Katherine Dettwyler *
A amamentação é antes de tudo uma forma de proporcionar nutrientes e imunidades protetoras para as crianças.
Contudo, como o parto, a amamentação é influenciada por uma variedade de crenças culturais. Katarine Dettwyler, professora – adjunta de Antropologia e Nutrição, apresenta sua perspectiva sobre os sentidos e práticas surpreendente diversificados da amamentação em diferentes partes do mundo.
O aleitamento materno é uma fonte de bem-estar físico e emocional para criança e é para mãe o inicio da produção dos importantes hormônios maternos prolactina e ocitocina. (1,3) Mas, a amamentação também sofre influência de crenças culturais, algumas diretamente relacionadas à amamentação e outras referentes ao papel da mulher na sociedade, à relação adequada entre mãe e filho, à relação adequada entre mãe e pai, e mesmo a crenças sobre os próprios seios. (4,5)
Uma forma de pensar as influências culturais sobre o inicio e a duração da amamentação baseia-se no conceito chamado de “transição demográfica”. Esta é uma teoria que acompanha a mudança da sociedade de um estado pré-transicional de altas taxas de natalidade e mortalidade, para um estado transicional de alta taxa de natalidade mas baixo índice de mortalidade (resultando em rápido crescimento populacional), e finalmente para um estado pós-transicional de baixas de natalidade e mortalidade. Dentro deste processo, a antropóloga Margaret Mead foi a primeira a reconhecer uma “transição na alimentação infantil”.(6)
Uma cultura começa no estado pré-transicional de quase todas as mães amamentando cada criança por vários anos. A mudança começa com mulheres educadas e de rendas mais elevadas, que passam a adotar períodos cada vez menores de amamentação, chegando finalmente a utilizar apenas amas de leite (nos séculos anteriores) ou mamadeiras (no século XX) desde o nascimento. Mulheres menos educadas e com renda mais baixa copiam estas mulheres socialmente superiores e, no passado, costumavam adotar também a mamadeira como sendo “moderna”, as mulheres das classes superiores retornaram à amamentação, primeiro por curtos períodos e, depois, com duração crescente. Isto denota uma mudança para o estado pós-transicional.
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Exemplos do campo
Há ainda uma série de culturas pré-transicionais no mundo, onde todas as mulheres amamentam cada criança por vários anos, mas a influência “ocidental” está afetando até as regiões mais remotas. A Coréia, por exemplo, encontra-se nos primeiros estágios de transição da amamentação universal a longo prazo para a adoção de mamadeiras. De acordo com as pesquisas, há uma redução na incidência e duração da amamentação da década de 1960 para 1990, liberada pelas mulheres coreanas urbanas, mais educadas, das classes superiores. Da mesma forma, a China está começando a transição para a mamadeira, vivenciando um rápido declínio na prevalência da amamentação em áreas urbanas e periurbanas.(7)
Em Cuba, observam-se duas tendências. Por um lado, o país está no início da transição da alimentação da alimentação da criança, com as mães de níveis educacionais mais elevados apresentando duração de amamentação menor. Por outro lado há estratégias nacionais para apoiar e promover a amamentação, com a participação de todos os hospitais governamentais no programa da Organização Mundial de Saúde, Iniciativa Hospital Amigo da Criança, e para o desenvolvimento de programas educacionais nas creches e escolas elementares e secundárias, visando à criação de uma cultura que valorize a amamentação, entre meninas e meninos, desde a mais tenra idade. (8) Em conseqüência, é possível que Cuba consiga evitar uma mudança completa para a alimentação com mamadeiras.(9)
Os países do Golfo Árabe (Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e União dos Emirados Árabes) vivem inteiramente a fase transicional, com poucas mulheres das classes alta e média amamentando, ou fazendo apenas por algumas semanas, e as mães mais velhas mantêm a prática por mais tempo do que as mais novas. É preciso destacar a influência da renda do petróleo nos estilos de vida destas mulheres, incluindo o emprego usual de criadas e babás estrangeiras, que dão mamadeira às crianças. A transição da amamentação universal para o uso quase total da mamadeira foi bastante repentina nesta parte do mundo.(9)
A Austrália, o Canadá e os Estados Unidos representam as sociedades mais avançadas ao longo da transição na alimentação infantil, com mulheres de rendas mais altas e mais educação iniciando a amamentação por períodos cada vez mais longos. Esta tendência teve início na década de 1970, mas foi estimulada por uma declaração, em 1997, da Academia Americana de Pediatria, recomendando que todas as crianças nos EUA fossem amamentadas pelo menos por um ano. Nos EUA, a amamentação por três anos ou mais está se tornando cada vez mais comum, bem como o “alimento em série”(amamentar filhos de diferentes idades). Nas últimas décadas, os maiores saltos quanto à adoção da amamentação nos EUA ocorreram entre as integrantes do Programa de nutrição suplementar para mulheres, bebês e crianças (WIC), que geralmente são pobres e com nível de educação mais baixo, indicando uma difusão gradual das atitudes referentes à amamentação que prevalecem entre as classes superiores, bem como o sucesso dos programas de treinamento de aconselhamento por pares do WIC.
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O modo como uma região em particular responde à influência das nações industrializadas e das companhias multinacionais que fabricam fórmulas infantis depende de vários fatores sociais, políticos e econômicos diferentes. Isto torna difícil prever como a transição na alimentação infantil se comportará em uma região específica, ou qual duração do estágio de aleitamento com mamadeira.
Crenças Populares
As práticas de amamentação podem, também ser muito afetadas por crenças populares. Entre os bambara do Mali, acredita-se que o leite materno é feito do sangue da mulher e que o processo de amamentação cria, assim, uma relação especial entre a criança e a mulher que amamenta, seja ela ou não a mãe biológica. Além disso, o aleitamento materno cria um laço entre todas as crianças que se alimentam da mesma mulher, sejam ou não irmãos biológicos. Na verdade, ter irmãos de leite amplia a cadeia de parentesco, proporcionando uma rede de segurança maior de pessoas com que se pode contar em tempos de necessidade.
Em uma ampla variedade de culturas,
os meninos são amamentados por mais tempo
do que as meninas.
Estes laços de parentesco pelo leite também proíbem o casamento entre crianças assim aparentadas. Com intuito de reduzir o impacto sobre possíveis parceiros matrimoniais, geralmente as mulheres consentem apenas em amamentar os filhos de outras mulheres que, por algum motivo, já estão excluídos do casamento com seus filhos. Assim, uma mulher pode ser a ama de leite dos filhos de suas co-esposas, das crianças dos irmãos de seu marido ou de seus netos e evitar amamentar os filhos de sua melhor amiga, que espera que cresçam para casar com seus filhos. Crenças semelhantes sobre “laços de leite” são encontradas no Haiti, Papua Nova Guiné, nos Balcãs, Burma e entre os badawin do Kuwait e da Arábia Saudita.(10) Além disso, em ampla variedade de culturas, os meninos são mais amamentados que as meninas, algumas vezes com uma diferença de muito tempo. Estas práticas são apoiadas por uma diversidade de crenças populares, como a de que o desmame precoce de meninas garante uma muito desejada menopausa precoce (Taiwan), de que garotos precisam ser amamentados por mais tempo para que estejam dispostos a cuidar de seus pais idosos (Irlanda) e que o leite materno é o condutor do machismo, algo de que os meninos precisam e as meninas não (Equador). Finalmente, algumas sociedades observaram que os garotos são fisiologicamente mais fracos que as meninas, mais propensos a doenças e à morte precoce, e por isso amamentar os filhos por mais tempo ajuda a garantir sua sobrevivência. (11)
Crenças populares sobre a freqüência com as crianças devem ser amamentadas podem causar problemas: o aleitamento pouco freqüente nos primeiros dias e semanas de amamentação pode afetar de forma permanente o suprimento de leite da mãe. (12) Como o controle da produção de leite materno muda gradualmente de primariamente endócrino (prolactina) para basicamente autócrino (baseado no fato de a mama estar cheia ) durante os primeiros meses após o parto, as mulheres que estiverem amamentando em um esquema de três a quatro horas podem descobrir que não conseguem mais satisfazer as necessidades de seus filhos. A composição do leite humano, bem como os estudos em populações humanas nas quais as crianças mamam quando querem indicam que a freqüência “natural” de amamentação é várias vezes por hora, por alguns minutos de cada vez, em vez de um esquema de períodos mais longos de aleitamento, separados por várias horas.
Uma influência surpreendente na prática da amamentação é a forma como os seios femininos são percebidos em uma dada sociedade. Por exemplo, nos Estados Unidos e em um pequeno número de outras culturas, os seios são encarados como intrinsecamente eróticos, embora a maioria das culturas não os considere como tal (uma pesquisa transcultural extensa nas décadas de 1940 e 1950 descobriu que, das 190 culturas investigadas, apenas 13 achavam os seios das mulheres sexualmente atraentes). Comprovou-se que aquela percepção apresenta conseqüências inconvenientes para as mulheres que desejam amamentar seus filhos.(13) As mulheres descobriram que precisam ser extremamente discretas sobre onde e como amamentam.(14-17)
A amamentação funciona melhor quando a mãe e o bebê não receberam anestesia durante o parto, quando eles são mantidos juntos após o nascimento, quando o bebê não é lavado e quando ele é amamentado ao primeiro sinal (muito antes de chorar), quando o aleitamento ocorre logo e freqüentemente, e quando todos os que cercam a mãe conhecem e apóiam esta prática.
Não se discute o fato de que a amamentação é uma parte essencial do crescimento de um bebê. O que se torna mais evidente é que uma escolha controlada e afetada significativamente por crenças populares.
* Katherine A. Dettwyler é Professora-Adjunta de Antropologia e Nutrição na Universidade Texas A&M em Houston e desenvolve pesquisas sobre amamentação e desmame sob uma perspectiva antropológica.
Referências Bibliográficas
1 Newton, N. The role of the oxytocin reflexes in three interpersonal reproductive acts:Coitus, birth, breastfeeding. Clinical Psychoneuroendocrinollogy in
Reproducion. Proceedings of the Serono Symposia Vol.22: Nova York: Academic
Press, pp. 411-8
2 Sobrinho, L.The psychogenic effects of prolactin.Acta Endocrinologica 1993;
129 (1):38-40.
3 Walker, M. Fresh look at the hazards of artificial infant feeding. Journal of
Human Lactation 9(2): 97-107.
4 Stuart-Macadam, P, Detwyler KA. Breasfeeding: Biocultural Perspectives
New York.Aldine de Gruyter, 1995.
5 Detwyler, KA. .Evolutionary medicine and breastfeeding: Implications for rtesearch
and pediatric advice. The 1998-99 David Skomp Distinguished Lecture in
Anthropology, Department of Anthropology, IndianaUniversity,
Bloomington,IN, EUA, 1999.
6 Raphael, D.Margaret Mead – A Tribute. The Lactation Revivew 1979; 4(1):1-3.
7 Simopoulos, AP, Dutra de Oliveira, JE, Desai, ID (eds.) Bechavioral and metabolic
aspects of breastfeeding: Internacional trends.World Revivew of Nutrition and
Dietetics, Volume 78. S. Karger, Basel, Suíça, 1995.
8 World Health Organization. Baby-Friendly Hospital Initiative. URL:
http://www.who.dk/WHO-Euro/about/babies.htm <http://www.who.dk/WHO->
9 Dettwyler, KA. Estudo não publicado, 2000.
10 Detwyler, KA. More than nutrition: Breastfeeding in urban Mali. Med
Anthropol Q1988; 2(2): 172-83.
11 McKee, L.Sex diferentials in survivorshipand the customary treatment
of infants and children. Med Anthropol 1984; 8(2): 81-103.
12 Millard, AV. The place of the clock in pediatric advice: Rationales, cultural
themes, and impediments to breastfeeding. Soc Sci and Med 1990;
31(2): 211-221
13 Dettwyler, KA.Beauty and the breast: The cultural context of breastfeeding in
the United States. Em: Breastfeeding: Biocultural Perspectives, editado por
Patrícia Stuart-Macadam e Katarine A. Dettwyler, pp. 167-215. Nova York:
Ae de Gruyter, 1995.
14 Yalom, M. A History of the Breast. NovaYork: Random House Inc., 1997
15 Latteier, C. Breast: The Womens’s Perspective on an American Obsession.
Haworth Press, 1998.
16 Cunningham, A. Breastfeeding: Adaptive Behaviour for Chid Health and
Longevity. Em: Breastfeeding; Biocultural Perspectives, editado por Stuart-
Macadam, Pe Dettwyler, K, Nova York; Aldine de Gruyter,pp 243-64,1995.
17 Dettwyler, KA, Liles, IC. Promoting breastfeeding, promoting guilt? Em:
Conference Papers, Breastfeeding: The Natural Advantage. Nursing Mothers’
Association of Austrália. Sydney: Austrália, pp.47-55, 1997.