Guarda compartilhada
Admar Branco e Euclydes de Souza
O ano de 2002, iniciado sob os ecos do terrorismo internacional, exige reflexões sobre a paz. A esperança de solução de conflitos – pela ONU ou por um juiz de Vara de Família – é condição para evitar a guerra, tanto no macro quanto no microcosmo das disputas familiares. A agenda brasileira indica o compromisso tantas vezes adiado de aprimorar o Código Civil e semear mecanismos de pacificação de conflitos como os originados das controvérsias sobre guarda de filhos de pais separados. Urge convocar a sociedade para discutir novos institutos de direito capazes de pacificar os ânimos, em prol do bem-estar dos filhos. É nesse contexto que se insere o projeto de lei sobre guarda compartilhada ora em trâmite no Congresso.
Antes da Lei do Divórcio, de 1977, e da Constituição de 1988, durante anos associou-se, na cultura social, que o homem, o marido, era sempre o algoz, enquanto a mulher era sempre a vítima, em casos de desquite. Após a nova Constituição, que promoveu a isonomia entre o homem e a mulher em seu artigo 5°, inciso I, e com a legalização do divórcio, a mulher se libertou do espectro da marginalização pela sociedade, quando dissolvida a relação conjugal. E então, em poucos anos, o número de casais que se separavam aumentou vertiginosamente. Porém erroneamente permaneceu a idéia do homem causador da separação, muitas vezes não tendo interesse pela ex-família, praticamente abandonando seus filhos à própria sorte, sob tutela da mãe.
Nada fará mudar esse quadro, e a guarda das crianças será sempre dada para a mãe, se não houver a conscientização de que hoje a mulher se separa por qualquer motivo e, em muitos casos, é a própria causadora da separação. A mulher atualmente é tão independente quanto o homem, competindo de igual para igual com ele, e conseqüentemente tendo o mesmo tempo para se dedicar aos filhos – às vezes, até menos.
É notório que os valores mudaram, e necessário é alterarmos também os nossos conceitos, principalmente a idéia preconcebida de que o homem não é merecedor nem tem responsabilidade suficiente para cuidar das crianças. Assim, concluímos ser um erro a guarda monoparental pré-concedida à mãe pelos nossos tribunais, especialmente quando as crianças não estão mais em idade de amamentação.
A guarda física das crianças deve ser compartilhada, e não como vem acontecendo: quem detém a guarda acredita serem as crianças sua propriedade particular. O guardião passa a ter direitos que nem mesmo com o exercício do pátrio poder o outro progenitor, mero provedor, consegue conciliar em função de uma predisposição, uma idéia preconcebida, de que ele ficou de fora. A situação piora ainda mais quando quem detém a guarda usa as crianças para se vingar do ex-cônjuge ou então para negociar um maior vínculo delas com ele em troca de uma pensão mais generosa. Com isso, ocorrem casos de crianças com problemas psicológicos diversos, ocasionando somatização de uma culpa que elas não têm – ora em forma mais grave, com desvio de comportamento, e outras, copiando o modelo materno ou paterno de forma inadequada.
Admar Branco e Euclydes de Souza, jornalista e engenheiro, respectivamente, são assessores da Associação de Pais Separados do Brasil
JORNAL DO BRASIL – 06/FEV/2002