SP deixa filho de presa sem leite materno
Detentas que ainda esperam julgamento são separadas do filho logo após o parto, apesar de a amamentação ser assegurada por lei
Duas mulheres dizem que foram induzidas a tomar injeção para suspender a lactação; centro criado para esse fim tem sobra de vagas
Presas em cadeias públicas e carceragens de distritos policiais em São Paulo, que ainda esperam julgamento, são separadas de seus filhos logo após o parto e impedidas de amamentar, apesar de o centro hospitalar criado pelo governo para essa finalidade ter, oficialmente, sobra de vagas.
Duas detentas ainda relataram à Folha que chegaram a ser “induzidas” a receber injeções no hospital para interromper a lactação antes de voltarem para a cadeia.
A Constituição Federal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) asseguram às presas o direito de amamentar seus filhos recém-nascidos. Também determinam ao poder público o dever de criar condições para isso.
O governo criou o CAHMP (Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa), subordinada à Secretaria da Administração Penitenciária, para que presas amamentem seus filhos por quatro meses. Segundo a secretaria, há sobra de vagas no centro, localizado na capital paulista – 66 dos 80 leitos estão ocupados.
Presas de cadeias da Secretaria da Segurança Pública, porém, não estão conseguindo amamentar, segundo a Pastoral Carcerária e a Defensoria Pública -das cerca de 8.200 detentas, 58% estão em cadeias e o restante em presídios.
Para elas, o problema é mais grave em Santo Antônio de Posse (150 km de SP) e em São Bernardo. Em Santo Antônio de Posse, em meio a mais de 60 presas em uma cadeia para 12, Elaine Silva dos Reis, 26, e Marcela Aparecida Godoi Bueno, 23, afirmaram à Folha que, além de não poderem amamentar, receberam três injeções para interromper a produção de leite. Sustentam que foram “convencidas” a tomar as injeções por funcionários da Maternidade de Campinas.
“A gente foi induzida. Diziam que se não topasse, iria sofrer mais”, afirmou Elaine. “Eles disseram que o leite iria empedrar, que não ia ter médico, não ia ter escolta”, disse Marcela. Acusadas de tráfico de drogas e de associação para o tráfico, respectivamente, Elaine e Marcela não têm antecedentes.
A Pastoral Carcerária encaminhou à Corregedoria Geral de Justiça relatório sobre Santo Antônio de Posse. “Além de causar sofrimento à mãe, gera prejuízo incomensurável ao bebê, que acaba de vir ao mundo e não pode ser punido nem pelos erros de sua genitora nem pelas deficiências do Estado”, escreveu o coordenador da Pastoral, padre Valdir Silveira.
O coordenador da assistência jurídica ao preso de Mogi das Cruzes, Elpídio Francisco Ferraz Neto, encaminhou ofício à Maternidade de Campinas . “Se as injeções foram forçadas, é crime de lesão corporal. Se foram consentidas, cabe a discussão ética”, disse ele.
Para a coordenadora da Pastoral Carcerária Feminina, Heide Cerneka, a situação das presas grávidas está muito mal resolvida. “Que a Justiça seja feita e essas presas [Elaine e Marcela] consigam ficar os quatro meses com seus filhos.” A Pastoral confirmou que o CAHMP não está superlotado.
Em São Bernardo, a Coordenadoria de Assistência ao Preso entrou com oito ações na Vara da Infância em nome dos filhos das presas que estão para nascer. Pedem a realização de pré-natal e a transferência das grávidas para o sistema prisional. O juiz se julgou incompetente para analisar o caso, que agora está no Tribunal de Justiça.
A coordenadoria diz ter conversado com pelo menos duas presas que tiveram o filho e que, contrariando sua vontade, não conseguiram amamentar.
Camila foi à Justiça para amamentar a filha
Camila Aparecida Pereira Teodoro, 24, teve de conseguir na Justiça o que era para ser um direito automático. Foi um habeas corpus que permitiu que ela hoje amamente a filha, com menos de dois meses. Camila ganhou o direito de esperar o julgamento em liberdade.
Ela foi mais uma das presas de Santo Antônio de Posse que tiveram filhos, mas não conseguiram amamentar.
“Falaram para mim que não havia vaga no berçário em São Paulo”, disse Camila, referindo-se ao modo como é chamado pelas presas o CAHMP (Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa).
O juiz da 3ª Vara Criminal de Mogi-Guaçu negou o pedido de liberdade provisória a Camila, acusada pelo crime de tráfico de drogas. Na cadeia, Camila retirava o leite e jogava fora. “Você fica tonta, procurando o filho sem parar”, disse.
Foram 23 dias na cadeia até que o Tribunal de Justiça concedeu a liberdade provisória a Camila. “Essa situação é um absurdo. As presas são tratadas pior do que animais”, disse Jane Yukiko Mizuno, advogada de Camila. Sem antecedentes criminais, Camila disse que quer retomar o trabalho de promotora de vendas. “Eu sei que errei e estou disposta a mudar. Mas a criança não pode ser punida pelo meu erro.”
Secretaria diz que orienta a transferência de gestantes
Para Segurança, cadeias deveriam pedir ida das presas para o hospital feminino da SAP
A Secretaria da Segurança Pública, responsável pelas cadeias e carceragens de São Paulo, afirmou, por meio de nota, que toma as medidas cabíveis em relação às presas grávidas.
Segundo a pasta, a orientação dada às direções das cadeias é pedir imediatamente a transferência das detentas gestantes para o hospital feminino da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária).
Sobre a cadeia pública de Santo Antônio de Posse, a Secretaria da Segurança diz que foi solicitada, no mês passado, a transferência de presas para a SAP para que pudessem amamentar. Esse pedido ainda não teve resposta, segundo a pasta.
Informações divergentes
A SAP, também por nota, traz informações divergentes: afirmou que sobram vagas no CAHMP (Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa), no qual presas amamentam seus filhos por um período de quatro meses.
Segundo a SAP, “o critério é a existência de vaga e a chegada do pedido”. “Não existe diferenciação entre condenadas e provisórias para se obter a vaga”, disse o texto da nota. A secretaria também afirmou que atende às vagas solicitadas por diretores de unidades prisionais e também por delegados.
Segundo a Pastoral Carcerária, o problema pode estar na comunicação entre as duas secretarias. Para transferir uma presa para o CAHMP, os policiais têm um trabalho redobrado: além da transferência do interior para a capital, também ficam responsáveis pelo transporte da presa para audiências, que continuam sendo feitas no local de origem.
Em relação a São Bernardo, a Secretaria da Segurança Pública disse que as presas abriram mão de amamentar seus filhos, o que contraria o relato das detentas à Defensoria Pública.
A assessoria de imprensa do hospital Maternidade de Campinas afirmou que a instituição não adota como procedimento a aplicação de injeções em presas para interromper o processo de lactação.
Em relação às presas Elaine Silva dos Reis e Marcela Aparecida Godoi Bueno, a assessoria informou que o hospital iniciou um levantamento e que só vai se pronunciar sobre a acusação depois da conclusão dele.
A demora na obtenção desses dados, segundo a assessoria, é justificada pelo grande número de partos por mês -cerca de 600, a maioria pelo Sistema Único de Saúde.
O hospital salientou ainda que é referência regional em banco de leito materno.
PAINEL DO LEITOR
Aleitamento
“Refiro-me à reportagem “SP deixa filho de presa sem leite materno” (Cotidiano, 13/10). A Sociedade Brasileira de Pediatria não pode admitir nenhuma manifestação de desprezo pela vida humana, muito menos pela do ser humano em fase de crescimento e desenvolvimento. A amamentação, mais do que simples fonte de nutrição para o bebê, é garantia de estímulos sensoriais, afetivos e emocionais indispensáveis à qualidade do desenvolvimento mental da criança. É referência de identidade no novo contexto social que a envolve. É o acesso insubstituível aos recursos naturais de maior eficácia na prevenção de doenças na infância, na adolescência e na vida adulta. O Estado tem o dever de prover as condições para que o direito materno de amamentar e o direito da criança à amamentação sejam assegurados em qualquer situação.”
DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (Brasília, DF)
LISTA L-materno@ PROTESTA !
Uma noticia dessas nos faz perceber que há um conceito dominante em alguns setores da sociedade, alguns deles donos do poder, onde o cidadão que cumpre pena (que é a menor parte dos que cometem algum delito) não tem direitos e muito menos direito de amamentar.
Esquecem-se esses trogloditas donos da lei que essa proibição atinge o filho do detido, que não tem a culpa do erro cometido e não deveria pagar popr um crime que nem cometeu.
Ainda que tivesse cometido, privar o ser humano dos beneficios da amamentação ( e o que o leite alimenta eu creio que é a menor parte do que a amamentação propicia) é crime mais grave que qualquer outro hediondo que apareça.
Choca-nos essa brutalidade.
Quando visitamos Ouro Preto temos e contato com a sentença aplicada à Tiradentes, atingindo suas gerações de descendentes inocentes, e comparamos com essa troglodice sem nome, é a partir dai que percebemos que falta luz nesse planeta. Dessas capazes de aquecer corações.
Que esta lista permaneça sempre fogo puro.
Com carinho,
Luis Tavares, Campos, RJ.
Olá Luis…
Gostaria de expressar aqui meu profundo carinho á você …
Sempre ressaltando em suas mensagens o valores e os direitos do ser humano…independente de suas condutas ou opções…
Realizo meu trabalho no Centro de Atendimento Hospitalar á Mulher Presa aqui em São Paulo…o mesmo citado na reportagem… e embora tenhamos nossas dificuldades como em todos os setores da saúde…
Não deixamos de realizar nosso trabalho junto ás Mães, que acreditam que mesmo com um curto período de tempo
(4 meses)…é algo único e que fortalece seus laços juntamente com seus bebês…
Realizamos nossas oficinas de amamentação…reforçamos o direito de estarem com seus bebês e de poderem amamentá-los…
O trabalho é árduo…tem seus percausos…mas é realizado com muito carinho e dedicação, pois não deixamos de acreditar no crescimento saudável dessa criança…nas suas oportunidades de ser…de existir como cidadão… que mesmo ainda tão pequeno merece toda atenção que possa se disponibilizar…
Um Forte Abraço…
E que tenhamos forças para irmos em frente nesta caminhada… que para mim vale muito …
Gostaria de agradecer a minha grande Amiga e Companheira de luta CAMILA (Fonoáudióloga) …que raeliza um grande trabalho com essas Mães no CAHMP, e que me ensinou e ensina muito todos os dias…
Sobre a importâcia de valorizar o ser Humano independente de suas condutas…
São Mães…são bebês…que devem estar juntos…neste primeiro momento tão especial…
Forte Abraço Camila…
Forte Abraço aos Amigos da Lista….
Gabriela Sintra – Instituto de Saúde- SP.