“EU JÁ FUI AQUELE BEBÊ QUE USOU CHUPETA”
Miranda* em janeiro de 2018
Eu já fui aquele bebê que nasceu saudável e foi separado de sua mãe. Aquele que chorou no berçário, sozinho. Aquele a quem ofereceram chupeta para que parasse de chorar. Eu já fui aquele bebê.
Que escolha ela tinha, minha mãe?
Que havia visto suas irmãs nascerem em casa. Que havia passado em um hospital uma única vez na vida, na ocasião do seu próprio nascimento. Ela não fazia ideia do que nos iria acontecer quando eu nasci.
Várias vezes ela foi ao hospital aquele dia, a contragosto, na fase latente do trabalho de parto. E várias vezes foi mandada de volta para casa, corretamente. Até que ela mesma sentiu que estava na hora e foi. E estava. Eu nasci. Foi às 19h.
Mas 30 anos atrás, e ainda hoje, em alguns locais perdidos no tempo, o protocolo hospitalar era manter os bebês no berçário e as mulheres nos quartos. Ela conta que me ouviu chorar a noite inteira. Que a noite inteira nenhuma de nós duas dormiu. Que ela pedia às enfermeiras que me levassem para ela, e elas diziam que não era eu quem estava chorando. Mas era. E minha mãe sabia.
Era um hospital público, muito bom. O mesmo onde meu pai havia nascido. Inclusive o obstetra que (quase não) assistiu o parto, era o mesmo. Mas naquela noite, meu pai não podia entrar. Acho que não havia a lei do acompanhante 30 anos atrás. Hoje há. Apesar de alguns pais ainda serem impedidos de entrar. Enfim, ele estava lá na recepção quando lhe pediram para ir comprar uma chupeta para me acalmar. E ele foi. Que escolha ele tinha? Ele havia me visto apenas de relance num corredor. E agora só escutava uma criança chorar muito, e supunha que era eu. Ele não fazia ideia do que poderia nos acontecer naquele hospital, nem teve como se preparar para aquilo. Lhe pediram para comprar uma chupeta. E ele comprou.
É sempre muito delicado falar da nossa própria infância perto de nossos pais. Quando eu enuncio as coisas que aconteceram comigo e que não foram as ideais, eu corro o risco de lhes magoar; corro o risco de parecer ressentida com eles. Mas não. Eles fizeram o melhor que puderam, com as informações que eles tinham. Como cada uma de nós faz diariamente. A diferença é que hoje a gente tem mais informações do que nossos pais tinham 30 anos atrás. E é nossa responsabilidade cometer erros novos. Repetir o que deu certo e evitar errar igual.
Eu fui aquele bebê. Mas o meu filho não.
* Miranda é o meu sobrenome. E também o de minha mãe, minha irmã e de minha avó. Além de minhas tias e primas, mesmo que não o tenham na identidade. Ter crescido entre Mirandas fez de mim uma delas: uma mulher admirável. Somos muitas. Minhas histórias também são suas. Sou publicitária, promotora de aleitamento materno, mãe de um menino e escrevo meus sentimentos no blog Mulher Miranda