Amamentar é uma possibilidade mesmo para mães adotivas, dizem os médicos
Mãe adotiva
também pode dar o peito
Conheça mulheres que amamentaram sem nunca ter engravidado
Fernanda Aranda, iG
Cristina Marinho Martins celebrou o primeiro encontro com o filho com uma olhada bem no fundo dos olhos daquele bebê. Ninou Thiago, desabotoou a blusa e ofereceu seu peito como alimento e prova de amor. Ali, diz ela, selava um pacto de cumplicidade mútua.
João Pedro foi outro protegido pela vacina natural que sai do seio materno – arma poderosa contra as doenças da infância – no instante em que conheceu a mãe Tatiane Fernandes. A mamada de boas-vindas foi rápida, mas intensa. Representou o vínculo da nova família que nascia.
Cristina e Tatiane são exemplos de mulheres que desfrutaram o gosto da maternidade por meio da amamentação com a particularidade – que para elas é só um detalhe – de nunca terem gerado uma criança. Thiago e João Pedro, hoje com 5 e 2 anos, viraram garotões saudáveis com leite materno sem nunca terem mamado em quem os deu à luz.
Os quatro não são exceções da medicina e nem representam um fenômeno raro. Os médicos descobriram que as mães adotivas podem, sim, amamentar da forma tradicional. A constatação dos especialistas começa a ganhar os lares de famílias adotivas e se transformar numa recomendação de saúde para as mães que estão dispostas a adotar.
“Antigamente a chamada amamentação adotiva era uma possibilidade cheia de mistérios, não se sabia como trabalhar, existia medo e receio”, afirma Marcus Renato de Carvalho, professor de pediatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro e consultor em amamentação pela International Board Certified Lactation Consultants. “Hoje em dia é um método aprovado, os profissionais de saúde já dominam a técnica e divulgam essa possibilidade. Todos os meses recebo dezenas de mães adotivas querendo amamentar seus filhos tradicionalmente. Muitas conseguem.”
Empenho à luz do sol
A possibilidade de ter leite natural mesmo sem passar pela bomba hormonal trazida pela gestação começa, primeiro, com vontade e disposição de realizar o ato. Empenho é a palavra de ordem, inclusive para as mulheres que geraram os bebês, já que uma pesquisa da Fiocruz divulgada no início do ano mostrou que 44% delas falham na amamentação.
“É claro que muitos fatores são influentes na amamentação adotiva. Quanto mais nova é a criança, maior é a chance do aleitamento ser possível. Alguns medicamentos estimulam a produção do hormônio do leite, a prolactina. As massagens e o estímulo com bombas e equipamentos também ajudam a induzir o aleitamento”, pontua Carvalho.
Tatiane fez tudo o que o médico indicou e também tomou sol nos bicos do peito, técnica que funciona para preparar a mama – já que a aréola não é preparada pela pigmentação trazida pela gravidez.
“Mas nada foi tão estimulante quanto enxergar as transformações resultantes da insistência de oferecer o peito à boca do João Pedro”, conta.
O nenê sugava o alimento – que primeiro saia ralinho e depois ficou mais espesso – dormia um sono gostoso e crescia a cada dia. Ao mesmo tempo, ela esquecia das mamas doloridas, suportava o cansaço das noites mal dormidas e experimentava a sensação plena de ser mãe em cada mamada.
“Soube aos 14 anos que não poderia gerar uma criança por um problema no sistema reprodutivo. Mas nunca duvidei que seria mãe.” A amamentação deixava a convicção de Tatiane explícita a qualquer um que fazia uma visita ao recém-chegado João Pedro.
As vantagens
As mães Cristina e Tatiane tiveram algumas vantagens que contribuíram para o êxito da amamentação dos filhos não gerados em seus ventres. Elas não engravidaram, mas tiveram um tempo para se preparar para a chegada de seus bebês. “No meu caso”, explica Cristina Martins, “sabia que não poderia engravidar. Minha irmã fez a inseminação artificial com o sêmen do meu marido. Acompanhei de perto a gestação e durante todo o processo estimulei as mamas. Quando o Thiago nasceu, eu já tinha leite”, conta.
Já o filho de Tatiane foi gerado por fertilização in vitro no ventre da avó materna. “Durante a espera do João Pedro, eu até engordei junto! Só não tive enjôo, mas o resto senti na pele”, conta ela, que refere à gestação da mãe, na época com 42 anos, como “a nossa gravidez”.
Recomendação universal
Mesmo que não conheçam a mãe biológica dos filhos do coração, todas as mães adotivas podem tentar amamentar, recomenda a pesquisadora do Instituto de Saúde de São Paulo e uma das principais referências em amamentação do País, Marina Ferreira Réa.
“Não dá para atestar que todas terão sucesso. Se o bebê chega com mais de quatro meses, por exemplo, o processo é ainda mais lento, mas não impossível”, informa, incentivando a persistência. “É sempre bom lembrar que o leite materno de uma mulher que engravidou tem a mesma qualidade do leite produzido por uma mulher que estimulou a amamentação. Os dois tipos são essenciais para criança, completos e uma forma bem eficiente de criar vínculo entre mãe e filho.”
Fórmula mágica
Tatiane diz que tentaria amamentar João Pedro todos os dias, mesmo que o leite não saísse. “Já iria valer só pelos momentos que tivemos juntos, aquela hora só nossa, tão importante para a nossa relação.” Cristina é adepta da mesma teoria e o especialista da UFRJ Marcus Renato Carvalho não tem só as evidências científicas para aplaudir a persistência de todas as mães adotivas que vão ao seu consultório querendo alimentar seus filhos. “É uma experiência pessoal”, arremata.
Após o término da entrevista, Carvalho confidenciou ao Delas que é a prova viva da possibilidade do aleitamento materno adotivo. Aos 11 anos de idade, Carvalho descobriu que era adotado “sem drama”, afirma. Ao saber a origem da sua história um outro capítulo foi revelado: sua mãe adotiva, durante as longas noites embaladas pelo choro interminável daquele garoto rejeitado pela mãe biológica, ofereceu o peito como tentativa de alento. Marcus Renato Carvalho mamou.
O médico que hoje ajuda mães “do coração” a amamentar seus filhos, autor de vários livros sobre o tema e pesquisas na área, é um exemplo de que a amamentação por mães que nunca engravidaram é um sonho possível. Ele descobriu isso lá nos anos 50, época em que nem mesmo a medicina, sua devoção futura, tinha se convencido desta possibilidade.
Os passos do aleitamento da mãe adotiva
– Se vai adotar uma criança e deseja amamentá-la tradicionalmente, informe isso ao seu médico
– O processo é lento e requer empenho. Faça massagens nos seios, tome sol com eles descobertos (fora dos horários de sol intenso) e também se informe sobre os aparelhos que fazem o bombeamento das mamas com foco na estimulação.
– Com orientação médica, há a possibilidade de usar medicações que estimulem a produção de prolactina, hormônio do leite materno
– Nos bancos de leite, são mais de 150 espalhados pelo País, os profissionais são habilitados a dar informações sobre isso. Veja os endereços
– Ao iniciar a amamentação, é possível que o bebê precise de complemento na alimentação. Uma técnica é usar uma sonda bem fininha. Coloque uma ponta das sondas no copo e a outra próxima ao bico do seu seio. O nenê ao mesmo tempo que suga o peito, recebe o leite do copinho. Com o tempo e estímulo, ele vai passar a beber menos do copo e mais do peito