Quem são as mulheres que amamentam por 2 anos ou mais?
Elisa Justo MartinsI; Elsa Regina Justo GiuglianiII
IEnfermeira, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS. Mestre, Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.
IIDoutora. Professora associada, Departamento de Pediatria, UFRGS, RS.
RESUMO
Objetivo:
Identificar fatores associados à manutenção do aleitamento materno por 2 anos ou mais.
Métodos: Estudo de coorte que acompanhou 151 crianças selecionadas no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, do nascimento até a idade de 3 a 5 anos. As mães foram entrevistadas pessoalmente na maternidade, aos 7 e 30 dias após o parto, e quando as crianças tinham entre 3 e 5 anos. As entrevistas aos 60, 120 e 180 dias de vida da criança foram feitas por contato telefônico, sempre que possível. Para testar as associações entre o desfecho (aleitamento materno por 2 anos ou mais) e as variáveis explicativas, utilizou-se regressão de Poisson seguindo modelo hierárquico.
Resultados: Mostraram-se associados de forma positiva, com o desfecho: permanência da mãe em casa com a criança nos primeiros 6 meses de vida [risco relativo (RR) = 2,13; intervalo de confiança de 95% (IC95%) 1,12-4,05]; não uso de chupeta (RR = 2,45; IC95% 1,58-3,81); e introdução mais tardia de água e/ou chás e de outros leites na alimentação da criança. Para cada dia a mais sem a introdução desses líquidos, aumentava a probabilidade de a criança ser amamentada por 2 anos ou mais em 0,5% e 0,1%, respectivamente. Coabitação com o pai da criança mostrou associação negativa com o desfecho (RR = 0,61; IC95% 0,37-0,99).
Conclusão:
Mãe permanecer em casa com a criança nos primeiros 6 meses de vida, não coabitar com companheiro, não oferecer chupeta e postergar a introdução de água e/ou chás e outros leites na alimentação das crianças são características e comportamentos associados com a manutenção da amamentação por 2 anos ou mais.
J Pediatr (Rio J). 2012;88(1):67-73: Aleitamento materno, desmame, padrões alimentares, nutrição infantil.
ABSTRACT
Objective: To identify factors associated with continuation of breastfeeding for 2 years or more.
Methods: This was a cohort study that followed 151 children recruited at the Hospital de Clínicas in Porto Alegre, Brazil, from birth until ages ranging from 3 to 5 years. Mothers were interviewed in person in the maternity unit, at 7 and 30 days after delivery, and when their children were from 3 to 5 years old. Interviews were also conducted at 60, 120 and 180 days, by telephone when possible, or during a home visit otherwise. Associations between the outcome (breastfeeding for 2 years or more) and explanatory variables were investigated using Poisson regression within a hierarchical model.
Results: The following variables had positive associations with the outcome: mother staying at home with her child for the first 6 months [relative risk (RR) = 2.13; 95% confidence interval (95%CI) 1.12-4.05]; not using a pacifier (RR = 2.45; 95%CI 1.58-3.81); and later introduction of water and/or teas and of other milks. Each extra day that these liquids were not introduced was associated with 0.5% and 0.1% greater probability of the child being breastfed beyond 2 years, respectively. Cohabitation with the child’s father had a negative association with the outcome (RR = 0.61; 95%CI 0.37-0.99).
Conclusion: Mothers staying at home with their children for the first 6 months of their lives, not cohabiting with a partner, not giving their children pacifiers and delaying introduction of water and/or teas and of other milks are characteristics and behaviors associated with continuation of breastfeeding for 2 years or more.
J Pediatr (Rio J). 2012;88(1):67-73: Breastfeeding, weaning, feeding practices, infant nutrition.
Introdução
Baseada em evidências científicas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda aleitamento materno (AM) por 2 anos ou mais, sendo exclusivo nos primeiros 6 meses1.
Sabe-se que muitos benefícios atribuídos ao AM são dose-dependentes, isto é, quanto maior a frequência e a duração da amamentação, maiores são os benefícios. Muitas mortes de crianças são prevenidas com o AM no segundo ano de vida2, assim como muitos casos de sobrepeso/obesidade em pré-escolares poderiam ser evitados se a amamentação fosse praticada por 2 anos ou mais3. É possível, também, que uma maior duração do AM esteja associada a melhor desempenho cognitivo do indivíduo4. Para a mulher, estima-se que para cada ano de amamentação haja uma redução de 4,3% do risco de câncer de mama5 e de 15% do risco de diabetes6, e que para cada mês de amamentação o risco de câncer de ovário seja 2% menor7.
Apesar desse conhecimento, a duração da amamentação é, em geral, curta, sobretudo nos países ocidentais. Em torno da metade das crianças no mundo é amamentada por 2 anos ou mais8; no Brasil, menos da metade é amamentada pelo menos até os 12 meses de idade, e apenas 1/4 é amamentada na faixa etária entre 18 e 23 meses9.
Existem muitos estudos sobre determinantes da interrupção precoce do AM, tendo sido identificados fatores socioeconômicos, culturais, demográficos e biológicos10-12. São, porém, escassos os estudos abordando o AM em crianças maiores, e pouco se sabe sobre os fatores envolvidos na manutenção da amamentação por 2 anos ou mais, como recomenda a OMS1. Por isso, este estudo teve como objetivo pesquisar os fatores associados à manutenção da amamentação por 2 anos ou mais, identificando, assim, algumas características e comportamentos das mulheres que seguem a recomendação atual sobre duração do AM.
Métodos
O presente estudo acompanhou uma coorte de mães e suas respectivas crianças do nascimento até a idade entre 3 e 5 anos. A amostra foi selecionada entre os meses de junho e novembro de 2003 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Este é um hospital geral universitário, que atende população de baixo nível socioeconômico, credenciado como Hospital Amigo da Criança desde 1997 e que realiza em torno de 3.500 partos por ano.
Diariamente, incluindo os finais de semana, foram incluídas no estudo duas duplas mãe-bebê que estavam em alojamento conjunto, sorteadas entre todas as duplas que preenchiam os seguintes critérios de inclusão: mães residentes no município de Porto Alegre (RS), com recém-nascidos saudáveis, não gemelares e com peso de nascimento igual ou superior a 2.500 g e que tivessem iniciado a amamentação. As duplas que tiveram que ser separadas por problemas da mãe ou do bebê foram excluídas do estudo.
A coleta de dados foi realizada em três etapas. Na primeira etapa, realizada na maternidade, as mães, após assinarem termo de consentimento livre e esclarecido, foram entrevistadas entre o segundo e o terceiro dia pós-parto, utilizando-se questionário visando à obtenção de dados sociodemográficos e relacionados ao acompanhamento pré-natal, ao parto e à experiência prévia com amamentação. Na segunda etapa, as mães foram entrevistadas aos 7, 30, 60, 120 e 180 dias, por telefone ou visita domiciliar, na impossibilidade de contato telefônico, para obtenção de informações sobre práticas alimentares das crianças e outras informações relevantes, tais como uso de chupeta e trabalho da mãe fora do lar. Para tal, utilizou-se questionário de rápida aplicação (em torno de 15 minutos). Na terceira etapa, quando as crianças tinham entre 3 e 5 anos, as informações foram coletadas por meio de entrevistas com as mães, previamente agendadas. As entrevistas foram realizadas em local cedido por pesquisadora, autora de outro estudo que utilizou a mesma amostra13, e, na impossibilidade de comparecerem a esse local, nos domicílios. Todas as entrevistas foram realizadas pela primeira autora, utilizando questionário padronizado. A entrevista, com duração aproximada de 1 hora, tinha como foco principal a experiência da amamentação e o processo do desmame. As crianças foram reavaliadas na idade entre 3 e 5 anos por já terem completado a dentição decídua, condição para outro estudo que avaliou a mesma coorte13.
Foi considerada em AM a criança que recebia leite materno, acompanhado ou não de outros alimentos, e em AM exclusivo aquela que recebia apenas leite materno, sem nenhum outro alimento, incluindo água ou chás14.
As análises estatísticas foram realizadas com a utilização do programa SPSS, versão 17.0. Para a análise estatística bivariada, os testes utilizados foram: teste t de Student ou Mann-Whitney para variáveis contínuas com distribuição simétrica ou assimétrica, respectivamente; e teste do qui-quadrado de Pearson para variáveis categóricas. O desfecho (AM por 2 anos ou mais) e as variáveis explicativas foram submetidos à regressão de Poisson, seguindo modelo hierárquico, no qual as variáveis foram agrupadas em cinco blocos. Esse modelo de análise enfatiza a importância das variáveis indicativas do contexto socioeconômico e familiar, hierarquicamente superiores às demais, as quais foram sendo gradualmente introduzidas no modelo, obedecendo a hierarquização.
Assim, primeiramente foi feita análise para testar associação entre o desfecho e as variáveis contidas no primeiro bloco. O próximo passo foi incluir no modelo as variáveis do segundo bloco, mantendo as variáveis que atingiram nível de significância de p < 0,10 na análise anterior e assim sucessivamente. As variáveis que entraram no modelo por atingir nível de significância de p < 0,10 permaneceram no modelo até o final, por serem consideradas potenciais confundidores. O modelo final incluiu apenas variáveis associadas com o desfecho, com os respectivos riscos relativos (RR) observados na fase da análise em que elas entraram no modelo. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo. A escolha das variáveis em cada bloco baseou-se em conhecimento acumulado com base na literatura (Figura 1). As variáveis introduzidas no modelo foram, na sua maioria, categóricas. Para as variáveis relacionadas à idade em que a criança começou a receber água e/ou chás, leite não materno ou alimentos sólidos/semissólidos, foram utilizados dados contínuos, para maior detalhamento da influência dessas variáveis explicativas no desfecho. O grau de associação entre as diversas variáveis e o desfecho foi estimado por meio de RR e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
O cálculo inicial do tamanho da amostra foi feito considerando como desfecho a prevalência do AM exclusivo nos primeiros 6 meses de vida da criança, que foi objeto de outro estudo15. Estimou-se uma amostra mínima de 128 a 210 sujeitos, dependendo da prevalência da variável exposição testada (20 a 70%), tendo como parâmetros: poder estatístico de 80% para detectar diferença de ao menos 30% e prevalência do desfecho (AM exclusivo em crianças menores de 6 meses) de 30%. Com a amostra disponível para o desfecho AM por 2 anos ou mais, foi possível obter poder de no mínimo 80% para detectar um RR de 2, para todas as associações testadas, com exceção da variável “recebeu fórmula na maternidade”, que necessitaria de um maior número de sujeitos na amostra.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Grupo de Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Resultados
Das 220 duplas mãe-bebê incluídas na coorte, 151 (69%) concluíram o estudo. Portanto, ao longo do seguimento, houve 69 perdas: 23 na segunda etapa da coleta dos dados (seguimento até os 6 meses) e 46 entre a segunda e terceira etapas (a partir dos 6 meses). As perdas ocorreram por não localização da família (63), mudança de cidade (três) e recusa em permanecer no estudo (três). A comparação das duplas que concluíram o estudo com as que foram perdidas ao longo do seguimento mostrou semelhança entre os dois grupos quanto às principais características, com exceção da cor da pele das mães, visto que havia maior quantidade de mães de cor branca entre as duplas perdidas (80% versus 66,2%). No entanto, essa variável não se associou com AM por 2 anos ou mais (p = 0, 985).
A idade mediana das crianças na época da entrevista foi de 49 meses, com variação entre 40 e 64 meses. As principais informações sobre a amostra que concluiu o estudo são apresentadas naTabela 1
. Cerca de 1/3 das crianças (n = 49, 32,5%; IC95% 25,3-40,2) foi amamentado por 2 anos ou mais. A duração mediana do AM foi de 11,5 meses (IC95% 7,4-15,6). Nove crianças (6%) permaneciam sendo amamentadas na época da entrevista.
Publicado por Prof. Marcus Renato de Carvalho