Mães que não conseguem amamentar sentem culpa,
mas geralmente não tomam a decisão sozinhas.
Qual é o papel do pediatra nessa história?
Deborah Kanarek
Para a mãe, pediatra significa sabedoria, experiência, tranqüilidade. Ele é o profissional de saúde mais próximo dos pais no tumultuado começo de vida do bebê, a mão amiga que ensina a cuidar do recém-nascido e ajuda a mãe a amamentar seu filho. Quando se fala em aleitamento materno, no entanto, a importância do pediatra tem sido pouco discutida. Não deveria ser assim. Uma pesquisa comprovou que a formação desse médico é diretamente proporcional ao sucesso da amamentação. Para sua tese de mestrado, o presidente do Comitê de Aleitamento da Sociedade Mineira de Pediatria, Luciano Borges Santiago, acompanhou 101 crianças atendidas no Hospital-Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, em Uberaba (MG), divididas em três grupos. O primeiro foi assistido por uma equipe multidisciplinar e um pediatra treinado em aleitamento. O segundo grupo, por um pediatra com formação específica; e o terceiro, por um pediatra sem treinamento especial. Os índices da pesquisa revelam o tamanho da influência desse profissional. Até o quarto mês de vida das crianças, 80% das mães atendidas pela equipe do primeiro grupo alimentavam seus filhos exclusivamente com leite materno. No terceiro grupo, o índice caiu para 35%. Pediatra mais preparado mantém o aleitamento por um período mais longo, conclui ele.
Por um fio
A artista plástica Luciana Gaspar Assumpção, 38 anos, mãe de Victória, 1 mês (foto), reclamava tanto de dor até que o pediatra indicou complemento. Não resolveu. Então, liberou-a para o desmame. Nessa hora, Luciana hesitou. Achou que ainda havia algo a ser feito. Caso contrário não se perdoaria. E recorreu a uma consultora. Ela veio em casa, observou as mamadas, corrigiu postura, tirou dúvidas, flexibilizou horários. Não tinha esse tempo nem liberdade com o pediatra, afirma. Victória agora só mama no peito.
Mais informação
Sabe-se que na população em geral a amamentação exclusiva despenca de 99% na saída da maternidade para 18% no final do quarto mês de vida do bebê, segundo dados do Ministério da Saúde. Ainda é muito pouco, mas o número cresceu cinco vezes de 1986 para cá. Hoje em dia não há mais dúvidas de que o leite materno é a melhor fonte de nutrientes para o recém-nascido. Há mais informações, seja nos cursos de gestantes, seja nas campanhas promovidas pelo governo na televisão. São raras as que dizem não querer amamentar. E aquelas que não conseguem costumam sentir como se tivessem fracassado. Ficam culpadas, como se só elas fossem responsáveis pelo desmame. O fato é que a amamentação foi dizimada por forças poderosas, interesses econômicos. Agora, que há um movimento de revalorização, a cobrança recai apenas no elo mais frágil, a mãe, afirma a fundadora da Amigas do Peito, Rosimar Teykal. A empresária Andréa Vieira de Freitas, 34 anos, mãe de Enzo, 3 meses, provou dessa sensação. Nas primeiras semanas, eu dava de mamar a cada cinco minutos, Enzo adormecia meia hora e acordava chorando. Vivia exausta e com dor. Segui à risca as orientações do pediatra, mas ele não ganhou peso e, com o complemento, deixou o peito. Foi frustrante.
O que acontece, então, entre o sonho e a realidade? Falta apoio. Ninguém gosta de dizer, mas amamentar dá trabalho. Leva tempo para mãe e bebê se entenderem, os seios podem rachar e a paciência vira pre-condição. É preciso ouvir a mãe, incentivá-la, fazer com que se sinta segura, diz a consultora Marta Goldberg, do Grupo Leite Meu. Aí está o problema. Quem está fazendo esse papel? As campanhas, embora educativas, não ajudam. Nos consultórios pediátricos, chegam mães aflitas. Quando o bebê não engorda, a angústia dobra de tamanho. Muitos pediatras, pressionados e sem preparo para lidar com o assunto, indicam o complemento como solução. Não seria problema se a mamadeira não fosse a porta de entrada do desmame precoce. Esse é uma questão multifatorial. Consultas rápidas em função da baixa remuneração fazem com que a mãe não seja amparada como deveria pelos profissionais de saúde. É o mesmo problema que leva a altos índices de cesárea no país, admite o presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Dioclécio Campos Júnior.
Fantasma do desmame
A empresária Sônia Inakake, 38 anos, mãe de Levy, 2 anos, e Beatriz, 2 meses (foto), insistiu na amamentação da caçula ao saber que o desmame precoce do mais velho pode ter desencadeado sua intolerância à lactose. No primeiro filho quis amamentar, mas ele chorava muito e logo o pediatra indicou o complemento. Para o desmame foi um passo. Mudei de pediatra, que me indicou os serviços de uma consultora. Amamentei sem problemas. Se eu soubesse o que sei hoje, teria conseguido amamentar o Levy por mais tempo, afirma.
Avaliação incorreta
Há quem aponte, ainda, a incapacidade em avaliar o problema. A pediatra Elsa Giugliani, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da SBP, acaba de concluir um estudo sobre técnicas de amamentação e tempo de aleitamento. A pega incorreta, que além de machucar os mamilos e desestimular a mãe, pode comprometer a produção do leite e o ganho de peso do bebê, nem sempre é detectada pelos médicos, diz. O pediatra Luciano Borges treina profissionais para lidarem com o aleitamento e relata que as turmas, freqüentadas por psicólogas e enfermeiras, raramente contam com pediatras. Só que é dessa categoria médica a missão de orientar a mãe, garante o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Clóvis Constantino. Enquete no site da CRESCER, respondida por 370 mães apontou que para 44,9% o aval do especialista foi decisivo na decisão de entrar com a mamadeira.
Pesquisa da Organização Mundial de Saúde, realizada no país em 1994, constatou que os cursos de medicina dedicam apenas 0,13% da carga horária ao ensino do aleitamento materno.
Não há estatísticas sobre a residência pediátrica. Essa lacuna está sendo preenchida pela proliferação de organizações como a Amigas do Peito e consultoras dispostas a ajudar a mãe. Na residência, nem sempre os pediatras enfrentam situações práticas em número suficiente para lidar com as dificuldades com as quais vão se deparar nos consultórios, acredita o pediatra do Hospital São Camilo, Hamilton Robledo. Alheias a esses obstáculos, poucas mães questionam o pediatra. É preciso que o bebê passe diversas vezes em consulta e a mãe seja ouvida em detalhes até que se tome a decisão de entrar com o complemento, afirma a pediatra Sônia Salviano, coordenadora da Política Nacional de Aleitamento.
Pressões contrárias vêm de todos os lados. Como avós que oferecem mamadeira para ajudar. De acordo com pesquisa feita pela pediatra Giugliani, com 601 mães de recém-nascidos, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mais da metade das avós aconselhou às mães o uso de chá ou água. Cerca de 14% chegaram a dar esses líquidos aos recém-nascidos e 12,5% sugeriram o uso de outro leite, que não o materno. O fato é que quando as mães conseguem olhar para os pediatras como profissionais, e não como deuses, a conversa dá resultados. Robledo conta que atendeu recentemente, em um congresso de pediatria, dezenas de médicos para esclarecer dúvidas sobre amamentação. Os organizadores acreditavam que o estande ficaria às moscas. Parece que os pediatras estão sendo mais cobrados pelas mães, constata. Antes assim.
Na maternidade
A estudante Ariela Barreiros Villas Boas, 18 anos, (foto) mãe de Lucas, 1 mês, chegou a flagrar uma enfermeira na maternidade dando leite artificial. Questionou o procedimento, já que seus seios vazavam leite e o bebê sugava bem. Ouviu respostas evasivas e teve de bater o pé para que a chamassem toda vez que seu filho precisasse mamar.
Fotos Fernando Martinho / Agradecimento à Zazou