Homem tem jeito para cuidar de criança?
Maria Luiza de Carvalho*
Estes são chavões muito ouvidos entre nós. São produtos da divisão tradicional do trabalho entre homens e mulheres, em que aos homens cabem as funções públicas e às mulheres a vida doméstica. Cuidar é coisa de mulher, haja vista a grande quantidade de mulheres em profissões ditas femininas: enfermagem, educação, psicologia, etc.
Mas a história não é bem assim pois a observação de pais dando o primeiro banho numa maternidade pública, tem mostrado que os homens inicialmente desajeitados, logo se tornam afetuosos e competentes ao cuidar do bebê. No entanto, no convívio doméstico, muitas mulheres relutam em permitir que o homem se aproxime do neném ou passe a administrar com ela a casa. Tarefas do poder feminino: ser a rainha-do-lar. E, poder, vocês sabem, a gente não gosta de perder, não é?
Por outro lado, há muitos homens que também têm dificuldades em se aproximar dos cuidados com os filhos, pois desta forma ficaria descaracterizado o seu papel de macho, aquele que banca economicamente a família e é servido pela mulher em casa. Mas os homens já não são mais os únicos provedores e estão tendo que se adaptar à nova independência econômica feminina. Entre essas adaptações surge a divisão das tarefas domésticas. Segundo dados do IBGE, 51 % dos homens participam dos trabalhos da casa.
Muitos homens se identificam como desajeitados para cuidar de criança. Por que será que isto ocorre? Longe de ser uma capacidade dada pela biologia, cuidar é uma tarefa aprendida pelas meninas desde cedo, sendo mamães de suas bonecas. Quando um menino se interessa por brincar com bonecas, a família fica assustada, achando que este pode ser um sinal de homossexualidade. Só que estamos presenciando novas possibilidades de participação afetiva e efetiva do pai na vida das crianças, sem que estes homens, obviamente, mudem sua opção sexual.
A tarefa de cuidar, entre nós humanos, se aprende socialmente. Isto fica claro quando observamos as dificuldades da mulher urbana em amamentar e cuidar do neném, muitas vezes, por nunca ter participado da criação de outros bebês da família. É óbvio que a biologia, através da gravidez, facilita à mulher a formação de vínculos precoces com o bebê, mas não garante o exercício de uma maternidade satisfatória. Muitas mulheres não se sentem confortáveis nesta tarefa, sentindo-se culpadas por não serem aquela boa mãe que se exigem. O reforço social para o desenvolvimento das capacidades femininas de cuidar é muito grande. A expressão mãe desnaturada reflete bem a exigência sobre a mulher de dedicar-se aos filhos, para evitar ser qualificada como tal. No entanto, o pai que não cria os filhos, ou quando separado se afasta deles não recebe nenhum julgamento de seu grupo social.
As instituições sociais em sua maioria afastam o homem da educação e cuidados com a criança. É a escola que embora faça a reunião de pais, não questiona a presença apenas de mulheres na maioria destes encontros, embora muitas delas trabalhem fora. Nas maternidades, a entrada do pai na sala de parto nas maternidades públicas, precisou ser normatizada (cidade do Rio de Janeiro e Estado de São Paulo) para que o homem, como qualquer outro acompanhante à escolha da mulher, possa presenciar o nascimento de seu filho. Os homens não são convidados a participar do pré-natal durante a gestação. Nos postos de saúde, não há fotos de homens com bebês, expressando a expectativa de que aquele seja um espaço exclusivamente feminino. Os homens são mantidos à distância pela atenção prestada à gestação e ao nascimento da criança. As relações de trabalho também dificultam a participação do pai, pois não se aceita que homem falte ao trabalho porque o filho ficou doente, havendo uma expectativa de que este seja papel de mãe.
Enquanto a mulher desde cedo é preparada para a maternidade, com as brincadeiras de bonecas, cuidar de filhos não costuma fazer parte do projeto de vida dos homens. Suas atenções em geral estão voltadas para a competitividade do mundo profissional. Na vida sexual, os homens, tem mais dificuldade no uso da camisinha, como se a relação sexual sem cuidados anticonceptivos, não implicasse em paternidade futura. Cabe à mulher tomar pílula e controlar o período fértil. Se engravidar, o erro foi dela.
Todos estes fatores contribuem para a descrença de muitos homens na sua capacidade de serem amorosos e competentes no cuidado com os bebês. Além disso, tornar-se pai na maioria das vezes é vivido como um grande susto. Parece que aí é que o homem entra na vida adulta. Embora pouco se fale das experiências masculinas durante a gestação, pode-se imaginar a quantidade de emoções que um homem vive ao longo desse período. A responsabilidade econômica, o compromisso afetivo com a família, o projeto de vida, o medo da nova experiência, a transformação na relação com a mulher gestante e futuramente mãe, a divisão do amor com o filho, etc. são temas que costumam surgir nos corações masculinos e que não costumam receber a devida atenção daqueles que prestam assistência à gestação e ao nascimento.
A capacidade masculina de cuidar e de formar vínculos vem sendo observada através de estudos com homens americanos que tiveram contato com seu bebê despido, trocando fraldas e olhando “nos olhos” nas primeiras três horas de vida. Entre estes pais, o cuidado e a interação afetuosa com seus bebês é aumentada nos primeiros três meses de vida, além de propiciar um sentimento de maior proximidade com suas esposas. Não podemos esquecer que o homem que não participa da vida do bebê sente-se em geral excluído pois a mulher gasta muitas horas no cuidado com a criança, sem sobrar tempo para o marido. Outros estudos, mostram que pais adolescentes, apesar de todas dificuldades da precocidade da paternidade, quando acompanham as consultas do pré-natal e participam do trabalho de parto e do nascimento, têm maior probabilidade de acompanhar as consultas mensais dos seus filhos (as) até por volta de dois anos de vida.
Pais adolescentes, apesar de todas as dificuldades da precocidade da paternidade, quando acompanham as consultas do pré-natal e participam do trabalho de parto e do nascimento, têm maior probabilidade de acompanhar as consultas mensais dos seus filhos(as) até por volta de dois anos de vida, segundo pesquisas.
Há momentos na nossa vida que são especiais na formação de vínculos. Chamam-se períodos sensitivos¹ pela facilidade maior que a pessoa tem de ser influenciada por um evento, do que noutros momentos. O período do nascimento do filho é um deles, facilitando para o pai e a mãe vincular-se ao bebê, em virtude de toda a transformação emocional que eles estão vivendo para lidar com o novo integrante da família. Bebê, mamãe e papai estão passando por profundas mudanças, reorganizando suas vidas e esta é uma oportunidade de maior sensibilidade de todos. Não há porque os homens não aproveitarem este momento na construção de vínculos afetivos duradouros.
*Maria Luiza de Carvalho
Psicoterapeuta corporal com formação em Biossíntese, com experiência no trabalho com crianças, adolescentes, adultos, terceira idade, psicóticos e suas famílias.
Psicóloga da Maternidade-Escola da UFRJ há 10 anos, trabalhou com Psiquiatria nos 20 anos anteriores.
Especialista em Terapia de Adolescentes (Inst. Psiquiatria UFRJ), Psiquiatria Social (Colônia Juliano Moreira-FIOCRUZ), e Psicologia na Assistência Psiquiátrica (Inst. Psiquiatria UFRJ).
Mestre e Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS, Inst. Psicologia, UFRJ) e pesquisadora sobre paternidade, gênero, saúde sexual e reprodutiva.
Tel.: 21 2234 3695