Mercado de leite humano gera renda e alimenta preocupações nos EUA
Indústrias concentram o líquido e produzem superpapinha para bebês prematuros
por O Globo
Fotos: Trabalhador checa as embalagens de leite humano na Prolacta Bioscience – Trabalhador estoca pacotes de leite humano na Prolacta Bioscience – Embalagens com alimento produzido com leite humano pela Prolacta Bioscience – MONICA ALMEIDA/NYT Gretty Amaya, que tem vendido o excesso de leite para um laboratório, com suas filhas Alexis e Adriana, em Miami – RYAN STONE/NYT
CITY OF INDUSTRY, CALIFÓRNIA – Quando saiu em licença-maternidade não remunerada, Gretty Amaya passou a fazer um “trabalho em meio período” para cobrir as contas. Ela passou a vender leite extraído de seus seios, já que estava produzindo mais do que a sua bebê consumia. Em cinco meses, Gretty Amaya conseguiu levantar US$ 2 mil.
O leite congelado de Gretty — e centenas de outras americanas — vai para uma linha de montagem semelhante à de uma fábrica de medicamentos. Lá, passa por um processo de concentração e se torna um alimento de alto valor protéico, usado na alimentação de bebês extremamente prematuros, ao custo de milhares de dólares por criança.
Mais ancestral e fundamental dos alimentos, o leite materno está se tornando uma commodity industrial, e uma de suas mais novas fronteiras é a indústria de biotecnologia — apesar de preocupações que rondam seu crescimento meteórico. A dona do laboratório é a Prolacta Bioscience, que recebeu aporte de US$ 46 milhões de investidores.
— É o plasma branco — diz Scott A. Elster, diretor executivo da companhia, comparando o leite humano à parte líquida coagulável do sangue, na qual estão os glóbulos sanguíneos, que é usada na produção de remédios contra infecções.
NOVOS TRATAMENTOS À VISTA
O leite concentrado pode ser só o começo. Pesquisadores dizem que o leite materno, que evoluiu ao longo das eras para fornecer a nutrição ideal e proteger os bebês contra infecções, é cheio de propriedades terapêuticas, não apenas para crianças, mas também para o tratamento de doenças intestinais e infecciosas em adultos.
— Estamos na ponta do iceberg no que diz respeito ao leite — afirma Bruce German, diretor do Instituto de Alimentação e Saúde da Universidade da Califórnia e presidente da Evolve Biosystems, que, junto com outras pequenas empresas, está tentando desenvolver produtos baseados num complexo de açúcares do leite materno humano.
MERCADO CONTROVERSO
Mas a comercialização de leite humano deixa muita gente desconfortável. O receio é de que as empresas absorvam grande parte do excesso do líquido e fabriquem produtos caros demais para a maioria das crianças, enquanto bancos de leite sem fins lucrativos ficam desabastecidos.
— Os bancos de leite sem fins lucrativos têm um longo histórico provendo o alimento para os bebês mais doentes. A distribuição é baseada na necessidade médica e não em reembolsos de seguros ou em recursos financeiros — critica Kim Updegrove, diretora-executiva do Banco de Leite Materno de Austin, que não tem fins lucrativos.
O debate também questiona se as mulheres deveriam receber pelo leite ou doá-lo de forma autruísta. Os críticos do negócio dizem que a mercantilização do alimento pode estimular as as mulheres a tentar aumentar a sua produção de leite de forma pouco saudável, mascarar problemas de saúde que tornam seu leite inseguro, misturar leite de vaca ao seu para aumentar o volume ou até mesmo deixar de oferecer o peito aos próprios filhos para garantir as vendas.
ACUSAÇÕES DE EXPLORAÇÃO
No ano passado, a Medolac Laboratories, uma concorrente da Prolacta, anunciou planos de comprar leite de mulheres de Detroit, e logo foi acusada de lucrar às custas de mulheres negras.
“Estamos muito preocupadas com a possibilidade de mulheres serem coagidas a entregar o leite que de outra forma elas estariam dando para seus próprios bebês”,
escreveu em uma carta aberta a Associação de Amamentação das Mulheres Negras. O laboratório Medolac, que afirmava ser parceira Fundação Clinton e desejar encorajar a amamentação ao torná-la financeiramente atrativa, abandonou o projeto.
Os defensores do pagamento, por sua vez, dizem que se as companhias vão lucrar, é justo que paguem aos fornecedores de suas matérias-primas, até porque a coleta de leite toma um tempo considerável. (A Prolacta, que começou a remunerar as mulheres apenas no ano passado, foi antes acusada de não deixar claro para as doadoras que as doações estavam indo para uma empresa com fins lucrativos). Além do mais, argumentam, a comercialização de leite materno poderia aumentar a oferta.
A Academia Americana de Pediatria diz que, devido aos “potencias benefícios do leite humano”, todos os bebês prematuros deveriam receber o alimento, de preferência de suas mães, mas, se não, de outras doadoras. Mas não há doações de leite em volume suficiente para isso, dizem especialistas, em parte porque as mulheres não sabem que podem doar ou vender o excesso de leite.
VOLUMES EM EXPANSÃO
Elster, da Prolacta, afirma que a companhia processou 70.976,5 litros de leite no ano passado e pretende elevar o volume para 100.550 litros neste ano. Para se ter uma ideia, juntos, os 18 bancos de leite ligados à Associação de Bancos de Leite Humano da América do Norte distribuíram 91.648 litros em 2013. Esses bancos de leite não remuneram as mulheres, mas cobram dos hospitais certo valor para cobrir os custos de captação de doadoras e pasteurização do leite.
Algumas mulheres doam leite diretamente para outras mães usando site voltados para isso, como o Eats on Feets. Algumas tentam vender seu leite diretamente para outras mães (e, em alguns casos, para fisiculturistas do sexo masculino) por meio de sites como o Only the Breast, na expectativa de receber mais que US$ 34 por litro, valor pago pela Prolacta e pela Medolac. Algumas autoridades da área de saúde alertam que a venda ou doação direta pode implicar riscos, posto que o leite não é pasteurizado.
Os produtos da Prolacta são voltados para bebês extremamente prematuros, com peso de até 1,25 kg no nascimento — crianças que cabem na palma da mão e precisam de nutrição ainda mais intensa do que a obtida no leite materno. A superpapinha contém altos níveis de proteína, gorduras e minerais. Um litro custa US$ 6.120, e um bebê gasta cerca de US$ 10 mil em algumas semanas. Em geral, o custo é pago pelo hospital ou seguradora, não pelos pais.
Embora a superpapinha de leite materno seja muito mais cara que as fórmulas produzidas a partir de leite de vaca, a Prolacta argumenta que o produto é econômico no longo prazo. Testes clínicos patrocinados pela empresa sugerem que ao permitir que os minúsculos bebês evitem as proteínas bovinas, caem os riscos de enterocolite necrosante, um tipo de infecção que exige cirurgia para remoção de um trecho do intestino. A Prolacta não divulga sua receita, apenas que está crescendo no ritmo de 40% neste ano. De acordo com Elster, os produtos da companhia foram usados por cerca de 150 das 900 unidades de cuidados intensivos neonatais.
Mas nem todos os médicos estão convencidos, e outros dizem que até usariam o produto, se não fosse tão caro.
— Fiquei frustrado com os custos — disse o doutor Jae H. Kim, da Universidade da Califórnia, em San Diego.
Ele afirma que seu hospital não gasta mais de US$ 25 mil por ano com leite doado para todas os bebês. Oferecer o produto da Prolacta para o grupo extremamente prematuros — entre 50 e 70 por ano — elevaria a despesa para mais de US$ 500 mil.
NOVAS FRONTEIRAS
O leite que chega à fábrica, nos arredores de Los Angeles, é testado para vírus, nicotina, drogas e diluição ou mistura com leite de vaca. As mulheres que o fornecem passam por exames de sangue para doenças infecciosas e devem entregar atestados de seus médicos dizendo que elas e seus bebês estão saudáveis. Também precisam dar amostras de DNA para provar que o leite é delas.
Hoje em dia, a Prolacta enfrenta a competição de sua própria fundadora, Elena Medo, que em 2009 deixou a companhia e criou a Medolac, com sede em Lake Oswego, no Oregon. Em janeiro, a Prolacta abriu uma ação contra ela, acusando-a de fugir com sua lista de clientes. Elena Medo classificou o processo como “extremamente anticompetitivo e certamente injustificável”.
O primeiro produto da Medolac, que é vendido para hospital, é leite doado esterelizado, em vez de pasteurizado, que portanto não tem de ser congelado ou refrigerado.
Um terceiro competidor poderá ser Glenn Snow, que fundou o site Only the Breast. Ele abriu uma empresa, a International Milk Bank, para vender eleite oferecido no website e transformá-lo em produtos hospitaleres.
— É uma indústria novíssima e fascinante — avaliou.
A próxima fronteira pode ser o complexo de açúcares do leite. Glycosyn, Jennewein e Glycom, que trabalharam com a Nestlé, estão sintetizando as partículas para fabricar produtos. Prolacta e Medolac dizem que sua capacidade de captar leite nacionalmente vai permitir que extraiam esses açúcares do leite. Até hoje, “nunca houve leite o suficiente em um lugar para fazer isso”, diz Medo.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/mercado-de-leite-humano-gera-renda-alimenta-preocupacoes-nos-eua-15669496#ixzz3VAX4JpWu
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O www.aleitamento.com adverte:
Felizmente no Brasil é proibida a COMERCIALIZAÇÃO – compra e venda de leite humano, inviabilizando essas indústrias que prejudicam a amamentação.
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