Summary
A desinformação sobre o comportamento normal de bebês é frequentemente explorada pela indústria de fórmulas e produtos infantis. Segundo a revista The Lancet, três comportamentos típicos são alvo de interpretação equivocada:
Choro - Refluxo fisiológico - Sono curto
A estratégia da indústria é aumentar a insegurança dos pais, promovendo intervenções desnecessárias que ameaçam a amamentação exclusiva e aumentam o risco de desmame precoce. Essa prática compromete a saúde da díade mãe-bebê. Para proteger as famílias, são necessárias políticas públicas que combatam o marketing enganoso, eduquem pais e profissionais e promovam decisões informadas. Assim, é possível fortalecer a amamentação e proteger o desenvolvimento infantil.
Gabrielle Gimenez*
A falta de informação de mães e pais, dos profissionais de saúde e da sociedade sobre o comportamento infantil, especialmente de bebês amamentados, pode transformá-los em presas fáceis para o marketing da indústria farmacêutica e de fórmulas infantis. A seguir, destacamos 3 comportamentos normais do lactente que muitas vezes são mal interpretados e explorados pela indústria, segundo um estudo recente publicado na última Série de Amamentação da revista The Lancet [1].
1. Choro
O choro é a única maneira que o bebê tem de comunicar o que sente e do que precisa. Porém, associar todo choro à fome é um erro perigoso. Bebês choram por diversos motivos: desconforto, cansaço, fralda molhada, entre outros.
A indústria, no entanto, usa essa situação para insinuar que o bebê está chorando por fome e que o leite materno é insuficiente, sugerindo a introdução de fórmulas para a complementação da alimentação do bebê.
Outro lado da mesma moeda é a insinuação de que o bebê chora por “cólicas”, e para isso a indústria oferece uma linha de produtos que promete aliviar o desconforto do bebê e diminuir o choro ao tratar supostas alergias e sensibilidades.
2. Refluxo fisiológico
As famosas golfadas são parte natural do processo de maturação do sistema digestivo do bebê. Na maioria dos casos, isso não demanda cuidados especiais. No entanto, a indústria muitas vezes apresenta esse refluxo como um problema que requer tratamento medicamentoso ou fórmulas “antirefluxo”.
3. Curta duração do sono
O padrão de sono de um bebê é diferente do de um adulto. É normal que eles acordem com frequência, e isso faz parte do seu desenvolvimento. A indústria, porém, pode transformar esse comportamento em uma “condição” e sugerir produtos que supostamente ajudem o bebê a dormir por mais tempo.
O perigo da desinformação
Quanto menos os pais souberem sobre o comportamento normal do bebê, mais difícil será criar expectativas realistas. Isso os torna suscetíveis às propagandas enganosas da indústria, o que pode colocar a amamentação em risco.
A estratégia da indústria farmacêutica e de substitutos do leite materno é patologizar esses comportamentos normais do desenvolvimento infantil, transformando-os em condições clínicas para as quais oferecem “soluções” em forma de medicamentos ou produtos alimentares.
A insegurança de mães e pais: a porta de entrada para a fórmula
O grande objetivo da indústria é aumentar a insegurança dos pais em relação à alimentação infantil, levando-os a acreditar que o leite materno é insuficiente ou que o comportamento normal do bebê requer algum tipo de intervenção. Essa prática pode comprometer a amamentação exclusiva, que é essencial para o desenvolvimento saudável do ser humano.
Além disso, uma vez que a fórmula é introduzida na rotina alimentar do lactente, normalmente em mamadeira, aumenta-se o risco potencial de um desmame precoce por confusão de bicos ou do abandono da amamentação por decisão dos pais ao não ver sentido na manutenção do aleitamento misto, com implicações negativas para a saúde física e emocional da díade mãe-bebê.
Proteger é preciso!
Entender como as regras de mercado influenciam as normas culturais deve levar, portanto, à elaboração de políticas públicas que visem a proteção das famílias quanto às práticas de marketing da indústria, adotando uma abordagem abrangente que alerte sobre propagandas enganosas e a influência da indústria da fórmula sobre profissionais de saúde e suas sociedades, pesquisadores e todo o ambiente de assistência à saúde.
Essa é a única maneira de que pais e mães possam identificar e separar o joio do trigo no amplo leque de informações, propostas e recomendações que verão na internet e receberão tanto de leigos, as tais influenciadoras, como de profissionais ao longo do processo de maternagem e amamentação.
* Gabrielle é Puericultora, mãe de três, editora associada do portal aleitamento.com e autora do livro “Leite Fraco? – Guia prático para uma amamentação sem mitos”. @gabicbs
Referência:
[1] Pérez-Escamilla R, Tomori C, Hernández-Cordero S, Baker P, Barros AJD, Bégin F, Chapman DJ, Grummer-Strawn LM, McCoy D, Menon P, Ribeiro Neves PA, Piwoz E, Rollins N, Victora CG, Richter L; 2023 Lancet Breastfeeding Series Group. Breastfeeding: crucially important, but increasingly challenged in a market-driven world. Lancet. 2023 Feb 11;401(10375):472-485. doi: 10.1016/S0140-6736(22)01932-8. Epub 2023 Feb 7. Erratum in: Lancet. 2023 Mar 18;401(10380):916. PMID: 36764313.
Breastfeeding The Lancet 2023: artigos em português em https://pt.slideshare.net/slideshow/breastfeeding-the-lancet-2023-artigos-em-portugus/256054206