O papel do pai após a chegada do bebê
O rol paterno na cultura do desmame
Na nossa cultura, o pai que participa nos cuidados com o bebê é aquele que levanta durante a noite para preparar e oferecer uma mamadeira de fórmula enquanto a mãe tem o seu merecido descanso. Ou aquele que acalma o bebê com a chupeta, enquanto passeia pela casa em penumbra durante a madrugada. Não é raro ver esse tipo de representação em propagandas do Dia dos Pais. E a sociedade enche a boca para dizer: “Que paizão!”
Infelizmente, a mamadeira de leite artificial é vista, não só como uma forma de dar apoio à mulher, mas também como uma ótima maneira de pai e filho construírem o vínculo, pelo contato proporcionado durante o tempo de alimentação. A chupeta é considerada como item essencial para calar o choro, especialmente na ausência materna.
Mas nós sabemos hoje, que o uso de bicos artificiais pode levar ao desmame precoce por confusão de bicos. Que o uso indiscriminado de fórmula, além de comprometer a produção de leite da mãe, pode trazer efeitos colaterais à saúde do bebê. E que os danos dos bicos vão muito além dos riscos à amamentação. Na verdade, eles podem afetar a saúde e o desenvolvimento infantil em forma ampla.
Buscando o equilíbrio entre as novas prioridades e as tarefas de sempre, sem prejudicar a amamentação
Existem inúmeras maneiras do pai participar ativamente na dinâmica familiar e se vincular com o recém-chegado, sem prejudicar a amamentação e sem pôr em risco a saúde do bebê. Ele pode dar um banho, trocar uma fralda, dar colo depois que o bebê acaba de mamar, carregar no sling. Pode fazer uma massagem ou pele a pele para aliviar a cólica e embalar quando chega a “hora da bruxa” no fim do dia. Pode oferecer leite materno ordenhado no copinho se a mãe precisar se ausentar ou se estiver precisando de um descanso. Estas são maneiras maravilhosas em que pai e filho podem se conectar.
Ele pode assumir os cuidados com o filho mais velho, lavar uma louça, preparar uma refeição, colocar roupa na máquina, limpar o banheiro, fazer as compras. É muito importante que a mãe possa se desentender ao máximo de tudo o mais para se concentrar no bebê. Quanto menos distrações e sobrecarga mental houver, melhor fluirá a amamentação e mais fácil será a construção e fortalecimento do vínculo mãe-bebê no começo da vida extrauterina.
O pai pode se informar e se empoderar junto com a mãe, animá-la quanto à amamentação, reforçando a sua capacidade de nutrir e cuidar do bebê. Pode também funcionar como um filtro para os comentários alheios, preservando a mãe, já fragilizada pelo puerpério, dos palpites, críticas e conselhos não solicitados. Uma mãe apoiada e segura de si mesma poderá encarar com muito mais leveza os desafios da maternidade.
O pai como cuidador principal na ausência da mãe
Por ocasião do fim da licença maternidade e a separação precoce entre a mãe e o seu bebê, o pai pode assumir o papel de cuidador principal na ausência materna se a configuração laboral e familiar o permitir.
Embora nossa sociedade encare ainda com certo preconceito essa conformação, para o bebê é um enorme privilégio receber os cuidados amorosos e focados de uma de suas figuras de apego mais próximas. Para o pai é a chance de cultivar uma semente cujos frutos serão colhidos ao longo de toda a vida. Uma maneira ótima de fortalecer o apego e proporcionar um desenvolvimento ideal ao pequeno num contexto seguro e responsivo.
Para isso, mais uma vez podemos prescindir do uso de chupetas, mamadeiras e leite artificial. A mãe poderá deixar seu próprio leite extraído e estocado em casa, para ser ofertado ao bebê com um dispositivo compatível com a amamentação. Devemos lembrar que a necessidade primordial do ser humano é de contato. Então, na ausência do peito materno, mais importante do que dar um objeto para o bebê chupar, é oferecer a ele muito colo. Não se trata apenas de encher a barriga e manter as fraldas limpas. Bebês precisam de cuidados amorosos e muita disponibilidade emocional do seu cuidador, seja ele o pai, ou quem quer que seja o escolhido para assumir esse papel.
O papel do pai na nossa história familiar
A ilustração acima me fez viajar no tempo – 6 anos atrás. Numa noite qualquer, sentada na cama com os gêmeos mamando para dormir. Enquanto meu marido, sentado ao lado com uma tábua redonda no colo, colocava pedaços de pizza ainda quentinha na minha boca faminta. Foram muitos banhos e trocas, banheiro e louça lavados. Histórias de ninar para o nosso filho mais velho no quarto ao lado. Muitas refeições feitas com um bebê pendurado no sling, noites dormindo num colchão no chão da sala para que todos dormíssemos melhor. Enfim, muita parceria nesta maratona alucinante da parentalidade múltipla. Está longe de ser o pai perfeito, mas olho para trás e agradeço por ter ao meu lado o pai possível em cada fase, apesar de todos os perrengues.
O ideal seria que toda a família estivesse em sintonia, apoiando e respeitando as escolhas e a intimidade dos novos pais, dando-lhes suporte nas demais tarefas, para que ambos pudessem se concentrar no bebê e na construção do vínculo entre eles. Se esse vínculo for sólido e saudável, todos os demais relacionamentos construídos ao longo da vida também o serão.
No entanto, no contexto urbano contemporâneo, a “tribo” é bem restrita, é a regra na nossa sociedade, muitos pais e mães se encontram sem rede de apoio, e dessa forma precisarão trabalhar ainda mais na busca por esse equilíbrio.
Proteger a amamentação é responsabilidade compartilhada, e isso inclui o pai. Podemos e devemos continuar repensando o seu papel na dinâmica familiar, de modo a favorecer a amamentação, a saúde da mãe e do bebê e o apego entre pai e filho.
Ilustração de Rodrigo Bueno @diario_ilustrado, autor dos livros “Diário Ilustrado da Paternidade” e “Bebegrafia“, editora TIMO.