É polêmica a questão da guarda de filhos de pais separados, tenham sido casados ou não. Fala-se em guarda compartilhada como sendo a solução para os conflitos que surgem por pretenderem os pais ter maior contato com os filhos. Pretende-se que isso represente a igualdade da permanência do filho na companhia de cada um; parece que apenas cuidam do contato físico, como se a finalidade fosse mostrar ao menor que o direito de tê-lo em sua companhia é igual para ambos os pais.
Não deve ser assim. O que se deve procurar é mais tempo para transmitir aos filhos experiências de vida e o que é importante para o futuro da criança. Gestos simples, palavras ditas ao acaso, o modo de arrumar a mesa para o jantar, fechar uma porta ou uma janela à noite podem representar importante experiência para o futuro da criança.
Não se pode vincular a adjetivação da guarda de filho, como guarda conjunta, compartilhada, alternada, dividida ou o que se quiser, ao direito de visitação por aquele dos pais com quem não reside o menor.
Não há direito de visitação. O direito que têm os pais é de terem os filhos em sua companhia e, se não decidirem isso harmoniosamente, transferem para o juiz a obrigação de estabelecer os períodos em que os filhos ficarão na companhia do pai e da mãe – o que não nos parece racional. Transferida para o juiz a obrigação que moralmente é dos pais, o magistrado pode recorrer ao padrão, o que sempre é mais fácil e é usualmente aceito.
Assim, o pai ou a mãe com quem a criança reside terá o filho em sua companhia em fins de semana alternados, na metade das férias escolares, no dia dos pais (ou das mães), alternando-se Natal e ano novo. A isso se convencionou chamar de regime de visitação, o que transforma um dos pais em mero visitante do filho, ou o filho em simples visitante do pai. Esse estado de coisas não pode ser aceito nem pelos pais nem pelos filhos, tampouco pela doutrina e muito menos pela jurisprudência.
Os filhos têm o direito de conviver com ambos os pais, e o fato de viverem estes separados não pode retirar da criança esse direito, como fazem alguns, causando-lhe traumas, sofrimentos e angústia pela espera e pela incerteza da companhia daquele que é o responsável por sua existência em um certo fim de semana – que pode não acontecer, eventualmente, em razão de um compromisso profissional urgente e inesperado, de um médico, dentista ou advogado que necessitou atender a um cliente no horário da “visita”.
O convívio do filho com o pai ou a mãe que não tem a sua custódia não pode ser denominado de visita e não pode ser esporádico como é adotando-se o sistema padrão. Nada impede, por exemplo, que o pai com quem não reside o menor possa levá-lo ao colégio ou lá recebê-lo ao final das aulas e levá-lo para casa, sua ou dele, um dia ou outro da semana, ou levá-lo ao curso de língua estrangeira, balé, clube ou academia de ginástica, médico ou dentista. Nada pode impedir que fale com o filho ao telefone para saber como foi o seu dia na escola, se foi bem nas provas, ou o convide para pescar, assistir a uma partida de futebol no fim de semana ou feriado, quando o que detém a guarda não tem programa melhor ou que interesse mais ao filho, desde que não haja prejuízo para seu rendimento escolar, apenas porque aquele fim de semana não lhe é reservado para a “visita”. Mas o egoísmo, segundo mostra a experiência, tem obstado esse maior contato, apenas porque naquela semana não havia sido estipulada a “visita”.
Há em tramitação no Congresso dois projetos de lei que falam em guarda compartilhada, mas nos parece que não devemos e não precisamos adjetivar o instituto jurídico da guarda. Esta, que tem por fim a proteção total da criança no caso dos pais separados, não tem o condão de retirar de um deles o pátrio poder ou poder familiar, como denominado pelo novo Código Civil. O que deveria constar na lei, em especial no código, é que, mesmo separados os pais, seus direitos e deveres para com os filhos permanecem os mesmos, como se a união ainda persistisse como antes.
Entendo que, mesmo separados, os pais devem permanecer unidos quanto aos interesses dos filhos, exercendo em conjunto o poder familiar ou pátrio poder. Bastaria um dispositivo legal dizendo que o exercício dos direitos e deveres para com os filhos, inerentes ao pátrio poder ou poder familiar, permanece mesmo depois de separados, e que as decisões importantes relativas à vida dos filhos, quanto a saúde, educação, segurança e sustento, devem ser adotadas em conjunto e por consenso dos pais, adicionando-se um parágrafo ao art. 1.631 do Código Civil de 2003, que, como está, concede o poder familiar aos pais apenas durante o casamento, considerando que o art. 1.632 estabelece que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
RONALDO MARTINS é juiz da Primeira Vara de Família RJ