Pai é para sempre
Os homens assumiram a paternidade e não querem mais abrir mão desse direito (e dever) depois da separação. Para isso, está surgindo um movimento masculino
Patrícia Rocha
Há cinco anos, o analista de sistemas paulista Paulo Habl, 45 anos saiu do tribunal vencido. No mesmo dia que virava ex-marido, perdia o direito de ver o filho diariamente. De pai, passava a visitante, a cada 15 dias. Três anos depois, tomou coragem e entrou na justiça: queria mais tempo com o menino. Pedido negado. Como não havia mais nada a fazer na corte, decidiu desabafar na Internet. Em fevereiro de 2002, surgia o site Pai Legal, uma associação que hoje reúne mais de mil homens que, como Paulo, reivindicam o direito de participar da rotina do filho, dar banho, buscar no colégio e ler histórias antes de dormir.
Com o mesmo objetivo, dezenas de outras associações no Brasil e no Exterior mobilizam milhares de militantes em um inédito movimento masculino. As mulheres passaram anos pedindo aos maridos para dividir as tarefas domésticas. Muitos atenderam à queixa e tomaram gosto. Agora, eles batem à porta das ex para pedir a guarda compartilhada dos filhos.
– Queremos viver os momentos família, assim como a mulher quis viver as experiências fora de casa, no mercado de trabalho – afirma Habl, que reside em Londres e comanda virtualmente a associação.
O movimento já tem jargões próprios (os militantes não querem ser “pais periféricos” nem “pais quinzenais”) e reivindicações obrigatórias – a compreensão das ex-mulheres e o fim do preconceito de magistrados que ainda veriam o pai como mero provedor. Mas os homens não ficaram só no discurso: associações prestam serviços via Internet, como consultoria jurídica e psicológica. Por pressão de entidades, como a precursora Associação de Pais e Mães Separados (Apase), três projetos de lei estão em tramitação, todos em defesa da guarda compartilhada dos filhos (que se dividiriam entre as casas dos pais), a exemplo de países como os Estados Unidos.
– Queremos que a criança possa conviver com ambos os pais depois da separação. Já temos um grupo de magistrados determinados a que pai e mãe participem efetivamente da vida do filho – afirma o catarinense Carlos Bonato, que preside a Apase.
Entre o desejo e a aplicação da guarda compartilhada há uma distância a ser percorrida. É preciso preencher os requisitos que atendam à lei – consenso entre pai e mãe e condições de ambos para cuidar do filho e oferecer a ele uma rotina saudável. Falta também uma dose de iniciativa.
A juíza da 2ª Vara de Família de Porto Alegre, Gláucia Dipp Dreher, afirma que a guarda compartilhada ainda é pouco solicitada, apesar de os homens demonstrarem cada vez mais interesse na visitação livre aos filhos. Por tradição cultural, orientação da justiça ou mesmo escolha dos cônjuges, a maioria das crianças segue sob a guarda da mãe, mas com o Novo Código Civil e a aprovação de alguma das leis em tramitação, isso poderá mudar.
– A guarda materna não é mais absoluta, tem sido assim principalmente por opção dos genitores. Mas a tendência será a guarda compartilhada, e o Rio Grande do Sul é pioneiro na área de direito de família – afirma a juíza Gláucia Dipp Dreher.
Enquanto a única alternativa for a visita, vale o acordo entre pai e mãe. Quando os ex-cônjuges se dão bem, geralmente é fácil o pai ter o apoio da ex-mulher para passar mais tempo com as crianças. O publicitário Júlio Machado, 43 anos, é um exemplo de que é possível encontrar o equilíbrio: apesar de não ter a guarda das filhas Marcela, sete anos, e Roberta, cinco, as vê todos os dias. Durante a semana, ou ele almoça na casa das meninas ou as busca na escola. Às quartas-feiras e em finais de semana alternados, elas dormem na sua casa. Quando é o final de semana da mãe, por um acerto do casal, as meninas vão para a casa de Júlio na noite de domingo, para matar a saudade.
– Nunca me senti um pai visitante – ressalta ele.
Outros pais – a maioria absoluta dos que acessam os sites das associações – estão descontentes. Querem mais tempo com os filhos. O administrador Carlos Costa Junior, 49 anos, não marca nenhum compromisso para terças e quartas, os dias em que recebe o casal de filhos – frutos de dois relacionamentos anteriores -, além de finais de semana alternados.
– Chego a ficar quase uma semana longe deles – desabafa.
Carlos entrou com uma ação na justiça para tentar ampliar o direito de visitação ao filho caçula, mas o juiz entendeu que seu acordo com a ex-mulher já era satisfatório. Dois pais inconformados tomaram atitudes extremas na semana passada. Em Minas Gerais, Adelmo Pessoa completou 16 dias de greve de fome na quarta-feira, tentando convencer a ex-mulher a deixá-lo passar mais tempo com o filho. Com o mesmo objetivo, o londrino David Chick foi preso depois de passar seis dias no alto de um guindaste, vestido de homem-aranha – o personagem favorito da filha. Ele queria protestar contra o pouco tempo que sobra para para os pais, depois da separação. Chick teve o apoio do Fathers 4 Justice, outro grupo de defesa do direito dos pais.
Além de sensibilizar os juizes, alguns pais precisam ainda convencer as ex-mulheres. Há mães que impedem a visitação ao filho – “ele está dormindo”, “saiu com os amigos”, “está doente” – ou que não concordam em flexibilizar os horários estipulados. Para mudar isso, a ParticiPais criou um serviço de mediação: terapeutas que tentam facilitar o diálogo entre os ex-cônjuges. A estratégia é telefonar ou mandar e-mails chamando para uma conversa. Se não funcionar, vale enviar reportagens e dados sobre como a ausência do pai pode prejudicar a criança.
– Algumas mulheres são receptivas e até vão com os ex-maridos a reuniões da associação. Outras são arredias. Tento mostrar que é o sofrimento do filho que está em questão – diz a terapeuta de família Marilia Couri.
As ex não são apenas vilãs. Há mulheres que tentam de tudo para que o ex-marido não seja um ex-pai, até buscam apoio das associações de pais – hoje mães separadas e madrastas também integram essas entidades.
– Muitas mulheres nos pedem ajuda para resgatar o marido que sumiu. Infelizmente, essa situação é freqüente – reconhece Alfredo Lima, presidente da ParticiPais, com sede em Brasília.
Se os homens podem entrar na justiça requerendo guarda compartilhada ou mais visitas, as mulheres pouco têm a fazer quando os ex-maridos abandonam o filho.
– Não há mecanismo legal para obrigar o pai a visitar o filho. O abandono financeiro (não-pagamento da pensão) gera prisão, o abandono afetivo, não – destaca a advogada de família Mônica Guazzelli.
Diferentes motivos levam um homem a abandonar o filho depois da separação, do mau exemplo do próprio pai a questões que só poderiam ser resolvidas no divã do analista. Nessa lista, até a mulher pode ter sua parcela de culpa.
– Existe ainda a mulher que não deixa o marido ser pai: “ah você não sabe trocar fralda, deixa comigo”. Ele se sente pouco valorizado e pensa “então você fica com a criança, e eu vou cuidar de outras coisas” – afirma a terapeuta Marilia Couri.
Os milhares de homens que trocam e-mails, experiências e queixas nas associações de pais são prova de que eles estão cada vez mais dispostos a assumir todos os cuidados com seus filhos. O novo pai que há tempos vem sendo anunciado em livros, revistas e jornais – e cobrado pelas mulheres que se dividem na dupla jornada, doméstica e profissional – não quer voltar atrás com a separação. Depois de anos de feminismo, os papéis parecem se inverter. Elas detêm o poder, e eles se unem e reivindicam. O ideal é que nessa queda-de-braço vençam os filhos.
Quando o pai é ausente
– Meninas têm 2,5 vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio.
– Meninos têm 63% mais chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas.
– Meninos e meninas têm duas vezes mais chances de acabarem na cadeia e aproximadamente quatro vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais para problemas emocionais ou de comportamento
Fonte: Departamento de Serviços Humanos e Social dos EUA
“É preciso preservar o contato diário”
O psicólogo catarinense Evandro Luiz Silva faz campanha pela guarda compartilhada na teoria e na prática. Em dezembro, ele defende na UFSC a dissertação de mestrado Guarda de Filhos: Conseqüências Psicológicas. No dia-a-dia, divide igualmente com a ex-mulher o tempo e os cuidados com os dois filhos.
Nesta entrevista, por telefone, ele avalia o movimento de pais e a importância de manter a proximidade com os filhos depois da separação.
Donna ZH – A organização de homens em associações, como a ParticiPais e a Pai Legal, é sinal do surgimento de um novo pai?
Evandro – Há um novo homem que divide as tarefas em casa e o cuidado com os filhos – e que não quer perder isso na separação. No entanto, há pais que sempre foram ausentes e, na hora da separação, querem a guarda compartilhada apenas por uma disputa de poder. Mas a guarda compartilhada exige alguns requisitos, e um deles é que ambos os pais tenham bom vínculo com o filho. Se for um pai que nunca brincou, nunca cuidou, não há como ter a guarda compartilhada – ele não é um porto seguro para a criança. Essa exigência é legítima dos pais que sempre se envolveram com os filhos.
Donna ZH – Assim como há homens que lutam pela guarda compartilhada, há mães que buscam essas associações para tentar resgatar os pais, que se limitam a pagar a pensão.
Evandro – O que normalmente acontece é que, depois da separação, há uma briga, e por conseqüência o pai só pode ver o filho a cada 15 dias. O problema é que o tempo da criança é diferente do tempo do adulto: duas semanas podem equivaler à sensação de quase dois meses. Isso é tempo suficiente para gerar um afastamento – também do pai. Aí, chega o dia da visita, e o filho não quer ir, nem o pai faz muita questão – o que se chamaria Síndrome de Alienação Parental. Então, se perde o contato. É preciso preservar o contato diário, no mínimo semanal entre pais e filhos.
Donna ZH – Do ponto de vista da criança, qual o melhor acerto entre os pais?
Evandro – A guarda compartilhada, mas quando os pais não se entendem nem essa nem a guarda exclusiva funcionam. Quando o pai for buscar o filho para a visita quinzenal, a mãe vai dizer que a criança não está. Mas juízes acham que, se os pais não estão de acordo, é melhor dar a guarda exclusiva. O indicado seria a guarda compartilhada porque, ao menos, se garante o convívio com ambos os pais. Se a criança só convive com o mãe, o conceito que terá do pai será o que ela passa – e vice-versa. Todos os pacientes que atendi em consultório, filhos de pais separados, vivem com guarda exclusiva. Chegam com sintomas como depressão, agressividade, baixo rendimento escolar.
Donna ZH – Críticos da guarda compartilhada dizem que é difícil para a criança se adaptar a duas casas, duas rotinas diferentes.
Evandro – A criança tem vínculos, mas não é com a casa, e sim com os pais. Ela pode se adaptar muito bem a duas casas, dois quartos, duas camas. Gato é que cria vínculo apenas com a casa. A criança não pode perder o vínculo com o pai ou a mãe, se sentir visitante na casa de um ou de outro. O problema é quando pais moram em cidades diferentes, porque a criança perderá vínculos com o colégio, os amigos, e poderá se sentir insegura.
Donna ZH – Cresce o número de homens que pedem a guarda dos filhos. Os pais já estão prontos para essa experiência?
Evandro – Muitos homens estão prontos, e muitas mulheres estão prontas para conseguir dar a volta na cobrança social, saber que amam os filhos e por isso podem deixá-los com os pais. Elas sabem que não é papel só delas criar os filhos – e muitos homens já sabem fazer isso bem.
Em busca da guarda da filha
RAFAEL KALSING / Técnico em telecomunicações, 26 anos, separado há três, membro da Associação de Pais e Mães Separ
Depois da minha separação, há três anos, passei a morar em Esteio, e minha ex-mulher e nossa filha, de cinco anos, em Florianópolis. Entramos em acordo de que eu ficaria com a menina uma semana por mês, até que ela entrasse na escola.
Há dois meses, minha ex-mulher se mudou sem me avisar, e fiquei um mês e meio sem contato com minha filha. Eu havia dado a ela um celular para manter contato, mas o aparelho se “extraviou”. Tentei localizá-las e não consegui e acionei a polícia de Florianópolis. Pedi afastamento do trabalho e fui a Santa Catarina para tentar achar minha filha. Há pouco mais de 20 dias, a encontrei morando perto da antiga casa.
Então, decidi entrar com uma ação judicial para fazer valer os meus direitos de pai e para o bem da minha filha. Quero pedir a guarda da menina. Se não conseguir, quero ao menos que o juiz assegure o direito de vê-la. Mas sei que nesse processo o pior prejudicado é sempre a criança.
Saiba o que fazer para
… melhor aproveitar o tempo com o filho nas visitas ou finais de semana
Esteja realmente com ele. Estar com o filho não é levá-lo a um parque e apenas assisti-lo brincar. Aproveitar os dias de visita para convidar amigos e seus filhos para alguma atividade também não deve ser uma opção freqüente. O importante é encontrar algo para fazerem juntos – e a sós.
… encurtar a distância quando pai e filho moram longe um do outro
Além de telefonar e mandar e-mails diariamente, você pode inventar atividades em comum, que os aproximem, como colecionar coisas juntos ou combinar de assistirem a um mesmo jogo pela TV e depois se ligarem para comentar.
… dialogar com a ex-mulher que dificulta a visitação do pai
O pai deve conversar com a ex, mas isso nem sempre é fácil. Uma saída é mandar a ela um e-mail ou carta com artigos sobre a importância da presença do pai no desenvolvimento dos filhos. Outra idéia é sensibilizar a rede de pessoas mais próximas a ela como, por exemplo, ex-sogros, ex-cunhados, amigos em comum etc. A escola também pode ser um mediador, assim como psicólogos e terapeutas de família.
Se o diálogo não funcionar, o pai pode acionar a ex-mulher na justiça para que seja garantido seu direito de visitação.
… aumentar o número de visitas ou dias em companhia do filho
Também vale a conversa com a ex ou a tentativa de convencê-la por meio de amigos, parentes ou pessoas influentes. Se não der certo, o pai pode requerer na justiça mais dias com o filho. No caso dos que têm apenas o direito a ver o filho em finais de semana alternados, é mais fácil de o juiz se sensibilizar. O processo pode levar mais de um ano, mas é possível obter uma liminar ampliando a visitação antecipadamente até ser dada a sentença. Mas, como qualquer outro desentendimento entre os pais, a disputa legal inevitavelmente trará mais sofrimento à criança.
Fontes: terapeuta de família Marilia Lohmann Couri e advogada de família Mônica Guazzelli
Eles podem ajudar você
– Associação de Pais e Mães Separados (Apase): www.apase.org.br
– Pai Legal: www.pailegal.net
– Associação Pais para Sempre: www.paisparasemprebrasil.org
– ParticiPais: www.participais.com.br
– Movimento Guarda Compartilhada Já: guardacompartilhada.vilabol.uol.com.br
– Direito de Família: www.direitodefamilia.com.br
Homens assumem a paternidade e não abrem mão desse direito (dever) de pois da separação
Foto(s): Júlio Cordeiro, Agência RBS/ZH
Paulo Habl, da Pai Legal, vive com a filha Sophia, de 14 meses, do segundo casamento. Desde a separação, ele convive pouco com o filho mais velho
Foto(s): Arquivo Pessoal, Agência RBS/ZH
No acordo feito com a ex-mulher, Júlio Machado vê as filhas Roberta, sete anos, e Marcela, cinco, diariamente
Foto(s): Dulce Helfer, Agência RBS/ZH
09 de novembro de 2003