Aleitamento Materno: nem tão natural assim quanto parece…
Amamentar, um ato natural.
Amamentar, um ato de amor.
Estas frases, ditas em seqüência, soam sinônimas.
Ganham, ditas em seqüência, uma significação que se contrapõe ao high-tecnicismo contemporâneo e à modernidade medida em bites.
Amamentar deveria sim, ser um ato natural.
Um ato de amor.
Deveria ser condição estritamente ligada à maternidade, irreversível e inseparável dela.
Desejar um filho, gerar um filho e criar um filho, alimentando-o com o próprio leite, deveriam ser a coroação da valorização da própria espécie e o orgulho maior da raça humana.
Mas um dia alguém achou por bem introduzir leite de outra espécie animal na alimentação dos nossos bebes.
A idéia original se espalhou com tamanha violência e repercussão tão tremenda, com aceitação tão estúpida e velocidade tão feroz, que não demorou muito tempo para que este leite de outro animal começasse a ser produzido em escala industrial e distribuído em escala mundial.
Com objetivo de desmoralizar o leite materno, este produto heterologo foi chamado leite maternizado pela industria e este conceito absurdamente errôneo e enganoso de maternização passou a fazer parte da cultura da alimentação infantil.
O aleitamento materno ganhava assim um inimigo voraz e um mímico patético. Perdia com isso seu lugar de destaque na vida mamífera da raça humana.
Seus inimigos e mimetizadores passaram a impor à humanidade uma avalanche de riscos e de azares: gastroenterites, desnutrição, obesidade precoce, privação afetiva, internações arriscadas e óbitos por causas evitáveis.
Era preciso fazer alguma coisa e recuperar a saúde de nossos bebes.
A amamentação precisava ser reaprendida e reensinada aos nossos meninos, às nossas meninas, às nossas mães e aos nossos profissionais de saúde.
Compreendeu-se então que amamentar, mais que um ato natural e além de um gesto de amor, é uma técnica.
Técnica complexa e com imensa sensibilidade à interferência cultural e social da população a que ela se aplica.
Estabeleceram-se, com o tempo, parâmetros de observação de mamada, identificação e prevenção de riscos de desmame precoce, estudos bioquímico da constituição do leite humano, aprofundamento do conhecimento da fisiologia da lactação, da fisiopatologia da lactação, das técnicas de aconselhamento materno, criaram-se metodologias auxiliares como a Metodologia Mãe Canguru e a instituição dos Bancos de Leite Humano com objetivo de ampliar o conhecimento da ciência da amamentação e conduzir seus caminhos de maneira harmonizada com a civilização moderna.
O aleitamento materno é hoje conhecido e estabelecido portanto como uma técnica que se bem aplicada é capaz de gerar resultados mais adequados que quando ignorada ou desobedecida em seus pilares.
Um gesto natural sim, mas nem tão natural assim.
É necessário estar atualizado em relação a seus conceitos e seu manejo clinico. Ter habilidade cognitiva e sensibilidade quase materna para driblar as dificuldades de sua implantação e manutenção. É necessário estar atento aos seus inimigos e munir-se de valores capazes de enfrentá-los com firmeza, sem perder a ternura jamais, parafraseando Guevara.
A luta pela implementação de Unidades de Saúde Amigas da Criança, a adoção da Amamentação por instituições como o Corpo de Bombeiros e a luta de algumas Universidades como a PUC do Paraná que incluíram o estudo da Amamentação em sua grade de ensino, aberto a todo pool de faculdades que a compõe, mostra que o Aleitamento Materno é uma ciência complexa, maravilhosamente apaixonante, nem tão natural assim, mas absolutamente necessária.
Lidar com seus diversos aspectos é mais sensato que pulverizar as mínimas dificuldades de seu manejo com o uso de leites artificiais e de vaca ou outros quadrúpedes, que felizmente já não são chamados maternizados pela industria.
Natural é pouco para definir tanta ciência.
Amamentar é um ato de valor.
Luis Alberto Mussa Tavares é
Medico da Unidade Neonatal do Hospital dos Plantadores de Cana de Campos.
Foto de Marina Réa