Summary
Victora et al. em sua revisão sistemática evidenciam o efeito protetor consistente da amamentação contra o câncer de mama com base em 47 estudos bem desenhados, e revelam, inclusive, uma redução progressiva do risco por cada ano de amamentação, respaldado nos estudos mais bem controlados. Os autores propõem que melhorar os índices de amamentação em todo o mundo pode prevenir até 20.000 mortes por CA de mama a cada ano.
@gabicbs*
Estamos no mês dedicado à conscientização para prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama. Amamentar é comprovadamente um dos fatores de prevenção desta doença, que é uma das principais causas de morte em mulheres. Mas será que como sociedade e profissionais da saúde estamos dando a devida importância a esse fator de prevenção?
Amamentação e saúde materna
A relação entre a amamentação e a saúde da mulher tem sido alvo de estudos ao longo das últimas décadas. Pesquisas têm revelado os benefícios da amamentação como fator de prevenção de doenças como o câncer de mama e ovário, a diabetes tipo 2 e a osteoporose (1), hipertensão e infarto do miocárdio (2), e até contra o Alzheimer (3). Embora nem todos os resultados passem pelo crivo de uma revisão sistemática ou metanálise para fins de uma firme conclusão quanto à consistência da evidência de proteção, esses primeiros achados revelam a importância de que a ciência continue investigando com bons estudos controlados a relação entre ambas.
No caso do CA de mama, essa relação está bem estabelecida. Já em 2016, Victora et al. (4) em sua revisão sistemática evidenciam o efeito protetor consistente da amamentação contra o câncer de mama com base em 47 estudos bem desenhados, e revelam, inclusive, uma redução progressiva do risco por cada ano de amamentação, respaldado nos estudos mais bem controlados. Os autores propõem que melhorar os índices de amamentação em todo o mundo pode prevenir até 20.000 mortes por CA de mama a cada ano.
Outubro Rosa nas redes
Com uma pesquisa rápida no Google sobre “outubro rosa” é possível encontrar artigos, vídeos, publicações e infografias referentes ao tema e dicas sobre como prevenir o câncer mamário.
No site do Instituto Nacional do Câncer, (INCA) por exemplo, a amamentação é citada junto à prática de atividade física, manutenção do peso corporal adequado, adotar uma alimentação mais saudável e evitar ou reduzir o consumo de bebidas alcoólicas, como medidas que podem contribuir para a prevenção primária da doença.
Mas será que como profissionais da saúde temos transmitido essa mensagem de apoio e incentivo às nossas pacientes para a prática da amamentação como algo benéfico para a saúde materna?
Enquete da vida real
Esta semana realizei uma enquete rápida nos stories do meu perfil do Instagram para sondar entre as seguidoras qual tem sido a postura entre os profissionais da medicina, levando em conta a relação entre amamentação e saúde materna.
Em primeiro lugar, perguntei se elas já haviam sido incentivadas em consulta médica pelo profissional a continuar amamentando como forma de beneficiar a sua saúde. Apenas 13% das seguidoras responderam de forma afirmativa. As outras 87% não receberam qualquer tipo de incentivo ou orientação nesse sentido.
Por outro lado, quis saber quantas delas já haviam sido incentivadas a desmamar em consulta médica pelo profissional sob a alegação de que quando se encontrava amamentando já não oferecia nenhum benefício para ela ou para o bebê. Desta vez as porcentagens se inverteram e 72% das mulheres admitiram ter sido induzidas ao desmame pelo profissional. As outras 28% informaram não haver recebido tal recomendação.
Para as que responderam “sim” à segunda pergunta, questionei qual era a idade do bebê no momento da consulta. A maioria das situações ocorreram com lactentes maiores de 12 meses (44%) e maiores de 24 meses (48%). Houve um 2% de mulheres que tinham bebês menores de seis meses e 6% que tinham bebês na idade entre 6-12 meses no momento da indicação de desmame.
Finalmente, abri uma caixinha de perguntas e respostas para as que quisessem dar mais detalhes sobre as circunstâncias em que receberam a recomendação de abandonar a amamentação. Muitas mulheres recebem indicação de desmame de médicos de diferentes áreas quando procuram assistência para algum problema de saúde. Ao mencionarem que estão amamentando, por necessidade de prescrição de medicamentos compatíveis, os profissionais se creem no direito de prescrever também o desmame, acompanhado ou não de uma crítica direta à mãe.
Mudanças necessárias
Apesar de lamentar bastante os resultados, estes não me surpreendem, porque refletem a realidade que leio todos os dias nos comentários ou mensagens que recebo via direct no meu perfil.
As campanhas de conscientização em saúde precisam apontar para muito além da mulher em si. Nas respostas da caixinha foram mencionados otorrinos, clínicos gerais, ginecologistas, homeopatas, traumatologistas, dermatologistas, médicos do trabalho e muitos pediatras. Isso reforça o quanto são necessárias mudanças estruturais que incluam, entre outras, a capacitação e atualização dos profissionais que atendem às mulheres e os seus bebês, como também uma conscientização social sobre a importância e transcendência da amamentação.
Os benefícios da amamentação, tanto para a mãe quanto para a criança, acontecem em muitos casos numa relação dose-resposta, ou seja, quanto maior o tempo de amamentação maiores os benefícios. É inadmissível que em pleno século XXI e com toda a evidência disponível ainda existam profissionais desanimando as mulheres em relação à amamentação ou incentivando abertamente o desmame pela razão que for. Até porque, o desmame não é uma decisão médica, mas da mulher em consonância com o seu filho.
A decisão de não amamentar, como já afirmavam Victora et al. (2016) (4) segundo os resultados de estudos epidemiológicos e biológicos, tem efeitos importantes a longo prazo na saúde, nutrição e desenvolvimento da criança e na saúde da mãe. Algo que, possivelmente, nenhum outro comportamento de saúde é capaz de produzir. Portanto, sobram as razões para que a escolha pela amamentação seja apoiada, protegida e promovida por todos e por todo o tempo em que for possível mantê-la.
*Gabrielle Gimenez é puericultora, mãe de três, editora especial do portal aleitamento.com e autora do livro “Leite Fraco? – Guia prático para uma amamentação sem mitos”.
Referências bibliográficas
(1) Chowdhury R, Sinha B, Sankar MJ, et al. Breastfeeding and maternal health outcomes: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatr Suppl 2015; 104: 96–113.
(2) Bartick MC, Stuebe AM, Schwarz EB, Luongo C, Reinhold AG, Foster EM. Cost Analysis of Maternal Disease Associated With Suboptimal Breastfeeding: Obstet Gynecol. 2013 Jul;122(1):111–9.
(3) Fox M, Berzuini C, Knapp LA. Maternal breastfeeding history and Alzheimer’s disease risk. J Alzheimers Dis. 2013;37(4):809-21. doi: 10.3233/JAD-130152. PMID: 23948914.
(4) Victora CG, Bahl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Krasevec J, Murch S, Sankar MJ, Walker N, Rollins NC; Lancet Breastfeeding Series Group. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016 Jan 30;387(10017):475-90. doi: 10.1016/S0140-6736(15)01024-7. PMID: 26869575.