Como ser uma escola amiga da amamentação
Revista Pátio – Reportagem // Daniele Zebini.
Agradecimento especial a Marilda Duarte pela indicação dessa matéria
Disponibilizar um espaço tranquilo e aconchegante, onde a mãe possa amamentar seu bebê, é um bom começo para colaborar com o aleitamento
Quando terminou sua licença-maternidade e chegou a hora de voltar ao trabalho, a enfermeira obstétrica Silvia Briani, de São Paulo (SP), começou a procurar uma creche onde pudesse deixar a pequena Mariana, então com 6 meses. Para ela, uma condição era fundamental: poder continuar amamentando a filha e contar com a parceria da escola para isso. Foi então que teve início sua decepção. “Algumas aceitavam que eu mandasse meu leite, outras não. Entre as que aceitavam, todas só se dispunham a oferecer o leite em mamadeira, e não em copinho, como é o mais recomendado para evitar o desmame”, conta Silvia.
Ainda que a legislação incentive a amamentação e determine que as instituições ofereçam condições para que as mães possam oferecer seu leite aos bebês, isso nem sempre ocorre. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é bem claro: “O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade”, prevê o artigo 9º. No entanto, a II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno, realizada pelo Ministério da Saúde nas capitais brasileiras e no Distrito Federal em 2008, mostrou que a média de tempo de aleitamento materno exclusivo no Brasil foi de 54,1 dias (1,8 meses), quando o recomendado são seis meses, e de aleitamento materno com a inclusão de outros alimentos foi de 341,6 dias (11,2 meses).
Na mesma pesquisa, constatou-se que o início do processo de desmame ocorre precocemente (dentro das primeiras semanas ou meses de vida), com a introdução de chás, água, sucos e outros leites, e progride de modo gradativo. Cerca de um quarto das crianças entre 3 e 6 meses já consumiam comida salgada e frutas. Na faixa etária de 6 a 9 meses, 69,8% das crianças haviam consumido frutas e 70,9%, verduras e legumes.
Depois de conhecer na prática o pouco envolvimento das escolas no incentivo à amamentação, Silvia Briani criou o Projeto Escola de Peito (escoladepeito.wordpress.com), que prepara as instituições para serem um local confiável, servindo de referência no assunto e oferecendo qualidade para continuar a promover o aleitamento materno.
“Cabe à escola criar as condições para que a mãe que volta ao trabalho consiga continuar a amamentação, e não tornar esse processo mais difícil do que já é”, diz Silvia. Ela destaca a importância de proporcionar ambiente tranquilo e confortável para realizar a ordenha, se for necessário, correta higienização dos equipamentos e frascos, espaço adequado no congelador para estoque, ambiente de incentivo, motivação e encorajamento às mães.
No início de 2016, Silvia começou a ministrar um minicurso para capacitar os profissionais responsáveis pelos bebês nas creches para que estejam aptos não só a armazenar e oferecer o leite materno corretamente, mas também a entender a importância de acolher e estimular a mãe a continuar amamentando, como contribuição importantíssima para o bom desenvolvimento da criança. A escola que participa da capacitação recebe um certificado e um “selo simbólico”, que a identifica como Escola de Peito. A ideia inclui cadastrar as escolas participantes em um site e divulgar essa lista para que mães interessadas tenham essa ferramenta de busca.
O projeto oferece ainda suporte para a criação de uma sala de ordenha na escola, que possa atender tanto mães quanto trabalhadoras da instituição, elaboração de material de orientação e apoio para ordenha, armazenamento e transporte de leite materno, entre outras necessidades que possam surgir nas instituições atendidas.
Cumplicidade
Tudo isso já é realidade na Malabares Educação Infantil Waldorf, em São Paulo, a primeira escola a fazer parte do projeto. “O Escola de Peito nos ofereceu fundamentações específicas sobre a amamentação, além da oportunidade de realizar encontros sobre o tema, ampliando esse conhecimento aos pais e amigos interessados”, conta a diretora Marisa Santos.
Na Malabares, o espaço para a amamentação fica no berçário, e a mãe que amamenta tem liberdade de ficar sentada, em pé ou deitada, enfim, da maneira que se sentir melhor. Há um sofá confortável disponível, mas as mães que quiserem amamentar no parque, sob as árvores, podem fazê-lo balançando-se em uma rede. “A ideia é que esse momento seja caloroso e de cumplicidade entre mãe, filho e escola”, explica Marisa.
Hoje a Malabares atende a dez crianças que ainda mamam no peito. Entre as mães, sete amamentam em casa, uma na escola, uma utiliza fórmula e uma envia o leite materno para ser oferecido ao bebê. “Recebemos o leite devidamente envasado e mantemos refrigerado ou congelado, tudo etiquetado e identificado”, explica a diretora. Nos horários indicados pela mãe, o leite é aquecido conforme as orientações recebidas da equipe Escola de Peito e servido à criança.
Amamentar é saúde
Assim como Silvia Briani, a enfermeira Monica Portella, estudiosa do aleitamento materno e dedicada às questões que envolvem o cuidado do materno-paterno-infantil, viu a necessidade de informar e formar os profissionais das escolas para que pudessem contribuir para garantir a amamentação das crianças matriculadas.
“Amamentar é saúde e, para fortalecer a cultura do aleitamento materno, as informações precisam estar disponíveis para todos os indivíduos desde a sua formação básica”, salienta Monica. “Por que não trabalhar o tema amamentação nas escolas? ”, questiona. Por isso, ela fundou a Associação Portella para Estudo, Ensino e Prática em Saúde (associacaoportella.com.br). Lá, por meio do Projeto Aleitamento Materno na Escola (PAME), são oferecidas estratégias diferenciadas para ensinar saúde no ambiente escolar de uma maneira lúdica e divertida.
Com o mesmo objetivo, em 6 de junho de 2014, a prefeitura de Marília, em São Paulo, tornou-se o primeiro município do Brasil a ter salas de amamentação nos berçários públicos. As salas atendem às mães nos horários estipulados por elas e são locais agradáveis e tranquilos, onde o aleitamento pode ser realizado de acordo com a disponibilidade e a necessidade de mães e bebês. “É muito importante a possibilidade dada às mamães de amamentar os seus filhos ao voltarem a trabalhar, mantendo o vínculo afetivo e nutricional com o bebê”, destaca a enfermeira Sandra Domingues, responsável pelo projeto.
Sandra enfatiza a importância do aleitamento nas escolas para garantir a qualidade alimentar às crianças, além de contribuir com a sustentabilidade e a economia doméstica das famílias, já que se evita a compra de fórmulas e leite fluido, bem como o gasto com gás no preparo desses leites. A amamentação contribui ainda para gerar menos lixo, evitando o descarte de mamadeiras e latas que acabam indo parar em rios e mares, além de colaborar para que haja menor emissão de gás metano, menor índice de crianças internadas, melhor desempenho escolar e menos ansiedade das mães no trabalho.
Oportunidade e apoio
Com tantos benefícios, as mães têm aderido em massa, mais uma prova de que não falta vontade de amamentar, e sim oportunidade ou apoio. É assim na EMEI Nossa Senhora da Glória, que oferece uma sala de amamentação bem-equipada, além da possibilidade de armazenamento de leite materno para as mães que moram ou trabalham longe e não conseguem ir até a escola para amamentar. Todo o processo é supervisionado por profissionais treinados. Além do treinamento oferecido pelo Banco de Leite Humano da Secretaria Municipal de Saúde, para que as mães tenham o auxílio necessário quando precisarem ordenhar o leite, os profissionais também recebem orientações da equipe do curso de fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Conforme a diretora da EMEI, Joelma Parra, o apoio da escola nesse momento é essencial para o desenvolvimento do bebê, pois evita o desmame precoce. “Os profissionais das creches podem colaborar com a amamentação promovendo rotinas sistematizadas e de acolhimento às mães, com condutas de incentivo para que elas possam ter acesso ao ambiente de amamentação sempre que necessário e promovam o armazenamento do leite extraído”, esclarece a diretora.
No município de Maringá (PR), todos os centros municipais de educação infantil (CMEIs) dispõem de um espaço reservado para a amamentação. Atualmente, 29 mães vão aos CMEIs para amamentar.
O município também criou um grupo de servidores responsáveis por sensibilizar e capacitar os profissionais que trabalham nas unidades, garantindo a qualidade no atendimento. De acordo com a gerente da educação especial e apoio pedagógico interdisciplinar, Lucia Catto, todas as unidades estão equipadas e contam com uma equipe preparada para receber o leite ordenhado e enviado pelas mães. Ao todo, dez mães enviam seu leite para os CMEIs.
Questão político-pedagógica Fabiana esclarece que o incentivo, a promoção e a proteção à amamentação devem estar explicitados no plano político-pedagógico da escola. “Uma escola amiga da amamentação deve fornecer apoio às mães, informando sobre as técnicas de ordenha da mama, transporte e conservação do leite materno”, destaca. Ela ainda considera que as escolas deveriam adotar boas práticas de manipulação de alimentos, incentivar a alimentação saudável e o uso de alimentos minimamente processados, substituir o uso de mamadeiras por copos, pratos e colheres. Para a enfermeira Sandra Domingues, responsável pela implantação das salas de amamentação nas escolas da prefeitura de Marília (SP), uma sala de amamentação adequada deve ser climatizada, oferecendo recursos como poltrona ou cadeira confortável e com braço, mesa de apoio, lavatório para higienização das mãos, geladeira duplex para o armazenamento do leite materno, termômetro para registrar a temperatura do leite a fim de garantir a qualidade do leite humano ordenhado e identificado. O leite deve ser mantido refrigerado até o momento de oferecê-lo à criança, aquecido em banho-maria, com o fogo desligado, e o ideal é que não seja oferecido em mamadeira para não favorecer o desmame devido à confusão de bicos. Outro aspecto importante é permitir que a mãe compareça a qualquer horário para amamentar e incluir o tema amamentação entre as atividades com as crianças. “Os gestores podem implantar um ambiente favorável para a amamentação nas escolas, permitindo que a cultura da amamentação faça parte de sua instituição, precedendo a cultura da boa alimentação”, enfatiza Silvia Briani. Nesse sentido, Silvia considera fundamental investir na capacitação das equipes, para que sejam multiplicadoras, abordar o tema da amamentação pelo viés pedagógico, favorecer o ambiente de amamentação e ordenha de leite para suas funcionárias, trazer para o espaço da escola rodas de conversa sobre este e outros assuntos relacionados. Para Monica Portella, incluir as famílias no processo faz uma grande diferença. “É fundamental conscientizar sobre os malefícios do uso de chupetas e mamadeiras”, destaca. “Além disso, a escola deve auxiliar as mães na manutenção da lactação, orientando quanto à forma de ordenhar, armazenar e transportar o leite coletado”, explica a enfermeira, que ressalta a importância de a escola não oferecer fórmula infantil aos bebês e, após o sexto mês de vida, fornecer alimentos complementares que sejam saudáveis. Silvia Briani alerta para o fato de que a sociedade não está mais preparada para conviver com a amamentação, a ponto de ser necessária uma legislação para garantir esse direito. “As pessoas acabam vendo com maus olhos um ato natural, fisiológico e de uma beleza infinita, que é uma mãe amamentando uma criança”, lamenta. Essa cultura costuma refletir-se no ambiente escolar. “O assunto precisa ser tratado com mais atenção a fim de que todos estejam preparados para acolher as mulheres que amamentam”, conclui Monica Portella. Para ela, falta conhecimento legal, técnico e manejo: “Infelizmente, em relação a esse assunto, estamos cercados de mitos, crenças e desinformação”. |
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