” F r a n c i s c a “
Pediram-me com alguma insistência para relatar ou dar a minha visão, como participante interveniente no nascimento da Francisca.
Devo desde já confessar que estive renitente, porque penso que ambas (mãe e filha) geraram um verdadeiro e bem organizado complôt contra a minha pessoa, testando a todo instante a minha pessoa, pondo à prova todas as minhas capacidades.
Mas vamos lá.
Desde cedo, comecei a preparar a unidade onde trabalho, como enfermeiro – obstetra, para o nascimento da Francisca e todos começaram a sentirem-se intervenientes no processo. Desde cedo comecei a ser testado por ambas as mulheres (mãe e filha), pois eram nas horas mais opurtunas, 4 ou 5 da manhã, que era violentamente acordado porque estava “nascendo” a menina. Depois de feita a avaliação e, como se diz em Portugal, santos da casa não fazem milagres, lá tinha que me vestir, empurrado por um rio de lágrimas, como se o mundo estivesse a acabar e irmos à maternidade para fazer um registo, normalmente eram sempre falsos alarmes.
Chegados são e salvos às 38 semanas de gestação, tirei férias para estar disponível para dar o melhor apoio às duas no momento que se adivinhava ser importante e breve para todos (lembrem-se dos falsos alarmes). Continuou de forma abusadora a intentona contra a minha pessoa, mas agora muito mais grave.
A cada dia que passava no meu serviço, todas as pessoas que ali trabalham vinham com um sorriso de orelha a orelha e perguntavam “então é hoje que vais ser pai?”. Nos primeiros dias ainda respondia com relativa facilidade, mas à medida que o tempo ia passando, ia ficando sem argumentos e sem capacidade de enfrentar com vontade toda aquela multidão. Por fim já me apetecia estrangulá-los.
Entretanto as duas protagonistas continuavam a armação só para me porem à prova perante todos.
A mãe continuava com as queixas das contrações, a Francisca lembrava-se (segundo a mãe) de ficar sem mexer durante longos períodos. Por vezes já ficava no carro de plantão porque eram mais as vezes que vinha para a maternidade do que aquelas que ficava no conforto do sofá a gozar as “merecidas” férias.
38, 39, 40, 41 semanas e nada. Por fim já evitava por vergonha esquivando-me conforme podia às investidas delas e dos meus colegas.
As férias estavam no fim e Francisca nada. Pronto, ia entrar ao serviço no dia 8 de Julho. Entretanto no dia 6, consegui, através de uma persuasão de quase 15 dias, arrastar a mãe da Francisca, para vermos um espetáculo multimídia que se realizava no rio Mondego e que começava à meia-noite. E fomos.
Durante o show, a Vânia começou-se a contorcer com dores, diferentes de todas as outras. Pela minha experiência era agora que se estava a chegar a hora. Um único e insignificante problema, estavam cerca de 50.000 pessoas a ver o espetáculo e tivemos que esperar ao frio que aquela multidão começasse a escoar até para não a atropelarem e magoarem. Chegamos a casa às 5 da manhã tempo para tomarmos um duche e irmos ver como estavam as coisas. Chegados à maternidade, apresentava 3 cm de dilatação e então disse finalmente e com um ar vitorioso de grande resistente, vais ficar porque a Francisca, finalmente, vai nascer.
O tempo foi passando, passando, passando e eu já me começava a interrogar.
Finalmente às 15 horas já estava com 7 cm e antevia-se um resto rápido.
Puro engano.
A dilatação parou e na minha mente só aparecia um letreiro, incompatibilidade feto-pélvica. Ás 18h a imagem do bloco operatório estava cada vez mais perto para uma cesariana. Então pela única vez durante este tempo todo vi as duas a colaborarem comigo, e, pondo em prática toda a experiência adiquirida durante 7 anos em bloco de partos, consegui pôr a Francisca em occipito-púbica, apesar de permanecer em primeiro plano de Hodge.
Claro que estar convencido que a colaboração das duas era completa, era puro engano, e assim às 19 e 15 e com a colaboração de uma ventosa, conseguimos arrastar, puxar etc.etc.etc. a Francisca para junto de nós.
Com apgar de 10 ao 1º min. e com 3,440 Kg de uma vitalidade aterradora, fazia antever desde logo tempos difíceis. E assim foi.
No entanto pela primeira vez consegui dizer a todos da maternidade, já passou e escusam de fazer incessantemente essa pergunta. É hoje que vais ser pai?
Entretanto a minha desconfiança estava certa. Francisca provavelmente com um pacto feito com os deuses índios da Amazônia, tem uma predileção para conversar (leia-se BERRAR, BERRAR, BERRAR) da meia noite até às 4 da manhã, carrega pilhas (leia-se descansa) até às 5 e depois volta a conversar com mais intensidade até o sol já ir alto. Só depois e pq falar assim deve cansar, descansa na paz por brevíssimos períodos para mamar e “conversar” até às 20h para depois voltarmos a novos debates temáticos encalorados pela noite dentro.
É caso para dizer há momentos que não lembra ao diabo.
Como nem tudo pode ser mau, a mãe produz bastante leite, ela mama muitíssimo bem, apresentando excelente pega e a mãe até ao momento ainda não passou por nenhuma dificuldade.
Graças a Deus.
Desculpem o tamanho da mensagem e até breve.
António Ferreira
de Lisboa – Portugal