adesões pelo país. Cinco estados e 49 municípios brasileiros já ampliaram para seis meses a licença-maternidade de suas funcionárias. Na iniciativa privada, a idéia começa a ganhar a simpatia de alguns empresários, ainda que timidamente. Como o projeto não obriga as empresas a ampliar o benefício, mas incentiva a prática, a adesão voluntária é vista com bons olhos por quem defende a idéia. “Queremos criar uma consciência de responsabilidade por parte das empresas. Estamos formando uma rede de parceiros com esses governadores e prefeitos”, afirma Saboya.
CONHEÇA OS SEUS DIREITOS
O que diz a lei hoje
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) assegura à mulher
120 dias de licença-maternidade. O período poderá ter início 28 dias antes do parto e estender-se até 92 dias após o nascimento da criança.
O mais comum é a mulher afastar-se do emprego a poucos dias
antes de a criança nascer e marcar as férias logo em seguida à
licença-maternidade, garantindo assim cinco meses.
Quem paga o salário durante a licença
Enquanto ela estiver afastada do trabalho, o salário é pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O valor recebido é o mesmo de antes, exceto no caso de mulheres que ganham mais de R$ 24 mil, quantia máxima paga pelo INSS.
Emprego garantido
A mesma lei assegura o emprego da gestante até cinco meses após o parto. Ou seja, desde o início da gravidez até um mês após o fim da licença-maternidade, ela não pode ser demitida.
Pausa para as mamadas
Até que a criança complete seis meses, a mãe tem direito a dois descansos de meia hora por dia para a amamentação. Em muitas empresas, o benefício é transformado em uma licença-amamentação com duração de 15 dias, mas a lei não permite a negociação ou acúmulo dessas horas.
Para a adoção
A mãe adotiva tem direito à licença-maternidade de 120 dias para crianças de até 1 ano, 60 dias para crianças de 1 a 4 anos e 30 dias para crianças de 4 a 8 anos. O direito ao salário-maternidade também é assegurado à mãe adotiva, mas ela não está protegida da demissão.
Assessoria de Comunicação da SBP