Em benefício dos filhos
A disputa de guarda é sempre uma questão de poder
POR RODRIGO DA CUNHA PEREIRA – o gLOBO
29/12/2014
Começou a vigorar no Brasil um novo sistema de educação e criação de filhos de pais separados, com a promulgação da Lei 13.058/14. A partir de agora a guarda dos filhos será obrigatoriamente compartilhada. Há exceções, claro, pois há quem não queira, não possa ou não tenha condições de participar do cotidiano dos filhos. Antes, a guarda seria compartilhada apenas quando possível. Mas sempre davam um jeito de não ser possível. Agora mudou. Está instalado um novo paradigma jurídico em que os filhos serão os maiores beneficiários.
Criar filhos com responsabilidade não é nada simples, nem mesmo quando os pais vivem juntos ou se entendem. Esta lei vem exatamente para os pais que não conseguem conversar entre si. Para os que dialogam, obviamente, não precisa de lei alguma. A lei externa (jurídica) é para colocar limites e estabelecer parâmetros para quem não os tem internamente. Neste caso a lei vem “barrar o gozo” dos pais, que muitas vezes usam os filhos como moeda de troca do fim da conjugalidade, e fazem disto um jogo de poder: “A guarda é minha!”, ou, “Não quis ficar comigo, vai comer o pão que o diabo amassou e não vai participar da vida do nosso filhos!”. E isto nem sempre é tão explícito. Na maioria das vezes é feito com sutileza.
Não querer compartilhar a guarda é não pensar verdadeiramente nos filhos. Muitas mulheres compartilham o cotidiano dos filhos com avós, vizinhos, creche, mas não admitem compartilhar com o pai. Ou seja, a disputa de guarda é sempre uma questão de poder. E assim esta lei vem quebrar uma estrutura de poder. Este é o seu maior mérito.
Como toda lei, esta também não é perfeita. O IBDFAM — Instituto Brasileiro de Direito de Família tentou aperfeiçoá-la para que se desfizesse uma confusão ali instalada entre guarda compartilhada e guarda alternada. Não foi possível. Mas a lei é bem intencionada e no caso a caso é que se farão as adaptações e interpretações necessárias para que os filhos possam ter uma convivência, inclusive de tempo, equilibrada entre o pai e a mãe. Em muitos dos casos, a guarda alternada, isto é, divisão igualitária de tempo (cada semana, ou mês, com um dos pais, por exemplo) não é recomendável. Mas a guarda compartilhada é sempre (salvo exceções) conveniente para os filhos, e em nada interfere no pagamento de pensão alimentícia que continua sendo de responsabilidade de ambos os pais na proporção de seus ganhos.
O próximo passo do Legislativo, e que também contribuirá para ajudar na evolução do pensamento jurídico e quebra de paradigmas, é a aprovação do Estatuto das Famílias, PLs 470/2013, que substitui a expressão “guarda” por “convivência familiar”. Além de significado, as palavras trazem consigo um significante. Guarda veicula a ideia de objeto e não de sujeito. O ideal é que não se fale mais em guarda, mas de um exercício de paternidade e maternidade compartilhados.
A separação dos pais não precisa significar o distanciamento da rotina dos filhos. Mas para isto é necessário que se veja pelo ângulo do interesse maior da criança/adolescente. Obrigar os pais a compartilhar a “guarda” dos filhos é determinar que eles saiam do seu egoísmo e tenham um olhar mais generoso com os próprios filhos.
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado