OnG combate a punição corporal
Junior SantosOnG Resposta
quer mostrar que bater não educa
A organização não-governamental Resposta — Responsabilidade Posta em Prática — está ampliando seu foco de atuação e, além do trabalho voltado ao combate à exploração sexual infanto-juvenil, vai dar início a dois novos projetos sociais. O primeiro é uma campanha educativa, com foco principalmente nas escolas, tendo como tema a punição corporal contra crianças e adolescentes. “No Brasil, há uma forte cultura, arraigada nas tradições judaico-cristãs, que prega que bater educa. O trabalho que vamos desenvolver é exatamente para combater esse tipo de pensamento”, diz a presidente da ONG, Ana Paula Felizardo.
As outras ações da organização não-governamental também mexem com tabus. São trabalhos em duas frentes. Um tem como sentido incentivar homens jovens que alimentam o desejo de ser pai a participar de todas as etapas da gestação da mulher, dividindo a responsabilidade e exercendo no dia-a-dia a paternidade. O outro visa instruir mães solteiras a buscar, na Justiça, o reconhecimento da paternidade de seus filhos. As ações são inspiradas em duas experiência com grande reconhecimento e resultado em Recife: a do Instituto Papai e a da Associação Pernambucana de Mães Solteiras (Apemas).
Quanto ao primeiro projeto, previsto para ter início ainda neste mês, Ana Paula Felizardo diz que a motivação dele está relacionada ao fato de a punição corporal ser a experiência que antecede o espancamento. E há também um dado estatístico importante que, segundo ela, merece ser levado em consideração.
“Segundo a Unicef, a pobreza, junto com os maus tratos, são os dois principais fatores que levam a criança a ir para a rua”, diz Ana Paula. Ainda de acordo com ela, a punição corporal adotada para reprimir o comportamento da criança ou adolescente não só é praticado naturalmente como também é incentivado e reiterado todos os dias. “É muito comum acontecer de alguém ver uma criança levada e justificar o comportamento dela dizendo que é falta de peia”, exemplifica.
Ana Paula entende que devido à educação judaíco-cristã foi desenvolveu no Brasil uma relação de culpa e não de responsabilidade. “O certo é mostrar a criança que ela errou, e ensiná-la a fazer de maneira certa. E muitas vezes a criança acaba sendo punida porque a reponsabilidade que lhe é dada não é apropriada para ela. Acaba sendo uma atribuição não compatível com sua idade. Isso é muito comum”.
O outro trabalho também deve mexer com as estruturas estabelecidas, uma vez que ainda é muito forte a cultura de que a responsabilidade e culpa pela gravidez é somente da mulher. “Isso está disseminado fortemente na nossa sociedade. Vem daí a pequena participação dos pais na vida dos filhos e também a grande quantidade de crianças sem pai declarado (estima-se que elas sejam 800 mil). O pior é que o Brasil não tem referências positivas de reconhecimento da paternidade. Um dos principais ícones brasileiros, o jogador Pelé, não reconheceu a filha”, diz Ana Paula Felizardo.
“Você olha nos murais, nas paredes e só vê cartazes com fotos de mulher, direcionadas à mãe. Quando o homem vai acompanhando a mulher não é convidado a entrar e acompanhar os exames. No projeto, nós vamos atuar junto a esses espaços e profissionais também”, diz Felizardo, lembrando que o pai, do mesmo jeito que a mãe, fica anisoso durante os nove meses de gestação.
Quanto às crianças sem pai declarado, essas começam a ter problemas desde à escola. “Uma sobrinha minha ficou questionando os pais e cobrando um segundo irmão porque na tarefa da árvore genealógica que ela tinha que fazer havia o espaço para o pai, a mãe e três filhos. Imagine isso na cabeça de uma criança que não tem pai, sem contar as festas, as datas comemorativas. O pior é que não estamos preparados para tratar do tema de forma positiva”.
Tudo começou com o Código de Conduta
A ONG Resposta surgiu em 2003, para colocar em prática o Código de Conduta do Turismo Contra a Exploração Sexual Infanto-Juvenil, projeto pioneiro no País. O documento, permeado pelo caráter ético, educativo e preventivo, segue as recomendações do Código de Ética da Organização Mundial do Turismo e do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo um instrumento ao qual podem aderir empresas e instituições ligadas ao turismo, preocupadas com a proteção do público infanto-juvenil.
O documento ficou pronto em 2001, tendo resultado de um seminário em que participaram 160 representantes da sociedade civil, do governo e de entidades não-governamentais do Estado. Mas faltava, ainda, sua implemantação, o que só veio a ocorrer dois anos depois. “Nós tínhamos o código, mas não saíamos bem o que fazer com ele”, diz Ana Paula Felizardo.
Em 2002, ela passou a incorporar o documento e articulou um novo diálogo em torno dele. Da reflexão das entidades incubadoras do Código e do Comitê de Monitoramento do Código, nasceu a ONG Resposta. O código foi então publicado em seis idiomas e lançado.
O Código atua de três formas distintas. A primeira, no meio empresarial, busca a adesão de empresas e entidades ligadas ao turismo para que estas tenham em suas atividades as premissas do documento. Até agora, 102 empresas, de natal e do interior do Estado, aderiram ao código de conduta.
Paralelo a esse trabalho de conscientização, a Resposta realiza campanhas educativas e também atua provocando o poder público com o objetivo de que ele tome parte na luta contra a exploração sexual infanto-juvenil.
A falta da figura paterna nos lares brasileiros
O perfil dos homens que não assumem os filhos não pode ser traçado. Podem ser de classes mais baixas, quando não podem assumir a responsabilidade financeira de sustentar uma criança, casados que têm filhos em relacionamentos extra-conjugais, jovens que não querem assumir tamanha responsabilidade e homens que não têm com a parceira vínculo afetivo que o faça querer ajudá-la em todas as fases do desenvolvimento da criança.
Viviane Figueiredo, 23, é mãe há um ano. Quando engravidou de Maria Fernanda apenas namorava Fernando Lima, agora seu noivo. Ela conta que para a sua filha a presença do pai é fundamental. “Todo filho precisa do amor paterno, além da figura do pai, que vai ajudar a formar o seu caráter. Além disso, ele precisa ajudar a pagar as contas”, diz. Viviane fala que o pai, embora sem vínculo de matrimônio, nunca teve problema em assumir a filha, mas que se ele recusasse a responsabilidade ela seria capaz de entrar com ação na justiça para cobrar pelo menos a pensão que a neném tem direito.
O relacionamento não era o mais aconselhável no sentido de procurar evitar o abandono do filho pelo pai, garantem especialistas. A assistente de educação e treinamento da Bemfam (Sociedade Civil de Bem Estar Familiar no Brasil), Ana Paula da Costa, diz que, para que o pai queira assumir o filho, tanto documental quanto afetivamente, na maioria das vezes “é necessário que tenha um vínculo muito forte com a mulher”.
Quanto à importância da figura do pai, Ana Paula diz que ela é muito importante para que a criança construa uma referência masculina. A psicóloga explica que a criança tem com a mãe um vínculo desde o nascimento e “o homem é necessário para quebrar essa simbiose”. O pai é a representação da sociedade e traz equilíbrio para a relação familiar do filho. Sem a presença do pai, é necessário que a mulher procure uma figura masculina para substituí-lo, como um avô ou um tio.
A professora de educação infantil e psicóloga, Juliana Severo, diz que a família deve trabalhar a falta do pai em casa. “Tem criança que encara muito bem, mas outras preferem não falar da sua família quando o assunto é abordado na sala de aula”. Ela aponta que pode-se perceber que em uma relação bem trabalhada a criança automaticamente indica, no lugar do pai, um outro homem. As que não tiveram a mesma orientação por parte principalmente da mãe, procuram evitar o assunto. “Eles fazem qualquer rabisco, se calam”. Nesses casos, é importante que o professor se sensibilize e trate das famílias de um modo geral, sem exigir que o aluno se exponha.
O tema não pode ser ignorado por fazer parte do currículo pedagógico da maioria das escolas, mas a família não deve ser ensinada como pai, mãe e filhos. “É necessário abordar outros tipos de relações familiares, dizer que isso acontece com outras crianças. Temos que levar para a sala de aula esse senso de normalidade, dizer que elas não estão fora dos padrões”. Como o pai é a representação da figura masculina que dá proteção e carinho, pode-se incentivar que a criança pense em outra pessoa que possa ser colocada nesse papel.
Sociedade cobra do pai responsabilidade
A cobrança da sociedade sobre os homens que não assumem a paternidade tem aumentado com relação a tempos passados. A psicóloga Ana Paula da Costa comenta que “a sociedade responsabiliza mais o homem por isso. Um exemplo é a prisão pelo não pagamento de pensão alimentícia, uma das coisas que funciona no país”. Ela explica que, por muito tempo, perdurando até os dias de hoje, a cultura passada pelas famílias por diversas gerações é que a responsável pela contracepção é a mulher.
Existem formas de a mulher prevenir que seus filhos não tenham pais. São essas o uso de métodos anti-concepcionais, procurar engravidar quando estiver em relação estável e evitar a crença de que um filho irá uni-la ao parceiro. “O filho pode ser um fator aglutinado do casal ou o contrário”, esclarece Ana Paula.
Para evitar que mais crianças sem pais sejam geradas, a Bemfam tem realizado em Natal projetos com jovens nas escolas. “Temos avançado bastante nesse sentido”, garante Maria Edjane da Silva, psicopedagoga. “Acho que o lugar de se trabalhar isso é na escola. Levamos aos jovens a discussão do que é ser pai”. A colega Cynthia de Souza, antropóloga, informa que a atuação tratando o tema como assuntos transversal no currículo escolar é uma orientação do próprio MEC. “O trabalho é de resgate da relação em conjunto do homem com a mulher”, explica.
No entanto, como lembra Cláudia Candice Custódio, psicóloga da Bemfam, “alguns homens até se orgulham de ter muitos filhos, para mostrar sua virilidade”, e aponta que existem homens que querem e gostam da paternidade.