Prevalência de aleitamento materno exclusivo nos 3 primeiros meses de vida e seus determinantes no Sul do Brasil
Prevalence of exclusive breastfeeding and its determiners in the first 3 months of life in the South of Brazil
Maria Laura W. Mascarenhas, Elaine P. Albernaz, Mirian B. da Silva, Regina B. da Silveira
J Pediatr (Rio J). 2006;82(4):289-94
Introdução
O alimento ideal para crianças nos primeiros meses de vida é, sem dúvida, o leite materno. Suas vantagens estão muito bem documentadas na literatura mundial1-3. Com base em evidências científicas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática de aleitamento materno exclusivo por 6 meses, além de sua manutenção, com a adição de alimentos complementares, até os 2 anos ou mais 4.
Estudos demonstram que crianças amamentadas exclusivamente ao seio são menos acometidas por doenças como diarréia5 e desidratação6. Há evidências de que o aleitamento nos primeiros meses de vida diminui o risco de hospitalização por pneumonia7. Entre outras vantagens, estão os ganhos na área cognitiva8 e a proteção contra doença atópica9.
Os índices de aleitamento materno exclusivo na cidade de Pelotas encontram-se em estudo publicado em 1998, que mostra dados de duas coortes10. Em 1993, aos 3 meses de idade, 13% dos bebês encontravam-se em aleitamento exclusivo e 39% já estavam desmamados. Em 1998, com a mesma idade, cerca de 57% dos bebês estavam em aleitamento exclusivo e 11% já estavam desmamados. No entanto, essa última coorte era formada por crianças sem restrições ao crescimento (a termo, mães não fumantes, bom nível socioeconômico e sem morbidade perinatal) e cujas mães recebiam apoio adicional para manutenção do aleitamento exclusivo.
Em um estudo de intervenção, realizado na mesma cidade em 2000, foi verificado que, aos 4 meses de idade, 29% dos bebês mamavam exclusivamente no peito e 31% já haviam sido desmamados. Esse estudo também foi realizado com uma amostra de crianças que não era representativa da população geral (bebês sem restrição ao crescimento e que também recebiam suporte adicional para a amamentação)11.
Alguns estudos12-14 apontam fatores associados de forma positiva ao aleitamento materno exclusivo, como maior escolaridade materna, situação conjugal com vínculo, recém-nascido com idade gestacional maior que 37 semanas, mães com experiência anterior com amamentação e mulheres que residem em sua própria casa. Outro estudo15 demostrou que a interrupção da amamentação exclusiva nos primeiros meses está associada à baixa renda familiar, pouca idade materna, primiparidade e retorno da mãe ao trabalho.
Observa-se que os estudos demonstram uma heterogeneidade na prática da amamentação nos diferentes locais, inclusive nas diversas regiões dentro do próprio país. Isso leva a crer que a realização de diagnósticos locais da situação da amamentação é de fundamental importância na elaboração de políticas de incentivo à amamentação.
O presente estudo tem como objetivo avaliar a prevalência do aleitamento materno exclusivo nos 3 primeiros meses de vida na cidade de Pelotas e identificar os fatores que interferem nessa prática.
Métodos
Estudo de coorte prospectivo, no qual foram avaliados vários desfechos. A pesquisa apresentou dois componentes: perinatal (triagem hospitalar) e acompanhamento (visitas domiciliares aos bebês com 1, 3 e 6 meses de idade). O componente perinatal constou de entrevistas feitas com todas as mães de crianças que nasceram nas maternidades da cidade de Pelotas, no período de setembro de 2002 a maio de 2003, estimando-se a ocorrência de 400 partos/mês. O acompanhamento domiciliar foi realizado no período de setembro de 2002 a novembro de 2003. A amostra para o acompanhamento, de aproximadamente 30% das mães entrevistadas na maternidade, foi obtida através de uma lista de números aleatórios sistemáticos, produzida no programa SPSS. Para este estudo, foram utilizadas informações do componente perinatal e das visitas de acompanhamento domiciliar aos 90 dias de vida do bebê.
Foram considerados elegíveis para inclusão no estudo todos os recém-nascidos de mães residentes na zona urbana da cidade de Pelotas e que não apresentassem problemas considerados contra-indicações à amamentação (exemplo: recém-nascidos com malformações graves e mães soropositivas para HIV). Todas as mães incluídas no estudo, após terem sido devidamente esclarecidas sobre a pesquisa, assinaram o termo de consentimento. As díades mãe-bebê que não foram localizadas para aplicação dos questionários, ou que se recusaram a participar ou a continuar no estudo, foram consideradas como perdas.
A amostra foi calculada baseada em um intervalo de confiança de 95% (IC95%) e poder estatístico de 90% para exposições, variando entre 15 e 80%, estimando-se um risco relativo (RR) de 2,0. Acrescentou-se 15% para possíveis perdas e controle de fatores de confusão em potencial, o que totalizou 600 mães-bebês. Como este estudo fez parte de uma pesquisa com vários desfechos, o total da amostra foi de 973 díades mães-bebês. Tanto na maternidade quanto no seguimento, foram utilizados questionários padronizados, os quais foram aplicados por estudantes de medicina previamente treinados. A veracidade das informações dos questionários foi checada através da aplicação de um questionário sintetizado a 10% da amostra, selecionada de forma aleatória.
As categorias de aleitamento materno utilizadas neste estudo foram as preconizadas pela OMS/Organização Pan-Americana de Saúde (OMS/OPAS, 1991)16, ou seja, foram consideradas em aleitamento materno exclusivo as crianças que recebiam somente leite materno; em aleitamento materno predominante, as crianças que recebiam, além do leite materno, água, chás ou sucos e; em aleitamento materno, as crianças que recebiam qualquer quantidade diária de leite materno, independente de estarem recebendo ou não outros alimentos. Foram consideradas em aleitamento parcial as crianças que recebiam, além do leite materno, outro tipo de leite e, em desmame, as crianças em que o aleitamento materno foi interrompido ao longo do seguimento.
Para análise dos dados, foram utilizados o programa Epi-Info 6.0 e o pacote estatístico SPSS para Windows 8.0, obedecendo ao modelo hierárquico criado, encontrando-se, no primeiro nível, as variáveis relativas aos fatores demográficos (sexo do bebê, cor e idade materna) e socioeconômicos (renda familiar e escolaridade dos pais); no segundo nível, as características maternas (paridade, tabagismo, tipo de parto, número de consultas pré-natal e trabalho materno, definido como a mãe que estava trabalhando no mês da visita) e; no terceiro nível, as características do bebê (idade gestacional, peso de nascimento e uso de chupeta, definido como o bebê estar recebendo chupeta no mês da visita). Foram realizados o cálculo das freqüências das variáveis, a análise bivariada entre os fatores de exposição e o desfecho entre os fatores de exposição e outras variáveis e entre o desfecho e outras variáveis. Em todas as análises, foi usado o nível de significância p ≤ 0,05. Na análise multivariada, foram incluídas as variáveis cuja associação com o desfecho apresentaram valor de p ≤ 0,20, para estudar possíveis fatores de confusão.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelas comissões de pesquisa e ética em saúde da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas e da Fundação de Apoio Universitário (FAU). Além disso, foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela comissão científica da Universidade Católica de Pelotas.
Resultados
No período do estudo, ocorreram 3.449 nascimentos, entre os quais 81% (2.799) de bebês cujas mães residiam na cidade de Pelotas. Dessas crianças, 29 nasceram fora do hospital, mas foram incluídas no estudo. Dez pacientes tiveram alta hospitalar antecipada e não puderam ser localizadas posteriormente, e 26 eram soropositivas para HIV, sendo, portanto, excluídas. Quatorze mães (0,4%) não aceitaram participar do estudo, e oito recusaram-se devido ao óbito precoce dos bebês. A população final entrevistada no componente perinatal foi de 2.741 mães, o que representou 98% de todos os nascimentos da população-alvo. Dessa amostra, foram selecionadas, aleatoriamente, 973 mães-bebês para acompanhamento domiciliar com 1, 3 e 6 meses de idade.
No acompanhamento de 3 meses, foram respondidos 940 questionários, totalizando 3,4% de perdas, com 13 óbitos, cinco endereços não localizados, seis mudanças de cidade e cinco exclusões (uma mãe HIV positiva, duas com doença mental e adoções). Houve ainda quatro recusas.
Na distribuição da amostra, conforme características demográficas, socioeconômicas e reprodutivas, não se observou diferença estatisticamente significativa entre a população da triagem hospitalar e a amostra selecionada, de forma aleatória, para o acompanhamento domiciliar. Cerca de 68% da amostra possuíam renda familiar de até três salários mínimos (SM), 45% dos pais e 41% das mães estudaram de 5 a 8 anos. Cerca de 50% das mães tinham entre 20 e 29 anos, 39% tiveram parto cesáreo, 66% não trabalhavam e 1/4 fumou durante a gravidez. A maioria das mães (76%) realizou seis ou mais consultas pré-natais; o índice de baixo peso ao nascer foi de aproximadamente 9%, e 12% dos bebês nasceram antes de 37 semanas de gestação.
Em relação ao padrão de aleitamento no terceiro mês, pôde-se observar que apenas 39% da amostra recebia aleitamento materno exclusivo. O uso de água/chá foi encontrado em 13% da amostra. A principal razão apontada pelas mães para a introdução de líquidos foi a presença de cólicas (41%). Cerca de 19% estavam em aleitamento parcial, e o motivo para introdução de outros alimentos foi o bebê sentir fome (46%). Aos 3 meses, 1/3 dos bebês já estava desmamado. A chupeta estava sendo usada em 64% dos bebês, e a razão apontada pela mãe foi “porque acalma o bebê” (53%).
A Tabela 1 mostra a análise bivariada dos fatores relacionados à interrupção do aleitamento materno exclusivo antes dos 3 meses de idade. Renda familiar igual ou menor a três SM, escolaridade dos pais até 8 anos, tabagismo na gravidez, trabalho materno aos 3 meses e uso de chupeta aos 3 meses estiveram relacionados à ausência de aleitamento materno exclusivo no terceiro mês. Os fatores renda familiar e escolaridade materna mostraram efeito dose-resposta, e o uso de chupeta aumentou em 90% o risco dos bebês não estarem mamando exclusivamente.
Tabela 1 –
Análise bivariada dos fatores associados à interrupção do aleitamento materno exclusivo antes do terceiro mês de vida, Pelotas (RS), 2003
Na Tabela 2, encontra-se a análise multivariada das variáveis relacionadas ao aleitamento materno exclusivo no terceiro mês. Pode-se observar que alguns fatores não se mantiveram associados ao desfecho após o ajuste para fatores de confusão. Somente o fato de a mãe estar trabalhando fora, renda familiar entre um e cinco SM, escolaridade paterna abaixo de 5 anos e o uso de chupeta apresentaram associação estatisticamente significativa. Os bebês que usaram chupeta tiveram um risco quatro vezes maior de não mamarem exclusivamente. Houve uma tendência (p = 0,06) entre as mães que fumaram na gravidez de amamentarem menos de forma exclusiva.
Tabela 2 –
Análise multivariada dos fatores associados à interrupção do aleitamento materno exclusivo antes do terceiro mês de vida conforme modelo hierárquico, Pelotas (RS), 2003
Discussão
O aleitamento materno exclusivo é uma forma segura, econômica e emocionalmente satisfatória de alimentar os bebês, especialmente nos países em desenvolvimento.
Este foi um estudo longitudinal de base populacional, que permitiu avaliar os índices de aleitamento materno e determinar os fatores associados à interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo nos 3 primeiros meses de vida. Como este estudo fez parte de uma pesquisa que avaliou vários desfechos, apresentou como limitação o fato de não terem sido coletados dados específicos quanto à freqüência, tanto do uso de chupeta como do uso de alimentos complementares.
Os índices de aleitamento em Pelotas (RS) ainda não são os ideais, como demonstram os dados encontrados em estudos realizados nessa cidade em 1993, 199810 e 200011. Porém, esses estudos não foram representativos da população geral.
Pôde-se observar que menor escolaridade paterna esteve diretamente associada à interrupção do aleitamento materno exclusivo nos 3 primeiros meses de vida. É possível que pais com maior escolaridade estejam melhor informados e conscientizados sobre os benefícios da amamentação, confirmando a influência do pai sobre o processo de amamentação, geralmente subestimada pelos profissionais de saúde. Os resultados encontrados em estudo conduzido por Litmann17 também indicam essa possibilidade.
Os resultados do presente estudo evidenciaram associação entre as condições de vida e hábitos culturais da população com a prática alimentar nos 3 primeiros meses de vida. Bebês oriundos de famílias de baixa renda (entre um e três SM) tiveram maior chance de interromper o aleitamento exclusivo antes do terceiro mês. Esse achado reveste-se de importância singular, na medida em que essas crianças são justamente as que estão mais expostas a outros fatores que aumentam a morbimortalidade infantil.
Interessante observar que as crianças de famílias extremamente pobres (menos ou igual a um SM) não tiveram risco aumentado de não estarem em aleitamento materno exclusivo aos 3 meses, provavelmente por falta absoluta de condições de adquirir o substituto para o leite materno.
Em relação ao tempo de gestação e peso do recém-nascido, após análise por regressão logística ajustada, não houve associação significativa, resultado contrário a outro estudo, em que o baixo peso ao nascer esteve associado negativamente à iniciação e à duração do aleitamento materno exclusivo18.
Com relação ao tabagismo materno durante a gestação e interrupção do aleitamento exclusivo antes do terceiro mês de vida, não houve significância estatística após controle para fatores de confusão.
Observou-se, entretanto, uma tendência entre as mães que fumaram durante a gestação de amamentarem exclusivamente por menos tempo. Existe a possibilidade de que os mesmos fatores emocionais que levam ao tabagismo interfiram negativamente na motivação da mulher para amamentar. Resultado semelhante pôde ser encontrado em um estudo realizado por Silveira et al.19.
Observou-se associação estatisticamente significativa entre trabalho materno aos 3 meses e ausência de aleitamento exclusivo nessa idade. É muito provável que isso tenha ocorrido porque, nesse período, algumas mulheres retornam da licença-maternidade, o que as afasta de seus bebês por cerca de 8 horas diárias e demonstra não só a importância da licença-maternidade, mas também da orientação para as mães ordenharem seu leite, a fim de manterem seus bebês em aleitamento mesmo em sua ausência.
Algumas pesquisas demonstraram que a introdução de água ou chá (aleitamento predominante) é uma prática freqüente, principalmente nos países em desenvolvimento7,20. No presente estudo, os resultados foram semelhantes, pois observou-se que a oferta desses líquidos ocorreu precocemente. Essa associação diminui a proteção do leite materno contra processos infecciosos, assim como a duração do aleitamento materno21 e constitui uma prática desnecessária quando o bebê está em aleitamento exclusivo, mesmo em países de clima tropical22. Outros autores brasileiros demonstraram ser precoce a introdução de líquidos em crianças amamentadas exclusivamente23,24. Credita-se a essas infusões propriedades calmantes e laxativas, representando uma prática arraigada em nossa cultura, mesmo em populações orientadas para não as utilizar.
Observou-se forte associação entre o uso de chupeta aos 3 meses e ausência de aleitamento materno exclusivo nessa idade, o que demonstra que, apesar da população estar orientada para evitar o uso da chupeta , esse é um hábito cultural de difícil controle e erradicação. Em estudo realizado em Pelotas (RS) no ano de 1993, observou-se que o uso de chupeta esteve presente em 67% dos bebês no primeiro mês e 80% no terceiro mês25.
O estudo de Soares demonstrou que o uso de chupeta foi mais freqüente nas crianças não amamentadas exclusivamente26. Kramer et al. demonstraram que, dos bebês expostos ao uso de chupeta, 73% descontinuaram o aleitamento materno exclusivo antes dos 3 meses de idade; para os não-expostos, a prevalência foi de 58%27. Victora et al. confirmam essa observação, concluindo que a associação entre o uso de chupeta e o desmame precoce é complexa e que a chupeta seria um fator contribuinte para o desmame entre as mães que não se sentem totalmente confortáveis com a amamentação. É possível que a chupeta seja um marcador de dificuldades no aleitamento e não o causador direto do desmame28.
O presente estudo detectou fatores que podem interferir na duração da amamentação exclusiva e, conseqüentemente, na saúde das crianças nos primeiros meses de vida. Vários estudos têm demonstrado efeito protetor do leite materno contra morbimortalidade infantil; por essa razão, é de fundamental importância a adoção dessa prática, especialmente em populações pobres em que o risco de morrer por doenças infecciosas nas crianças não amamentadas é alto3,6-8.
Dados obtidos em inquérito nacional, realizado em 199929, demonstram tendência ascendente na prática de aleitamento materno. No entanto, não foi constatado aumento significativo do aleitamento materno exclusivo, fato que confirma uma tendência mundial de que, embora tenha ocorrido um grande avanço, a duração do aleitamento materno exclusivo está distante do que é preconizado pela OMS4.
Os presentes resultados sugerem que a prática do aleitamento materno exclusivo ainda apresenta índices inferiores aos recomendados, o que reforça a necessidade de se continuar estimulando a amamentação nos primeiros meses de vida.
Maria Laura W. Mascarenhas – Mestre em Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), Pelotas, RS. Professora assistente, Núcleo de Pediatria, UCPEL, Pelotas, RS.
Elaine P. Albernaz – Doutora em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pelotas, RS. Professora adjunta, Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento, UCPEL, Pelotas, RS.
Mirian B. da Silva – Mestre em Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), Pelotas, RS. Professora assistente, Núcleo de Pediatria, UCPEL, Pelotas, RS.
Regina B. da Silveira – Mestre em Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), Pelotas, RS. Professora assistente, Núcleo de Pediatria, UCPEL, Pelotas, RS.
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Maria Laura Wrege Mascarenhas
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