DIA dos PAIS X Dia da Paternidade
O Dia dos Pais, mais do que uma data de cunho fortemente comercial, deveria ser uma oportunidade para se refletir sobre a paternidade, sua função na família e na sociedade.
A paternidade, assim como a vida humana, tem ficado cada vez mais despida de significados num mundo de fast-foods e relações superficiais.
Nascer e morrer tem se tornado, em nossa sociedade do espetáculo, atos e fatos cada vez mais banais. Explico. Com a liberalização dos costumes e a relativização da moral sexual, o sexo tornou-se um ingrediente saudável das relações afetivas e amorosas. “Ficar”, transar, sexo rápido em um baile funk, etc. são costumes que têm se tornado comum em todas as classes sociais, mas não estão necessariamente acompanhados da responsabilidade da prevenção de gravidez.
Adolescentes, cada vez mais novos, têm gerado outras vidas antes mesmo que o ciclo de sua própria vida de adolescente tenha se completado e sem que tenham como se sustentar. O pai, também adolescente, se é que fica sabendo que será pai, não assume nem mesmo o ato de registrar o nascimento da criança.
É alarmante a estatística de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento, embora a lei 8560/92 preveja que o Estado, através do Ministério Público, deva intervir para buscar o pai das crianças cujo assento de nascimento não conste o nome. A conseqüência da banalização do ato de nascimento é nefasta. E não poderia ser diferente o resultado desta irresponsabilidade que tem, obviamente, como pano de fundo, a falta de políticas públicas sérias em favor das crianças e adolescentes. Essas milhares de crianças e adolescentes não entram na engrenagem da máquina política. Não dão voto. Mas a conseqüência mais perversa está na outra ponta, o aumento dos índices de criminalidade tem relação direta com o abandono, paterno ou do Pater-Estado.
Da mesma forma que o nascimento foi não planejado, banal e banalizado, os percursos da vida dessas crianças as encaminham em direção a matar e/ou ser morto, como tão bem já retratado no filme “Cidade de Deus” de Fernando Meireles. Mas, muito antes deste filme, ou seja, há mais de 26 anos, Chico Buarque de Holanda já denunciava através da música “O Meu Guri” a falta dessas políticas públicas cantando esta dura realidade: “Quando, seu moço, nasceu meu rebento / Não era o momento dele rebentar / Já foi nascendo com cara de fome / E eu não tinha nem nome pra lhe dar” (…) “Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro / Chave, caderneta, terço e patuá / Um lenço e uma penca de documentos / Pra finalmente eu me identificar” (…)
Mas, a questão do pai transcende as classes sociais menos favorecidas economicamente, embora aí sejam mais visíveis as conseqüências da falta de um pai, inclusive do Poder-Estado. Todos nós, pobres ou ricos, somos marcados na vida pelo pai, seja pela sua presença ou ausência. É que o pai é estruturador do sujeito. Sem pai não é possível que alguém se torne sujeito. E para não correr o risco de cair em um moralismo vazio, é bom explicar que o pai, muito mais que o genitor, é uma função exercida.
Seria bom que houvesse coincidência do pai biológico, com o pai registral e o pai afetivo. Mas, não necessariamente, já que a paternidade pode ser exercida pela própria mãe, pelo avô, pelo companheiro, etc. As diversas formas de representação social da família, por mais variada que seja, mesmo as mono parentais ou homo afetivas, não pode prescindir de “um pai”, ou seja, alguém que transmita a lei, isto é imponha limites, cuide e exerça uma autoridade parental, incluindo-se aí também o afeto.
A questão do pai vai do particular ao coletivo. Quem neste mundo nunca se perguntou sobre o seu pai, nem que fosse para reclamar sua falta, admirar, brigar, lamentar? Mesmo quem não tem pai vivo, ou nunca teve pai conhecido tem sua presença marcada pela ausência. E qual pai nunca se perguntou se estava sendo um bom pai? No coletivo, isto é, na organização política de qualquer sociedade, o chefe da nação ocupa e exerce também uma função de pai na medida em que é, ou simboliza, o organizador de determinada sociedade ou país.
Apesar de todo apelo comercial e de todas as manipulações decorrentes e em prol dos interesses de mercado, o dia dos pais é uma data muito significativa. Deveríamos aproveitar o significado deste dia não apenas para refletir sobre as milhares e milhares de crianças sem pai, sobre a importância da relação pai-filho, sobre os filhos cuja paternidade foi exercida por outrem em substituição ao pai biológico, mas, principalmente, praticar atos e propor ações que possam conscientizar e viabilizar uma paternidade responsável.
Este seria um ato político importante em prol de uma paternidade responsável. E poderíamos começar a utopia mudando o nome do dia dos pais para o “dia da paternidade”. Imprimir este novo significado ao dia dos pais já seria um bom começo de mudança, a partir da conscientização que poderá advir deste novo significado e significação.
Rodrigo da Cunha Pereira é presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Doutor em Direito Civil pela UFPR, advogado e professor da PUC-MG.