Vínculo Afetivo & Amamentação
Nelly Fabíola Padilla Gomes*
Perspectivas históricas
Na pré-história, o desconhecimento da domesticação de animais provavelmente fez com que o aleitamento materno se prolongasse até que a criança fosse capaz de procurar seu próprio alimento.
Descrições detalhadas sobre o aleitamento materno do próprio filho ou de outras crianças são descritas no código de Hamurabi, datado de cerca de 1800 aC.. Na enciclopédia de crenças adjurvédicas, o “Caramata Samhita”, verifica-se importância dado ao leite materno.
No Egito pré-ptolomeico (323 a 30 aC.), a amamentação se prolongava até os três anos. Não foram achadas mamadeiras nas escavações deste período. (Moretto, 1985, p. 127).
A Bíblia também é rica em histórias sobre aleitamento, um exemplo destas se encontra no Êxodo 2, 6-8:
“[…] teve por isso compaixão dele, embora dissesse: este é um dos meninos dos hebreus. A irmã dele disse então à filha do Faraó: devo ir e chamar especialmente para ti uma ama entre as mulheres hebréias afim de que amamente para ti? De modo que a filha do Faraó lhe disse: vai!”
Em Esparta, as mulheres sempre amamentaram seus filhos e mesmo a esposa do rei era requisitada a amamentar seu filho mais velho.
É na Grécia que se realiza a introdução do leite de vaca, após 6 meses, com leite de nutriz. Este costume da alta classe grega chega ao Egito e depois a Roma.
O Talmud não faz referências a métodos artificiais de amamentação.O Corão recomenda a amamentação por dois meses.
A Inglaterra, do século XVI ao XVIII, predominava nas mulheres a crença de que a amamentação envelhecia o corpo. Este fato é revertido no fim do século XVIII, quando se começa advertir o aumento da mortalidade infantil após o desmame precoce, reforçando-se a prática de amamentar.
No século XX, se faz evidente a diferença entre a freqüência do aleitamento das sociedades com maior acesso a bens de consumo e tecnologia e outras onde este acesso torna-se mais difícil.
Atualmente, a campanha em prol do aleitamento tem dado resultados em vários aspectos, mas, ainda assim, falta grande quantidade de mães e pais convencidos acerca dos benefícios da amamentação. São muitos os fatores que influenciam esta decisão, os quais devem ser abordados de uma maneira adequada.
Valor psicológico da amamentação
A amamentação estabelece uma ligação mais íntima entre a mãe e o bebê, satisfazendo de modo mais amplo as necessidades emocionais de ambos, oferecendo ao bebê uma maior garantia do equilíbrio interno.
O aleitamento materno confere segurança emocional, estreitando o vínculo entre mãe e o filho, construindo um momento insubstituível.
SegundoWinnocott:
“O leite da mãe não flui como um líquido excretado. É uma resposta a um estímulo, e o estímulo é o ver, o sentir o cheiro de seu bebê e o som de seu choro que indica a necessidade. É tudo uma mesma coisa, o cuidado que a mãe tem com seu bebê e a alimentação periódica se desenvolve como se fossem um meio de comunicação entre os dois – uma canção sem palavras” (apud Klaus e Kennell, 2000, p.97).
A amamentação pode dar estimulação tátil à mãe e ao filho em um ambiente reativo para ambos.
Segundo Klaus y Keennell(2000 p. 98), durante a amamentação o bebê pode ver com clareza o rosto da mãe, suas expressões faciais e sentir seu calor e seus braços. Ocorre uma grande comunicação silenciosa entre mãe e o bebê. É interessante perceber como o bebê para de sugar ou altera a freqüência de sucção quando os pais começam a falar com ele durante a amamentação.
Assim, o relacionamento com a mãe se torna principalmente qualitativo. Não importa apenas dar o seio, o que importa é como o seio é dado e como as solicitações são atendidas, ou seja, não se está incorporando apenas o leite da mãe, mas também sua voz, seus embalos, suas carícias.
As carícias da mãe, no ato de amamentar, não só proporcionam intensa sensação de prazer, elas vão progressivamente dando à criança a configuração do seu próprio corpo permitindo o estabelecimento de limites do seu “eu” devido ao contorno que lhe é proporcionado pelo corpo materno (Rappaport, 1981, p.38).
Uma “vacina” contra a carência psico-afetiva
No ato de alimentar o bebê, a mãe está semeando a primeira sensação interior de “auto-estima”, está gravando no sistema nervoso do seu filho a paz do amor que ela sente por ele ( Avellaneda, 1999, p.61).
Mesmo não havendo leite no seio a mãe será adequada se puder amar e se puder repetir todo o ritual existente na amamentação real.
Com freqüência a ausência de aleitamento materno se relaciona a problemas emocionais no desenvolvimento do bebê, mas não é especificamente a falta de mãe que ame e que se engaje na relação com seu filho (Rappaport, 1981, p.39).
No contato mãe-filho, durante a amamentação, o seio constitui o primeiro objeto de amor e ponto de partida para o desenvolvimento das relações objeta. Desta forma o bebê pode introjetar a vida afetiva, espiritual e alimentaria que lhe é brindada pela mãe através deste ato amoroso.
Quando o aleitamento não se realiza nestas condições se cria no bebê um grande vazio afetivo. Neste sentido, a solidão e a falta de contato com a mãe começa a alimentar uma situação de angústia e ansiedade no bebê criando lhe insegurança e transtornos afetivos.
Assim, a amamentação não constitui um momento mágico do conhecido amor materno. É mais uma conseqüência de uma série de fatores. Não é possível pensar em tudo que a mulher carrega consigo no seu histórico de saúde e, especialmente, no parto daquele bebê.
Orientações “diferentes” para Amamentação
A amamentação está interligada à gestação numa relação de continuidade, tanto no aspecto biológico quanto afetivo, onde a construção do vínculo mãe-filho se dá no decorrer dos nove meses.
A decisão de amamentar da mulher está interligada à sua história de vida e ao significado que atribui a este ato. Essa opção pessoal pode ser influenciada por alguns aspectos como o emocional, o social, o cultural e o econômico.
O conhecimento sobre os benefícios nutricionais e imunológicos do leite materno, o melhor desenvolvimento físico, mental e emocional dos bebês amamentados, além das vantagens de proteção à saúde da mãe, são fatores que influenciam esta decisão. A aprovação e as atitudes do esposo em relação ao aleitamento materno também são consideradas pela mulher na sua decisão.
Outro ponto importante é o relacionado com a presença da mãe da nutriz. A filha repete um comportamento que é o mesmo dos tempos antigos praticado por sua mãe e que por sua vez foi transmitido por sua avó. Assim, as mães das nutrizes vão passando conhecimentos através das gerações de mãe para filha.
A filha se apóia no modelo da mãe e repete as vivências de sua própria genitora. Mesmo num ambiente com inúmeros estímulos adversos a pratica do aleitamento, o fato de ter visto mulheres amamentando e acalentado seus filhos é um incentivo à continuidade dessa prática (Primo e Caetano, 199, p.453).
A partir desses pontos de vista o papel do trabalhador de saúde estaria relacionado – além dos aspectos geralmente tratados – com outras situações que abrangem as seguintes características:
. Mudar a abordagem do aleitamento materno, incluindo no acompanhamento pré-natal e no puerpério a figura da mãe da nutriz como educadora, incentivadora e espelho de vida para filhas e agora mães. Desta forma, as mães-avós se sentirão valorizadas e incentivadas a estar junto às filhas;
. Considerar o período pré-natal e o puerpério como momentos importantes para a futura mãe em que principalmente o pai do bebê deve apoiar e acompanhar com seu amor o seu filho e a sua mulher, além de participar das questões referentes ao aleitamento materno;
.Valorizar o papel da mulher e não apenas ver a amamentação como um fator de saúde infantil. É necessário ver a mulher integralmente com um bom acompanhamento pré-natal que signifique não apenas cuidados médicos, se não também atenção e respeito ao aspecto emocional durante toda a gestação.
* Dra. Nelly é pediatra, autora do livro Vínculo Afetivo – a trajetória emocional da criança. Editora Fundação Gutenberg de Artes Gráficas, 2001.