Relação com trabalho dificulta amamentação
Amamentar e trabalhar são dois verbos difíceis de conciliar no dia-a-dia das mulheres. Quando é preciso escolher, elas acabam abrindo mão de uma amamentação mais plena ou prolongada. Em seu mestrado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, a publicitária Ivany Yara de Medeiros pesquisou o papel do trabalho da mulher na sua decisão de amamentar ou não. Os depoimentos foram coletados por meio de entrevistas, não apenas em busca de dados quantitativos, mas também do sentido que eles carregam.
“Essa é uma situação geral, não ocorre apenas com mulheres de maior renda. A diferença é que as de menor renda sentem menos culpa, pois existe o fator da sobrevivência”, conta a pesquisadora. “Mas, ficou bastante claro que, para ambos os grupos, o trabalho é visto muito além da questão financeira.” Foram entrevistadas 54 mulheres que exercem atividade remunerada e têm filhos de 4 meses a 2 anos de idade – período que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a amamentação.
As mães foram divididas entre menor renda (até 10 salários mínimos) e maior renda, e em quatro categorias profissionais: liberais e autônomas, executivas, funcionárias semi-especializadas (como secretárias, professoras primárias) e funcionárias não graduadas (como manicures, faxineiras). A divisão foi feita “para perceber se haveria diferença entre esses grupos quanto à relação trabalho-amamentação”, explica Ivany.
Quanto à amamentação, as entrevistadas se mostraram favoráveis a sua prática, importante para a saúde do bebê. Mas, no momento em que a mulher é confrontada com a combinação trabalho/amamentação, a maior parte dos discursos que surgem relatam sua impossibilidade: tanto mulheres de alta como de baixa renda consideram mais complicado amamentar por causa dos horários das mamadas e da distância do serviço. “Esta constatação não pode ser ignorada e deve ser melhor investigada, pois não se trata unicamente de conseguir direitos, mas da mulher se dispor, ou ter condições, de usufruir deles.”
O estudo também analisou, de acordo com o nível profissional das mulheres, o tempo que transcorre entre o parto e o retorno ao trabalho, e verificou a importância dada à profissão por mulheres que detém cargos e salários mais altos, que voltam a trabalhar, em média, 3,5 meses após o parto. “A relação dessas mulheres com a vida profissional é mais complexa, pois elas investiram mais em sua formação e, em princípio, não pretendem abrir mão do que já conquistaram”, afirma a pesquisadora.
No caso das semi-graduadas, “que têm maior proteção legal e mais cobertura das empresas para gozar a licença-maternidade e até estender esse período com férias”, retornam após 5,4 meses. Já as não graduadas (trabalhadoras mais simples) retornam após 4,4 meses, em média. “A surpresa é que aquelas que financeiramente teriam mais condições são as que voltam mais rápido ao trabalho. Isso comprova a dicotomia da mulher independente versus o lar”, avalia a publicitária. “As trabalhadoras mais simples, mesmo tendo menos proteção e condições, ficam um mês a mais com a criança que as de maior renda e poder.”
Diante do quadro exposto pela pesquisa, Ivany considera válido o empenho na obtenção do aumento da licença-maternidade e na criação de creches em local de trabalho, por exemplo. Porém, ela lembra que essas medidas não irão beneficiar todas as mulheres, principalmente as de alta renda – aquelas que voltam ao trabalho mais cedo.
“Só quando a sociedade, o parceiro e a família, encararem a responsabilidade do cuidado com a criança como algo que não deve ser delegado unicamente à mãe, a mulher poderá se libertar, pelo menos parcialmente, da sua dupla ou tripla jornada de trabalho e livrar-se da culpa”, alerta.