Lugar de fala: “Viva o desmame!”
by agachamento* por Marina Marcondes Machado**
Sobre a amamentação prolongada nas culturas urbanas
Tenho percebido, na nova geração de mães, uma das tendências ser a amamentação “até sempre”… ou seja, até o menino ou a menina “quiserem”…
Todos sabem que meus pés que se agacham caminham e dançam e pulam entre a Fenomenologia e a Psicanálise. Para pensar a amamentação prolongada, não dou conta de um pé só — escrever com o pé apenas na Fenomenologia: porque a descrição do que vejo não dá conta, preciso de alguma teoria, para amaciar a discursividade das mães… sim, a teoria pode amaciar!
Nem sempre falar de Psicanálise e das descobertas freudianas (em diante) é endurecimento, sabiam?
Pois o que é importante saber, pensar, e refletir é sobre a “oralidade”. Ou o que se denomina “a fase oral” dos bebês… a ela se seguirão outras, e, para que a inserção no mundo cultural seja suficientemente forte e atraente, os adultos precisam fazer algo em nome de “outra coisa” que não seja o prazer oral.
Prazer oral máster: mamar-na-mamãe!
Prazeres orais maravilhosos também: saber falar! Comer! Chupar sorvete! Morder com força o amigo da creche… (depois levo bronca, e percebo que ser canibal não é comum nas culturas urbanas contemporâneas – mas eu mordi por amor!)
Para as mães que estão amando amamentar tardiamente, falta um pouco de “outros interesses” para elas e nelas também: o prazer mais proibitivo, que é separar-se do filho. Ter seu corpo de volta. Viver sua sexualidade adulta, de todas as maneiras possíveis que sua cultura e modo de ser e estar abarcam. Saber falar! Comer com amigas, amigos, maridos, maridas! Tomar um sorvete tesudo. Morder seu amante.
Pois então, é nessa chave que a Psicanálise é uma flower power (um poder de flor). O que parece ser uma escuta do filho (estar ali para ele, sempre, e deixa-lo mamar no peito) esconde uma escuta da mãe apenas: amo tanto meu filhinho!, que queria para provar isso dar uma parte do meu corpo para ele, a melhor delas, meus seios.
Dos seios jorram um líquido sagrado.
Sim, é fato, mas a sacralidade da dupla mãe-bebê precisa ser dessacralizada, profanada, até mesmo corrompida, para que o bebê se realize como criança humana. Para que fale com os outros, para que coma a comida do mundo, para que descubra a riqueza dos sorvetes, picolés, casquinhas, eskibons, chupe-chupes… Ui! Por que não me disseram isso antes?, vai pensar e sentir o bebê tardio…
Sim, a amamentação prolongada faz da criança humana um bebê tardio.
E os bebês são dependentes e exigentes: sugam, incorporam, mordem e dominam o líquido sagrado e sua fonte.
Assim chego ao cerne de fato desta postagem: as relações de poder. (Algo mais além da Fenomenologia e da Psicanálise! Leiam Foucault)
Trata-se de uma relação de poder inicial, entre mãe e bebê.
Como e por que a mãe não quereria inserir seu filho na cultura compartilhada, onde não há dois seios fartos e amorosos para ele acessar quando encontrar impasses, tristezas e frustrações?
Penso ser este o verdadeiro dilema. O prazer de doar o líquido sagrado deve cessar. Um dever da mãe adulta e urbana (não estou tematizando a cultura indígena ou ancestral!). Aliás nas culturas ancestrais aos cinco anos o menino pesca pequenos peixes com sua pequena lança, a menina faz pequenos potes de cerâmica e cestos!
“Entregar” seu filho pequeno para a cuidadora, para a professora da creche, para o pai, para o tio ou padrinho…! Para as avós! “Entregar” precisaria ser um verbo irmão do “Amamentar”! Seria uma ação correlata.
O apaixonamento pela criança que geramos é complicado. Por vezes dificulta um novo apaixonamento pelo companheiro ou companheira, e mais, por “nós mesmas” (olhar-se no espelho e contentar-se com a retomada do corpo de mulher, versus o corpo de mãe que amamenta).
E agora José?
E agora Maria?
E agora Jesus?
(Qual o nome do seu bebê?)
Pois então o des-mame (tchau mammie!) é um exercício de des-poder da mãe que amou amamentar seu filhinho. Que ele se torne José, Maria e Jesus de si mesmo (rs, me desculpem os católicos pelas imagens, mas há que profanar o leite sagrado). É essa a nova habilidade que a mãe que amou amamentar precisa desenvolver – ela mesma crescer, e dar um passo muito importante, que é perceber que seu filho não é “seu” filho…
Como fazer o Desmame total?
O negócio é reinventar a rotina, a tal ponto que aqueles “outros prazeres” nos façam esquecer de como era bom sugar, incorporar, morder e dominar (parte da) mamãe… E não será pelo domínio do outro ou do mundo: será pelo domínio de si. Pelo cuidar de si.
Pelo desenho, pela construção com massinha, argila, madeira! Pela capacidade de fazer-e-comer brigadeiros. Pela possiblidade de ver um filme no cinema (que delícia!).
Com tudo isso quis dizer: a fórmula para des-mamar é o encantamento pelo mundo, tal qual ele se apresenta. No entanto, quando quem me apresenta ao mundo é basicamente minha mãe… ela tem a força! Por isso as crianças precisam de um leque de possibilidades de outros cuidadores, e por isso a creche é tão importante – não apenas para a mãe trabalhadora, mas para todas as crianças: do ponto de vista delas é libertador ter vida social fora do pequeno núcleo inicial. Assim, a mãe que estava cem por cento disponível poderá ser sim mãe trabalhadora: criadora de cultura adulta, ganhadora de seu dinheiro, e quiçá um modelo de saúde frente aos filhos, nas culturas urbanas.
Que venha o desmame!
* Agachar-se é ir ao chão onde a criança está.
** Difícil em poucas palavras descrever quem é Marina Marcondes Machado. Ela me disse que amamentou bastante seu filho Jonas, e que é filha do Pediatra Eduardo Marcondes, e neta do Prof. Pedro de Alcântara que foram ícones da Puericultura e Pediatria no Brasil. Vale a pena, saber mas dela em Quem fui.
Charge: Exposição Brasil – Argentina de Humor Gráfico sobre Amamentação organizada por Bibi Vogel – Amigas do Peito, 2000
Para complementar o debate – Leia mais sobre Amamentação prolongada e “Desmame Total” aqui no aleitamento.com:
Até quando amamentar?
DESMAME total: está na hora? Como fazer?
Programa de TV – Desmame Total: até quando amamentar?
Amamentação estendida: até 2 anos ou mais
DESMAME – DECISÃO MATERNA CONSCIENTE OU INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE?
D E S M A M E * DEPOIMENTOS: de mulher para mulher