A prática do aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal: situação atual e avanços
doi:10.2223/JPED.2016
Sonia I. VenancioI; Maria M. L. EscuderII; Sílvia R. D. M. SaldivaIII; Elsa R. J. GiuglianiIV
IDoutora. Pesquisadora, Instituto de Saúde, Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP), São Paulo, SP.
IIMestre. Pesquisadora, Instituto de Saúde, SES-SP, São Paulo, SP.
IIIDoutora. Pesquisadora, Instituto de Saúde, SES-SP, São Paulo, SP.
IVDoutora. Professora associada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.
RESUMO
Objetivos:
Apresentar os indicadores de aleitamento materno (AM), obtidos na II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal, bem como analisar sua evolução no período de 1999 a 2008.
Métodos:
Pesquisa de corte transversal, envolvendo crianças menores de 1 ano de idade que participaram da segunda fase da campanha de multivacinação de 2008. Foram utilizadas amostras por conglomerados, com sorteio em dois estágios. O questionário era composto por questões fechadas, incluindo o consumo de leite materno, outros tipos de leite e outros alimentos no dia anterior à pesquisa. Foram analisadas as prevalências de AM na primeira hora de vida; aleitamento materno exclusivo (AME) em menores de 6 meses; AM em crianças de 9 a 12 meses; e medianas do AME e AM. A variação temporal do AM foi estabelecida por meio da comparação das medianas do AME e AM em 1999 e 2008.
Resultados:
Obtiveram-se dados de 34.366 crianças. Verificou-se que 67,7% (IC95% 66,7-68,8) mamaram na primeira hora de vida; a prevalência do AME em crianças de 0 a 6 meses foi de 41% (IC95% 39,7-42,4), e do AM em crianças de 9 a 12 meses foi de 58,7% (IC95% 56,8-60,7). Houve aumento de 30,7 dias na duração mediana do AME e de 45,7 dias na mediana do AM.
Conclusão:
Houve melhora significativa da situação do AM na última década. Porém, ainda são necessários esforços para que o Brasil atinja índices de AM compatíveis com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.
J Pediatr (Rio J). 2010;86(4):317-324: Aleitamento materno, aleitamento materno exclusivo, estudo transversal, indicadores.
ABSTRACT
Objectives: To present the breastfeeding (BF) indicators obtained in the Second Survey on Prevalence of Breastfeeding in the Brazilian Capitals and the Federal District and to analyze their evolution from 1999 to 2008.
Methods: A cross-sectional study was conducted in children younger than 1 year old who participated in the second phase of the multivaccination campaign in 2008. We used two-stage cluster sampling. The questionnaire consisted of closed questions, including data on consumption of breast milk, other types of milk, and other foods on the day prior to the survey. We analyzed the prevalence of BF in the first hour of life; exclusive BF in children younger than 6 months; BF in children aged 9 to 12 months; and medians of exclusive BF and BF. The time variation of BF was established by comparing the medians of exclusive BF and BF in 1999 and 2008.
Results: We obtained data from 34,366 children. We found that 67.7% (95%CI 66.7-68.8) of the children were breastfed in the first hour of life; the prevalence of exclusive BF in children aged 0 to 6 months was 41% (95%CI 39.7-42.4), while the prevalence of BF in children aged 9 to 12 months was 58.7% (95%CI 56.8-60.7). There was an increase of 30.7 days in the median duration of exclusive BF and 45.7 days in the median of BF.
Conclusion: There was a significant improvement in the breastfeeding prevalence in the last decade. However, further efforts are required so that Brazil can reach BF rates compatible with the recommendations of the World Health Organization.
J Pediatr (Rio J). 2010;86(4):317-324: Breastfeeding, exclusive breastfeeding, cross-sectional study, indicators.
Introdução
O aleitamento materno (AM) é a estratégia que mais previne mortes infantis1, além de promover a saúde física, mental e psíquica da criança. Estima-se que a amamentação tem o potencial de reduzir em 13% as mortes em crianças menores de 5 anos1, assim como em 19 a 22% as mortes neonatais, se praticada na primeira hora de vida2,3. A promoção do AM, portanto, deve ser incluída entre as ações prioritárias de saúde.
O Brasil vem investindo no incentivo ao AM desde 1981, com a instituição do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, considerado modelo pela diversidade de ações4. Graças a pesquisas nacionais, é possível constatar que os índices de AM no Brasil vêm aumentando gradativamente. Venancio & Monteiro5 verificaram aumento da duração da amamentação entre 1974 e 1989, passando de 2,5 para 5,5 meses5. Dados das Pesquisas Nacionais sobre Demografia e Saúde (PNDS) confirmaram essa tendência, identificando aumento na mediana do AM de 7 meses, em 19966, para 14 meses, em 20067.
A primeira informação sobre a situação do aleitamento materno exclusivo (AME) no Brasil é proveniente de pesquisa realizada em 1986, na qual se evidenciou que apenas 3,6% das crianças entre 0 e 4 meses eram amamentadas de forma exclusiva8. Dados de 2006 mostraram prevalência do AME de 38,6% em menores de 6 meses7.
Em 1999, realizou-se o primeiro inquérito sobre prevalência de AM nas capitais brasileiras e Distrito Federal (DF), durante campanha nacional de vacinação. Verificou-se uma prevalência de 35,6% de AME em menores de 4 meses e duração mediana da amamentação de 10 meses9.
Em 2008, sob os auspícios do Ministério da Saúde, realizou-se a II Pesquisa Nacional de Prevalência de AM (II PPAM)10, utilizando a mesma metodologia do inquérito de 1999. A justificativa para a realização da pesquisa foi a necessidade, por parte dos gestores, de uma análise da evolução da situação do AM, tendo em vista as diversas ações desenvolvidas no âmbito da política nacional. O presente artigo apresenta os dados relativos aos principais indicadores de AM nas capitais e DF e analisa sua evolução no período de 1999 a 2008.
Métodos
Trata-se de uma pesquisa de corte transversal, envolvendo crianças menores de 1 ano que compareceram à campanha de multivacinação de 2008 em todas as capitais brasileiras e DF.
A capacitação das Secretarias de Saúde dos estados e capitais foi feita em três oficinas de 16 horas, que contemplaram a preparação dos profissionais para a realização de todas as etapas da pesquisa. Os participantes receberam manuais de apoio contendo orientações para os coordenadores municipais, supervisores de campo e entrevistadores.
O inquérito foi realizado adotando-se amostras por conglomerados, com sorteio em dois estágios e probabilidade proporcional ao tamanho dos conglomerados. No primeiro estágio, foram sorteados os postos de vacinação e, no segundo, as crianças em cada posto11. As amostras foram planejadas com base nas informações fornecidas pelos estados: número de postos de vacinação em cada capital e número de crianças menores de 1 ano vacinadas em cada posto em 2007. O tamanho amostral levou em consideração a prevalência de AME nas capitais e DF em 1999, com acréscimo de 2 a 10%, prevendo-se um aumento da prevalência. Para compensar as perdas de precisão inerentes à amostra por conglomerados, acrescentou-se o efeito do desenho, multiplicando-se por 1,5 a estimativa inicial e, ainda, uma taxa de não resposta de 5 a 10%. O tamanho da amostra desejado para estimar o AME em menores de 6 meses foi multiplicado por 2.
O questionário continha questões fechadas sobre o consumo de leite materno, outros tipos de leite e outros alimentos, incluindo água, chás e outros líquidos, no dia anterior à pesquisa. A utilização de dados atuais (current status), recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)12, tem por objetivo minimizar possíveis vieses decorrentes da memória do informante, o que é particularmente adequado para a caracterização do AME. Esse instrumento foi aplicado por entrevistadores previamente capacitados a todos os acompanhantes de crianças menores de 1 ano durante a segunda etapa da campanha de multivacinação de 2008. As entrevistas ocorreram durante o dia inteiro da campanha, e nos municípios onde as atividades de vacinação antecederam ou ultrapassaram a data prevista, orientou-se que a coleta de dados acompanhasse todo o período da campanha.
A digitação foi de responsabilidade dos municípios, que alimentaram um aplicativo on-line desenvolvido para esse fim. Os bancos de dados das capitais e DF foram posteriormente exportados para um banco de dados no programa SPSS 16.0.
Foram utilizados procedimentos específicos para análise de inquéritos com amostragem probabilística complexa. As estimativas de prevalência consideram o erro padrão, determinado pelo delineamento amostral, e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Devido às diferenças populacionais entre as capitais envolvidas, cada plano representou uma fração amostral diferente, representada pelo tamanho estimado da amostra sobre o número de crianças a serem vacinadas. O inverso dessa fração foi aplicado para o cálculo das prevalências regionais e do conjunto das capitais.
Foram analisados os seguintes indicadores propostos pela OMS12: AM na primeira hora de vida; AME em menores de 6 meses; AM continuado; e duração mediana do AME e do AM. Foram consideradas em AME as crianças que haviam recebido somente leite materno sem quaisquer outros alimentos sólidos ou líquidos, inclusive água e chá; e, em AM, as crianças que haviam recebido leite materno, independentemente de outros alimentos. As medianas do AME e AM foram obtidas mediante análise de logito, na qual são estimadas, por modelagem estatística, as probabilidades do evento em estudo em função da idade.
A variação temporal do AM foi estabelecida por meio da comparação das medianas do AME e AM, tomando-se por base os dados publicados da pesquisa de 19999 e os dados de 2008. Foram calculados a diferença do indicador, em dias, e o grau de evolução do mesmo, em porcentagem, obtido pelo cálculo: [(mediana 2008 – mediana 1999)/mediana 1999 x 100]. Considerou-se que houve mudança estatisticamente significativa quando não houve sobreposição dos respectivos IC95%.
Testou-se, ainda, a correlação entre a situação da amamentação em 1999 e o grau de evolução das medianas do AME e AM. Os resultados são apresentados em gráficos de correlação, construídos no programa SPSS 16.0.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Saúde (Protocolo 001/2008, de 06/05/2008), após consulta à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Resultados
Foram incluídas 34.366 crianças no estudo. Verificou-se leve predomínio do sexo masculino (50,4%) e maior concentração de crianças até os 6 meses de idade (55,4%). A maioria das mães encontrava-se na faixa etária de 20 a 35 anos (72,2%), e o percentual de mães com idade inferior a 20 anos foi 17,2%; 86,2% tinham menos de 12 anos de escolaridade e 24,9% menos de 8 anos de estudo; 66,2% não estavam trabalhando fora de casa, 11,9% estavam em licença-maternidade e 21,9% estavam trabalhando fora no momento da entrevista.
A Tabela 1 apresenta os indicadores “AM na primeira hora de vida”, “AME em menores de 6 meses” e “AM em crianças de 9 a 12 meses”.
Verificou-se que 67,7% das crianças mamaram na primeira hora de vida; as Regiões Norte, Centro-Oeste e Sul apresentaram os melhores resultados (72,9, 72,0 e 71,8%, respectivamente), e na Região Sudeste, verificou-se o menor percentual de crianças nessa condição (63,5%). Na comparação entre as capitais, verificou-se melhor situação em São Luís (83,5%), e pior em Salvador (58,5%), chamando a atenção o fato de que a maioria das capitais (17) apresentou valores superiores à média referente ao conjunto das crianças analisadas.
A prevalência do AME em menores de 6 meses foi de 41% no conjunto das capitais e DF; a Região Norte foi a que apresentou maior prevalência (45,9%), seguida da Centro-Oeste (45,0%), Sul (43,9%) e Sudeste (39,4%), com a Região Nordeste apresentando a pior situação (37,0%). Em relação às capitais, Belém se destaca com a maior prevalência (56,1%), seguida de Florianópolis (52,4%), Campo Grande (50,1%) e Distrito Federal (50,0%). Por outro lado, a menor prevalência foi identificada em Cuiabá (27,1%). Vale ressaltar que a maioria das capitais (17) apresentou valores abaixo da média do conjunto das crianças analisadas.
A prevalência do AM em crianças de 9 a 12 meses foi de 58,7%. A Região Norte apresentou a melhor situação (76,9%), seguida do Centro-Oeste (64,1%), Nordeste (59,1%) e Sudeste (51,4%), com a Região Sul apresentando a pior situação (49,5%). No tocante às capitais, Macapá e Belém se destacam com as maiores prevalências (82,8 e 79,9%, respectivamente), e Curitiba com a menor (48,5%). Em 15 dos 27 locais estudados, a situação foi melhor que a média identificada para o conjunto das crianças analisadas.
A Tabela 2 apresenta os dados comparativos sobre a duração mediana do AME.
Constatou-se aumento de 1 mês na duração mediana do AME no Brasil, passando de 23,4 dias, em 1999, para 54,1 dias, em 2008. A comparação entre as regiões apontou aumento expressivo na Região Centro-Oeste (47,1 dias), seguida das Regiões Norte (42,2 dias) e Sudeste (41,9 dias). Na Região Sul, verificou-se aumento de menor intensidade (20,2 dias), e a Região Nordeste teve o pior desempenho (8,6 dias). Nesta Região houve aumento da mediana do AME na maioria das capitais, mas redução expressiva em Fortaleza, que passou de 63,6 dias (a melhor situação desse indicador em 1999) para 10,6 dias, em 2008. A análise da evolução desse indicador revela que mudanças favoráveis foram estatisticamente significativas em 20 capitais. Vale destacar que em Campo Grande verificou-se aumento de 2 meses na duração mediana do AME.
Na Tabela 3 são apresentadas as durações medianas do AM nas duas pesquisas.
A duração mediana do AM no Brasil aumentou cerca de 1,5 mês, passando de 295,9 dias em 1999, para 341,6 dias em 2008. A Região Norte, onde se verificou a maior duração do AM na pesquisa de 1999, foi a única Região na qual o aumento, de 20,6 dias, não foi estatisticamente significativo. A Região Nordeste foi a que mais se destacou na expansão do AM, com aumento de cerca de 3 meses, seguida das Regiões Sul (2,5 meses), Sudeste (2 meses) e Centro-Oeste (1,5 mês). Mudanças favoráveis, estatisticamente significativas, foram observadas em 14 capitais. É interessante observar que, em Belém, onde se obteve a maior duração mediana do AM em 1999 (566,3 dias), foi onde se verificou a redução mais expressiva em 2008, de 121 dias. A evolução mais favorável foi observada em Maceió, que aumentou em 159 dias a mediana do AM.
Na Figura 1 são apresentados os gráficos de correlação entre a situação da amamentação em 1999 e o grau de evolução das medianas do AME e AM no período analisado. Verificou-se correlação negativa entre a duração mediana de 1999 e o percentual de evolução, em ambos os casos. Nas capitais onde a duração mediana de AM era menor em 1999, como em Maceió, São Paulo e Porto Alegre, houve maior incremento percentual e, por outro lado, em Belém, Teresina e Boa Vista, capitais com situação mais favorável em 1999, houve, inclusive, redução da duração mediana do AM.
Discussão
A II PPAM possibilitou conhecer a situação atual da amamentação e analisar sua evolução na última década nas capitais brasileiras e DF.
Inicialmente, é importante ressaltar alguns aspectos relacionados ao desenho da pesquisa. A realização de pesquisas durante as campanhas de vacinação tem sido uma estratégia amplamente utilizada e recomendada no Brasil por possibilitar a obtenção de informações em um curto período e com um custo relativamente baixo13. Além disso, a alta cobertura populacional das campanhas, somada à utilização de delineamentos amostrais, como o utilizado no presente estudo, permitem a obtenção de amostras probabilísticas representativas da população de crianças menores de 1 ano nas cidades estudadas.
Dessa forma, no tocante à validade externa do estudo, são aspectos positivos: a alta cobertura da segunda etapa da campanha de vacinação de 2008 (superior a 80% em todas as capitais e média de 95% para o Brasil)14 e o fato de que o perfil da escolaridade materna (considerada, neste estudo, como proxy da situação socioeconômica) é semelhante quando se compara a amostra analisada aos dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos em 2008 (86,2% com menos de 12 anos de estudo versus 83,8%, respectivamente)15.
Uma limitação desta pesquisa diz respeito à não inclusão da população residente em áreas rurais e municípios menores16. Por outro lado, vantagens adicionais dos inquéritos realizados em campanhas de vacinação são: a viabilidade de realização em intervalos menores, permitindo a avaliação e o planejamento de ações no nível local, e seu potencial para a mobilização das equipes de saúde municipais e entrevistadores, geralmente recrutados em universidades.
Dois outros aspectos merecem destaque. O primeiro diz respeito à heterogeneidade dos indicadores entre as capitais e regiões do país, reforçando a importância das pesquisas locais; o segundo refere-se aos avanços verificados na prática da amamentação.
O percentual de crianças amamentadas na primeira hora de vida (67,7%) superou o encontrado na PNDS/2006 (43%) em uma amostra de crianças menores de 60 meses7. Essa diferença pode ser explicada, pelo menos parcialmente, em função do presente inquérito refletir situação mais recente, de crianças menores de 1 ano. Não foi possível avaliar a evolução desse indicador, pois o inquérito de 1999 não contemplou essa informação. Sua introdução na pesquisa atual deveu-se à recente recomendação da OMS12 e aos recentes relatos do impacto dessa prática na redução da mortalidade neonatal2,3.
A prevalência de AME em crianças de 0 a 6 meses (41%) foi muito próxima ao identificado na PNDS/2006 (39,8%)7. O aumento de cerca de 1 mês na mediana do AME, verificado neste estudo, foi mais expressivo que o verificado na comparação da PNDS de 1996 (mediana de 1,1 mês) com a de 2006 (mediana de 1,4 mês)7. Vale ressaltar, porém, que a comparação do AME entre as PNDS de 1996 e 2006 deve ser interpretada com cautela, uma vez que os dados de 1996 podem estar superestimados por problemas na coleta da informação8. Tendência crescente do AME tem sido verificada em diversos estudos realizados em municípios brasileiros17-19 e em outros países20-22.
O indicador AM em crianças de 9 a 12 meses foi utilizado como indicador de continuidade do AM. A OMS recomenda, para o cálculo desse indicador, a proporção de crianças de 12 a 15,9 meses amamentadas12, mas como a pesquisa incluiu crianças menores de um ano, optou-se por utilizar a faixa etária de 9 a 12 meses.
A continuidade do AM teve um comportamento bastante heterogêneo entre as capitais e regiões, variando de 49,5%, na Região Sul, a 76,9%, na Norte. A mediana do AM, verificada nesta pesquisa, de 11,2 meses, foi inferior à encontrada na PNDS/2006 (14,0 meses)7; porém, a mediana do AM na área urbana do país, verificada na PNDS/2006, foi de 12,9 meses7, ou seja, mais próxima do encontrado neste estudo. É interessante observar que apesar do incremento verificado na manutenção do AM no país, sua mediana continua inferior à observada por Pérez-Escamilla21 na Bolívia (17,5 meses), Guatemala (19,9 meses) e Peru (19,5 meses), na década de 1990.
A OMS recomenda amamentação exclusiva até os 6 meses e manutenção do AM, juntamente com alimentos complementares, por 2 anos ou mais23. Segundo parâmetros propostos pela OMS24, os valores revelados pela pesquisa estão longe do ideal. No tocante ao AME em menores de 6 meses, 23 capitais se encontram em situação considerada “razoável” (prevalências entre 12 e 49%), e apenas quatro (Belém, Campo Grande, DF e Florianópolis) estão em “boa situação” (entre 50 e 89%). Quanto à duração do AM, a situação é considerada, na maioria dos casos, “ruim” (mediana inferior a 17 meses) e apenas Macapá é classificada como “razoável” (mediana entre 18 e 20 meses).
Apesar de a situação do AM estar longe da ideal, os avanços conquistados rumo à expansão da prática da amamentação no país são inegáveis. Embora a identificação dos fatores que levaram a essa melhora extrapole o escopo deste estudo, é importante, a título de contextualização, apontar algumas mudanças no perfil socioeconômico da população e a evolução da política nacional de AM, por serem fatores que podem ter influenciado esse comportamento.
A escolaridade materna, identificada como importante fator associado à prática de amamentação25, teve melhora considerável entre 1999 e 2008, com aumento de 20,4 pontos percentuais de mães com escolaridade entre 8 e 11 anos completos15.
O papel dos programas e políticas na expansão da prática da amamentação também tem sido relatado por vários autores16,20-22,24. Nesse sentido, destacam-se no país: a expansão da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, composta atualmente por 270 unidades, a qual registrou aumento de 56% na coleta de leite entre 2003 e 2008, de 50% de crianças beneficiadas e duplicação do número de doadoras, que chegam a 113 mil26; a expansão da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, entre 1999 e 2008, com o credenciamento de 52 hospitais em 2002 e 43 em 200327; os avanços relacionados à Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL), decorrentes das mudanças nessa legislação que ocorreram em 2002 e da criação da Lei 11.625, publicada em 2006, visando à regulamentação da promoção comercial e das orientações do uso apropriado de alimentos para crianças de até 3 anos28; e, por fim, a intensa mobilização social provocada pela comemoração das Semanas Mundiais da Amamentação, e a instituição do Dia Nacional da Doação de Leite Humano, em 1º de outubro29.
A análise da influência da situação da amamentação em 1999 sobre o comportamento dos indicadores em 2008 revelou claramente que houve maior incremento nas capitais com pior situação em 1999 e, por outro lado, avanços mais discretos ou mesmo retrocessos em locais onde a situação era mais favorável. Os municípios de Belém e Fortaleza, por exemplo, que em 1999 apresentavam as maiores medianas de AM e AME, respectivamente, não só não avançaram, como retrocederam. Esse cenário evidencia a necessidade de o Brasil investir em novas estratégias de incentivo à amamentação para que os seus indicadores atinjam patamares mais elevados. Nesse sentido, o Ministério da Saúde lançou, em 2008, a Rede Amamenta Brasil, visando à promoção e apoio à amamentação na rede de atenção básica do país. Essa estratégia veio preencher uma importante lacuna, haja vista as ações de incentivo ao AM estarem focalizadas no âmbito hospitalar.
Pode-se concluir que houve uma melhora significativa da situação do AM na última década, no conjunto das capitais brasileiras, persistindo diferenças entre as regiões e capitais analisadas. Porém, ainda é necessário um grande esforço para que o Brasil atinja índices de AM compatíveis com a recomendação da OMS. Espera-se que os dados desta pesquisa sejam utilizados por gestores, profissionais de saúde e pela sociedade, fornecendo subsídios para o planejamento e avaliação de ações em prol da amamentação.
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