A musicoterapia
pode aumentar os índices de
aleitamento materno
entre mães de recém-nascidos prematuros:
um ensaio clínico randomizado controlado
doi:10.2223/JPED.2086
Martha N. S. ViannaI; Arnaldo P. BarbosaII; Albelino S. CarvalhaesIII; Antonio J. L. A. CunhaII
IMT, MSc. Maternidade Escola, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ.
IIMD, PhD. Department of Pediatrics, School of Medicine at Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.
IIIMT. Maternidade Escola, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.
RESUMO
Objetivo: Avaliar o impacto da musicoterapia nos índices de aleitamento materno entre mães de recém-nascidos prematuros.
Método: Neste ensaio clínico controlado, randomizado e aberto, mães de neonatos prematuros com peso < 1.750 g foram submetidas a sessões de musicoterapia três vezes por semana durante 60 minutos. Os desfechos foram os índices de aleitamento materno na ocasião da alta hospitalar do bebê e em consultas de seguimento (7-15 dias, 30 e 60 dias após a alta).
Resultados: Foram avaliadas 94 mães (48 no grupo da musicoterapia e 46 no grupo controle). O aleitamento materno foi significativamente mais frequente no grupo da musicoterapia na primeira consulta de seguimento [risco relativo (RR) = 1,26; intervalo de confiança de 95% (IC95%) = 1,01-1,57; p = 0,03; número necessário para tratar (NNT) = 5,6]. Esse grupo também apresentou índices mais elevados de aleitamento materno na ocasião da alta do bebê (RR = 1,22; IC95% = 0,99-1,51; p = 0,06; NNT = 6,3), e 30 e 60 dias após a alta (RR = 1,21; IC95% = 0,73-5,66; p = 0,13 e RR = 1,28; IC95% = 0,95-1,71; p = 0,09, respectivamente), mas esses resultados não foram estatisticamente significativos.
Conclusões: Este estudo demonstrou que a musicoterapia teve efeito significativo no aumento do índice de aleitamento materno entre mães de recém-nascidos prematuros na primeira consulta de seguimento, e uma influência positiva (embora não significativa) que se estendeu até 60 dias depois da alta. A musicoterapia pode ser útil para elevar os índices de aleitamento materno entre mães de prematuros.
J Pediatr (Rio J). 2011;87(3):206-212: Aleitamento materno, musicoterapia, bem-estar materno, lactente, recém-nascido.
ABSTRACT
Objective: To evaluate the impact of music therapy on breastfeeding rates among mothers of premature newborns.
Method: In this open randomized controlled trial, mothers of premature neonates weighting < 1,750 g were submitted to music therapy sessions three times a week for 60 minutes. The endpoints were breastfeeding rates at the moment of infant hospital discharge and at follow-up visits (7-15 days, 30 and 60 days after discharge).
Results: A total of 94 mothers (48 in the music therapy group and 46 in the comparison group) were studied. Breastfeeding was significantly more frequent in the music therapy group at the first follow-up visit [relative risk (RR) = 1.26; 95% confidence interval (95%CI) = 1.01-1.57; p = 0.03; number needed to treat (NNT) = 5.6]. Moreover, this group showed higher breastfeeding rates at the moment of infant discharge (RR = 1.22; 95%CI = 0.99-1.51; p = 0.06; NNT = 6.3) and at days 30 and 60 after discharge (RR = 1.21; 95%CI = 0.73-5.6; p = 0.13 and RR = 1.28; 95%CI = 0.95-1.71; p = 0.09, respectively), but those results were not statistically significant.
Conclusions: This study demonstrated that music therapy had a significant effect in increasing breastfeeding rates among mothers of premature newborns at the first follow-up visit, and also a positive influence (although not significant) that lasted up to 60 days after infant discharge. Music therapy may be useful for increasing breastfeeding rates among mothers of premature newborns.
J Pediatr (Rio J). 2011;87(3):206-212: Breastfeeding, music therapy, maternal welfare, infant, newborn.
Introdução
A musicoterapia vem apresentando resultados positivos em várias áreas, tais como saúde mental, educação especial, reabilitação e desenvolvimento social. Alguns estudos têm demonstrado que a musicoterapia pode reduzir a ansiedade materna, ajudando as mães a lidar com a internação dos seus recém-nascidos na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), e também influenciar no comportamento do bebê prematuro, proporcionando períodos mais longos de sono tranquilo, menos choro e aumento no ganho de peso1-4; mas nenhum dos estudos abordou a influência da musicoterapia nos índices de aleitamento materno.
A promoção do aleitamento materno é uma estratégia conhecida, simples e eficiente para reduzir a morbidade e a mortalidade em crianças de todo o mundo5; portanto, qualquer intervenção que eleve os índices de aleitamento materno pode ser de interesse dos profissionais da saúde. Este estudo tem o objetivo de avaliar o impacto da musicoterapia, que foi aplicada a mães de recém-nascidos prematuros durante a hospitalização, nos índices de aleitamento materno na ocasião da alta hospitalar do bebê e em consultas de seguimento. A hipótese é que a musicoterapia pode elevar tais índices.
Métodos
Este é um ensaio clínico controlado, randomizado (ECR) e aberto com mães de recém-nascidos prematuros internadas na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), na unidade intermediária e no alojamento mãe-canguru da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: mães de bebês prematuros com peso ao nascer < 1.750 g e que estavam clinicamente estáveis (menor risco de mortalidade), conforme definido pela equipe da UTIN, e mães que assinaram o consentimento informado. Os critérios de exclusão foram os seguintes: mães que eram HIV positivo, mães de neonatos com problemas clínicos que prejudicavam a sucção do seio (por exemplo, encefalopatia com hipotonia grave, anomalias oro-faciais e problemas cardíacos), ou mães com deficiências auditivas graves. Também foram excluídas mães que, por qualquer motivo, tiveram três sessões, ou menos, de musicoterapia, e aquelas cujos recém-nascidos faleceram durante a internação hospitalar.
O tamanho da amostra foi calculado considerando-se o índice esperado de aleitamento materno na ocasião da alta hospitalar do bebê e na primeira consulta de seguimento (entre 7 e 15 dias após a alta). Segundo dados do serviço de acompanhamento, esse índice era de aproximadamente 75%. Esperando uma diferença absoluta de 22% entre os grupos, um intervalo de confiança de 95% (erro alfa de 5%) e um poder de 80% (erro beta de 20%), deveriam ser recrutados 92 sujeitos (46 em cada braço do estudo). Estimando-se uma perda de 7,5% após a randomização, o número total de sujeitos considerado necessário para a realização do estudo foi de 100.
O aleitamento materno foi definido, de acordo com a Organização Mundial de Saúde6, como uma das seguintes condições: aleitamento materno exclusivo, predominante e complementar, os quais, para os propósitos do estudo, foram definidos coletivamente como “aleitamento materno”. Bebês que não recebiam nenhum tipo de aleitamento materno foram classificados como “aleitamento artificial”.
Os desfechos foram os índices de aleitamento materno na ocasião da alta hospitalar do bebê, na primeira consulta de seguimento (entre 7-15 dias após a alta), e 30 e 60 dias após a alta.
As variáveis demográficas, socioeconômicas e obstétricas, tais como: idade, estado civil, ocupação, escolaridade, religião, número de outros filhos, gravidez planejada, pré-natal e renda foram estudadas em ambos os grupos.
O grupo controle (GC) recebeu apenas o atendimento habitual durante a internação e as consultas de seguimento.
A intervenção musicoterápica
As sessões de musicoterapia foram oferecidas sistematicamente a todas as mães do grupo intervenção, mas não eram obrigatórias. As sessões foram conduzidas por dois musicoterapeutas (MNSV e ASC), em um espaço apropriado, durante 60 minutos, utilizando-se os seguintes instrumentos: teclado, violão, caxixi, chocalho, conga, tumba, surdo, ganzá, triângulo, afoxé, egg-shake, metalofone, clava, guizo, pandeiro, pandeirola e tantã. As sessões eram divididas em quatro movimentos:
– Primeiro movimento (5-10 minutos) – expressão verbal / recepção: a sessão iniciava com a equipe da musicoterapia recepcionando as mães. Era um momento no qual elas podiam conversar livremente sobre si mesmas ou seus bebês.
– Segundo movimento (20-30 minutos) – expressão musical / continente sonoro: os instrumentos musicais ficavam disponíveis, e os terapeutas interagiam com as mães tocando e/ou cantando qualquer tipo de música que elas desejassem.
– Terceiro movimento – canções de ninar e relaxamento (15-20 minutos): neste momento, os musicoterapeutas ofereciam, cantando e tocando, um conjunto de canções de ninar brasileiras previamente selecionadas. Além disso, também poderiam ser tocadas gravações de peças de música instrumental erudita, como Thäis-Meditation, de Massenet (5 minutos de duração); Lullaby, de Brahms (2 minutos de duração); e Air on the G String, de Bach (5 minutos de duração). Durante este movimento, as luzes eram apagadas, o que favorecia o relaxamento.
– Quarto movimento – encerramento (5 minutos): neste momento, as luzes eram acesas, e conversava-se livremente sobre a sessão ou sobre os acontecimentos dos dias anteriores.
As mães que estavam no alojamento mãe-canguru participavam das sessões de musicoterapia acompanhadas dos filhos.
Randomização e coleta de dados
Após o recrutamento, os sujeitos foram randomizados de modo 1:1 para o grupo intervenção [grupo da musicoterapia (GM)] e para o grupo de comparação (GC), utilizando-se uma tabela de números aleatórios7. Empregou-se a randomização em blocos de oito sujeitos (quatro para cada braço).
A sequência de números aleatórios era conhecida somente por um dos autores (APB). Foi utilizado um sistema de randomização centralizada. Assim que um sujeito considerado elegível assinava o consentimento informado, a equipe de musicoterapia entrava em contato com o autor responsável pela randomização, que fornecia o grupo de alocação do sujeito.
Para avaliar o tipo de aleitamento na ocasião da alta hospitalar do bebê e nas consultas de seguimento, um profissional da saúde que não estava envolvido no estudo e que desconhecia os objetivos do estudo e a classificação dos grupos entrevistou as mães, com o propósito de preencher uma questão pré-formatada com quatro opções de resposta, anexada aos prontuários médicos, assinalando uma das duas possibilidades definidas como “aleitamento materno” ou “aleitamento artificial”.
Análise estatística
As variáveis dicotômicas foram comparadas por meio do teste qui-quadrado ou do teste exato de Fischer, se fosse o caso. Os dados paramétricos foram comparados utilizando-se o teste t de Student, e os dados não paramétricos foram comparados empregando-se o teste U de Mann-Whitney. Na análise dos dados, quando faltavam informações sobre o aleitamento materno, era atribuído o pior resultado (aleitamento artificial). Foi considerado p = 0,05 para indicar significância estatística. Também foi utilizado o risco relativo (RR), com intervalo de confiança de 95% (IC95%), para avaliar o impacto da intervenção no resultado, e foi calculado o número necessário para tratar (NNT).
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da UFRJ, e está de acordo com a Declaração de Helsinque de 1975, revisada em 1983. O número de registro do ensaio no site www.clinicaltrials.gov é: NCT00930761.
Resultados
Entre março de 2004 e junho de 2007, foram selecionadas 190 mães consideradas elegíveis. Dessas, 89 foram excluídas: 26 porque os recém-nascidos preencheram algum dos critérios de exclusão, 18 porque seus filhos faleceram antes de serem considerados clinicamente estáveis pela equipe médica, 11 porque não concordaram em participar, e 34 porque não puderam ser contatadas durante a internação do bebê, a maioria por ter recebido alta hospitalar precoce. Assim, foram randomizadas 101 mães, 51 para o GM e 50 para o GC. Após o início da coleta de dados, ocorreram sete perdas (três no GM por não terem atingido o número mínimo estabelecido de sessões; e quatro no GC, três porque os recém-nascidos faleceram durante o período do estudo, e um porque a mãe se recusou a continuar participando do estudo). Ao final, restaram 94 mães, 48 no GM e 46 no GC (Figura 1).
Características dos sujeitos
As características demográficas, socioeconômicas e obstétricas das mães participantes foram semelhantes nos dois grupos (Tabela 1). O peso ao nascer, a idade gestacional, o tempo total de internação, o número de dias na UTIN e o número de dias no alojamento mãe-canguru foram semelhantes em ambos os grupos. No GC, as mães permaneceram significativamente mais dias internadas, acompanhando seus bebês, do que no GM (Tabela 2).
No grupo de estudo, a proporção entre as sessões de musicoterapia frequentadas em relação às oferecidas (adesão) variou de 17,5 a 100% (mediana: 65%), com uma média de 9±5,8 (variação: 3- 25) e uma mediana de sete sessões por sujeito. O tempo médio entre o nascimento e o início das sessões (tempo necessário para os bebês atingirem a estabilidade clínica) foi de 11±7,3 dias (mediana: 9).
Desfechos
Na ocasião da alta hospitalar do bebê, 42 mães (88%) continuavam oferecendo algum tipo de aleitamento materno aos filhos (exclusivo, predominante ou complementar) no GM, e 33 (72%) no GC (RR = 1,22; IC95% = 0,99-1,51; p = 0,06; NNT = 6,3). No momento da primeira consulta de seguimento (entre 7 e 15 dias após a alta), cinco mães não compareceram à consulta (um no GM e quatro no GC). Considerando essas mães como apresentando o pior resultado (aleitamento artificial), 42 mães (88%) continuavam oferecendo algum tipo de aleitamento materno aos filhos no GM, e 32 (70%) no GC (RR = 1,26; IC95% = 1,01-1,57; p = 0,03; NNT = 5,6). Trinta dias após a alta hospitalar do bebê, duas mães não compareceram à consulta (ambas no GC). Atribuindo a elas o pior resultado (aleitamento artificial), 38 mães (79%) continuavam oferecendo algum tipo de aleitamento materno aos filhos no GM, e 30 (65%) no GC (RR = 1,21; IC95% = 0,73-5,66; p = 0,13). Sessenta dias depois, apenas uma mãe do GC não compareceu à consulta, 36 mães (75%) ainda ofereciam algum tipo de aleitamento materno no GM e 27 (59%) no GC (RR = 1,28; IC95% = 0,95-1,71; p = 0,09), como detalhado na Tabela 3.
Discussão
O estudo revelou um impacto positivo da musicoterapia nos índices de aleitamento materno entre mães de recém-nascidos prematuros, principalmente mais próximo à intervenção, demonstrando uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos na primeira consulta de seguimento (p = 0,03), e uma tendência à significância na ocasião da alta hospitalar do bebê e nas consultas de seguimento dos dias 30 e 60 (p = 0,06; p = 0,13; p = 0,09, respectivamente).
A escolha de estudar mães de recém-nascidos prematuros hospitalizados foi baseada em dois motivos: a) o alto nível de estresse geralmente encontrado entre essas mães, devido à prematuridade dos filhos e o estado crítico de saúde deles; b) o fato de que muitas mães permaneciam no hospital durante o período de internação dos filhos, algumas por um longo tempo, permitindo a aplicação da intervenção musicoterápica de maneira regular.
O uso da música como uma ferramenta complementar na promoção da saúde tem sido recentemente relatada na literatura médica. Definida como o uso terapêutico da música ou de atividades musicais no tratamento de doenças somáticas e mentais, a musicoterapia tem acumulado evidências científicas de sua efetividade no manejo da dor, da ansiedade e do estresse emocional, entre outras condições1-4,8-11.
Na obstetrícia, um estudo demonstrou que o feto responde a estímulos musicais e à voz humana, com o aumento da frequência cardíaca e movimentos, em níveis significativamente maiores do que responde a um estímulo sham12, e outros estudos concluíram que sessões de musicoterapia passiva (isto é, a audição de músicas selecionadas) influem favoravelmente na sensação de conforto, e também reduzem os níveis de estresse e ansiedade durante o trabalho de parto e nascimento13,14.
Na neonatologia, alguns estudos revelaram que ouvir música pode reduzir o estresse de pais e recém-nascidos prematuros na UTIN15; pode reduzir a queda da saturação de oxigênio durante a aspiração do tubo endotraqueal e acelerar a recuperação dos índices de saturação após o procedimento16; além disso, pode melhorar os parâmetros fisiológicos dos recém-nascidos, reduzir a perda de peso e diminuir o tempo de internação na UTIN e no hospital17, e também aumentar a sucção não nutritiva em bebês prematuros18.
Pelo que sabemos, este é o primeiro ECR a avaliar o impacto da musicoterapia nos índices de aleitamento materno entre mães de neonatos prematuros. Lai et al. estudaram a influência da audição de canções de ninar durante 60 minutos por dia, por três dias consecutivos, em mães e recém-nascidos prematuros com peso inferior a 1.500 g1. Os autores não encontraram diferenças nos parâmetros fisiológicos dos recém-nascidos, e, embora tenham detectado uma redução dos níveis de ansiedade das mães do grupo de estudo, a influência da musicoterapia no índice de aleitamento materno não foi estudada. Nöcker-Ribaupierre relatou que o uso da musicoterapia aplicada a mães de recém-nascidos prematuros foi capaz de reduzir o estresse e aumentar o índice de aleitamento materno, mas os autores não realizaram um ECR19.
O presente estudo utilizou principalmente a musicoterapia ativa, permitindo que as mães participassem do ato de “fazer música”, que é a produção musical oriunda das motivações expressivas internas do próprio sujeito, em que este escolhe os instrumentos musicais, a maneira de tocá-los, e as canções, além de ter a possibilidade de fazer improvisações, em um encadeamento espontâneo. Arnon et al. demonstraram, em um ECR com recém-nascidos internados em uma UTIN, que a musicoterapia ao vivo apresentou resultados significativamente superiores aos observados em sujeitos que ouviam música gravada ou não ouviam música (GC), tanto em avaliações subjetivas (escala comportamental) quanto em parâmetros objetivos (por exemplo, frequência cardíaca, frequência respiratória e saturação de oxigênio)20.
Neste estudo, os dois grupos eram semelhantes quanto às características obstétricas, sócio-demográficas e culturais das mães, e também quanto ao perfil dos recém-nascidos. A única diferença significativa foi o número total de dias que as mães permaneceram internadas enquanto os filhos estavam na UTIN; mas acreditamos que essa diferença favorece a intervenção, porque, embora as mães do GM tenham permanecido internadas por menos tempo, ainda assim apresentaram uma maior tendência a continuar com o aleitamento materno. A mediana do tempo de internação de 48 dias no MG possibilitou uma média de 9±5,8 sessões (variação: 3-25, mediana: 7). O objetivo era conseguir o maior número possível de sessões, a fim de aumentar a exposição à intervenção; mas, infelizmente, isso nem sempre foi possível. Alguns recém-nascidos de maior peso receberam alta hospitalar mais cedo, e algumas mães tiveram de deixar o hospital, embora seus recém-nascidos permanecessem internados. De qualquer forma, obtivemos uma mediana de sete sessões, o que equivaleu a 3 semanas de tratamento. Esse número, comparado à maioria dos estudos publicados, pode ser considerado um sucesso. Como as sessões não eram obrigatórias, a adesão das mães às sessões não foi de 100%, mas, mesmo assim, mediana de adesão de 65% (variação: 17-100%) também foi considerada excelente. Krout, ao estudar os efeitos da musicoterapia no estado de relaxamento, no conforto físico e no controle da dor em pacientes terminais, concluiu que o método foi eficiente quando realizou-se um mínimo de três sessões21.
O modelo utilizado para as sessões de musicoterapia era extremamente singular, se comparado ao de outros estudos na literatura. As sessões de 1 hora de duração, divididas em quatro partes, permitiam, na sua fase inicial, uma expressão verbal espontânea, em que cada mãe poderia expressar algumas das suas enormes angústias por causa da internação dos seus frágeis recém-nascidos na UTIN, preparando o terreno para que as emoções pudessem vir à tona, a fim de prosseguir para a fase da expressão musical. Esses momentos iniciais propiciavam uma atmosfera terapêutica para a redução do estresse e da ansiedade, com o esperado impacto positivo na decisão de amamentar. Além disso, mais importante do que ouvir música, o ato de “fazer música” é amplamente reconhecido como um dos principais mecanismos de efetividade da musicoterapia. No nosso estudo, era na segunda fase das sessões que as mães podiam tentar (algumas pela primeira vez) manipular os instrumentos musicais e experimentar a sua capacidade de participar do “fazer música” e dos seus efeitos benéficos tão especiais. No terceiro movimento, o uso de canções de ninar estimulava a ligação mãe-filho e a consolidação desses vínculos afetivos, o que aumentava a chance de sucesso na promoção do aleitamento materno. Na fase final, de integração, permitia a troca de experiências entre as mães participantes e a equipe. Esse modelo é único. Os estudos existentes são escassos, e, em muitos relatos, predomina a musicoterapia passiva, ou seja, há pouca interação com instrumentos musicais.
Os resultados deste estudo sugerem que a musicoterapia pode ter um impacto positivo no índice de aleitamento materno na ocasião da alta hospitalar (p = 0,06) e na primeira consulta de seguimento (p = 0,03), levando em consideração todos os tipos de aleitamento materno. Incluímos todos eles na análise porque acreditamos que o efeito de qualquer tipo de aleitamento materno (não apenas o exclusivo) é importante para o bebê prematuro. Embora este tenha sido um estudo clínico aberto sem grupo placebo, o desenho do estudo utilizado é mais poderoso do que os utilizados em estudos prévios. Os NNT encontrados indicam que, para que uma mãe se beneficie do tratamento, durante o período de hospitalização, de cinco a sete precisaram participar das sessões. Esse pequeno número sugere uma boa relação custo-benefício, em especial porque as sessões de musicoterapia são necessariamente em grupo. Além disso, é razoável pensar que, se as sessões pudessem continuar após da alta do recém-nascido, os efeitos positivos poderiam estender-se por mais tempo.
Ocorreram três exclusões no GM e quatro no GC após a randomização; mas, mesmo se fosse utilizada a análise da intenção para tratar, os resultados obtidos não seriam diferentes. Outra questão que poderia ser levantada é que as sessões incluíam tanto musicoterapia quanto interações verbais, mas o tempo destinado a essas interações foi somente os primeiros 5 ou 10 minutos e os últimos 5 minutos, deixando 45-50 minutos para a musicoterapia. A única maneira de superar esse viés seria a criação de um terceiro grupo que teria somente os primeiros 5 a 10 minutos de conversa com a equipe e não receberia nenhuma musicoterapia, mas isso exigiria mais 50 sujeitos, pelo menos, e um longo tempo para concluir o estudo, o que inviabilizaria a pesquisa. Apesar da questão mencionada acima, este estudo revela claramente os benefícios da musicoterapia, da maneira singular como foi oferecida, isto é, combinada com outra ferramenta para o alívio do estresse. No entanto, o estudo precisa ser repetido em outros ambientes, com amostras maiores, para confirmar os resultados que encontramos. Além disso, se nossos achados forem confirmados, a musicoterapia poderia ser uma estratégia adicional, relativamente simples e de baixo custo a ser implementada nas maternidades para elevar os índices de aleitamento materno entre mães de bebês prematuros e, consequentemente, dos seus benefícios associados.
Os resultados do estudo sugerem que a musicoterapia pode ter um impacto positivo na manutenção do aleitamento materno em mães de neonatos prematuros hospitalizados. Um NNT relativamente baixo e as características da intervenção com grupos de mães sugerem que essa abordagem poderia ser útil para elevar os índices de aleitamento materno entre mães de recém-nascidos prematuros.
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AGRADECIMENTOS
Querido Marcus Renato,
Queremos lhe agradecer por todo apoio e orientação que vc nos deu durante todo este processo, da construção da metodologia, à coleta de dados, à clínica, ao resultado com esta publicação.
Nossa profunda gratidão, Marcus!!!
Com nosso forte abraço,
Martha e Albelino
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