Amamentar não custa nada?!
As estruturas dos nossos locais de trabalho tornam a amamentação extremamente custosa às mulheres e falha em reconhecer seu valor econômico.
Feminismo Com Classe + MMA – Militância Materna Ativa*
Antes que a tontura das endorfinas e drogas desapareça, uma consultora de amamentação marcha maternidade adentro para dar uma palavra de apoio a uma mulher que acabou de parir: que ela também era capaz de amamentar seu recém-nascido e que isso é, sem dúvida, o melhor caminho para a mãe e o bebê. Enquanto pressiona a mama da nova mãe para demonstrar a pega correta, a consultora ressaltará os benefícios únicos do leite materno e irá, em algum ponto, estipular ainda que o leite materno não só é melhor para a saúde do bebê, mas também para a saúde da mulher. Diferente da fórmula, ela diz, amamentar é grátis.
Se você, como eu, gastou milhares de horas amamentando, provavelmente irá arquear sua sobrancelha sonolenta à premissa por trás desse último ponto. Só é grátis se o seu tempo não vale nada. E ainda assim, só é gratuito se nós fizermos vista grossa a algumas realidades econômicas óbvias.
A relação entre dinheiro e amamentação não é novidade.
Na França do século XIX, por exemplo, milhares de recém-nascidos eram enviados, por trem, a partes remotas do país, geralmente partindo de Paris, para os cuidados de amas de leite que os amamentava e tomavam conta. Muitos bebês morreram na rota ou aos cuidados das amas que estavam sobrecarregadas de trabalho e não conseguiam atender a todos. Mesmo assim, terceirizar a amamentação era considerada uma necessidade financeira para muitas famílias, já que era mais barato que substituir a mãe na loja da família.
Parece um artefato cínico e absurdo de muito tempo atrás?
Considere isso: hoje, nos EUA, um quarto das mães retorna ao trabalho menos de 2 semanas após dar à luz.
Antes que as lágrimas do parto ou as cicatrizes das cesáreas estejam curadas, muitas mulheres estão deixando seus recém-nascidos aos cuidados de outra pessoa, mais tipicamente como uma necessidade econômica.
Para amamentar, elas têm duas opções: comprar fórmulas caras para uma cuidadora alimentá-los; ou, se ela quiser e puder, fazer pausas para ordenhar durante as horas de trabalho, gastar (as inexistentes) horas de descanso à noite para tirar seu leite, armazenar, congelar, transportar esse leite e separar tempo para limpar, higienizar e manter a bomba de tirar leite.
Nenhum país no mundo chega nem perto dos EUA na proliferação de bombas de ordenha. Dadas essas restrições, não é surpresa então que viver na ou próxima à linha da pobreza significa que é menos provável que você amamente em exclusividade nos primeiros seis meses do que aquelas que são mais ricas.
Mas os obstáculos não acabam aqui.
Como alguém que cresceu na Europa, percebi um impressionante paradoxo depois de ter filhos aqui nos EUA: a amamentação é fortemente estimulada, ainda assim dificilmente há tempo de verdade para amamentar se você é uma mulher que precisa trabalhar (ou seja, a maioria das mães). Toca aqui se você é uma das sortudas que bombeia leite perfeitamente durante ligações de reuniões, no seu escritório privado com total controle sobre a agenda das reuniões e no tempo conveniente para ordenhar – quando você também está, presumivelmente, relaxada e bem hidratada!
No geral, porém, embora os locais de trabalho supostamente deveriam providenciar intervalos para amamentar e facilidades às mulheres, o empregador não é obrigado a lhes pagar pelo tempo gasto ordenhando; e locais com menos de 50 funcionários podem alegar que essas pauses impõem “dificuldades indevidas” e não providenciar qualquer acomodação para a mulher.
E a realidade é que, mesmo nas melhores circunstâncias, ordenhar e amamentar não são a mesma atividade: muitas mulheres que fizeram do som rítmico do leite uma parte integral do seu dia de trabalho irá te dizer que sua produção de leite começou a diminuir com o tempo, e que elas acabaram tendo de suplementar com a fórmula. Em outras palavras, elas tinham um recurso que não eram capazes de manter.
Então, como nós podemos assegurar que a amamentação seja realmente valorizada e protegida para mulheres que querem amamentar?
Um caminho era fazer com que o valor financeiro do leite materno para a nossa economia fosse mais visível.
A produção de leite humano – mesmo leite que é expressamente para ser vendido ou doado –ainda não é medido no PIB em qualquer país, apesar da Noruega calcular a produção de leite materno nas suas estatísticas de alimentação anuais.
Ao tratar o leite materno como uma “mercadoria alimentícia”, um estudo de 2013 na Austrália tentou quantificar a perda potencial de valor econômico causada por não proteger a lactação das mulheres das pressões competitivas do mercado. Usando as diretrizes do Sistema de Contabilidade Nacional das Nações Unidas e as abordagens de avaliação econômica convencional para medir a produção, forneceu uma estimativa de “valor do leite” de um ano para a Austrália (US $ 3 bilhões) e a Noruega (US $ 907 milhões). O estudo observa que os Estados Unidos têm o potencial de produzir leite materno no valor de mais de US $ 110 bilhões por ano, embora atualmente quase dois terços desse valor sejam perdidos devido ao desmame precoce.
Contudo, esses custos são insuficientes, pois se concentram na produção, mas não incluem o custo do tempo de amamentação para as mulheres.
O mesmo estudo observa que o tempo gasto com a amamentação (e, por extensão, a retirada do leite, com todas as pequenas tarefas que acompanham) deve ser quantificado, mas devido a dados de uso de tempo inadequados, simplesmente não conhecemos os números finais que poderiam orientar as políticas econômicas. Por sua vez, não ter números sólidos para trabalhar reduz a importância percebida de quaisquer programas e regulamentos que protejam e apoiem a alocação de tempo das mulheres para alimentar seus bebês.
Pouquíssimas pesquisas quantitativas foram feitas para examinar como a amamentação impacta o status econômico das mulheres, apesar de ser uma das manifestações mais comuns de trabalho não-remunerado. Um estudo realizado em 2012 por Mary C. Noonan e Phyllis LF Rippeyoung joga uma luz sobre o assunto: entre as mulheres que estavam empregadas no ano anterior ao primeiro filho, aquelas que amamentam durante seis meses ou mais experimentaram um declínio mais acentuado em seus rendimentos anuais, em média, do que as mães que amamentaram por durações mais curtas ou não amamentaram sequer. Por quê?
Diferente de outros países desenvolvidos, mães de crianças muito pequenas nos EUA geralmente trabalham fora de casa. Os autores observaram que a maioria das mães não têm o direito estendido de fazer pausas para amamentar seus bebês, e como resultado, mães que amamentam por seis meses ou mais são mais propensas a trocar para trabalhos de meio-período ou deixarem o trabalho por completo. Isso significa que a falta de reconhecimento do valor do leite materno não só contribui para a desigualdade das classes nos resultados da amamentação, mas também está ligada à desigualdade de gênero nos salários e no mercado de trabalho.
Embora os benefícios e a redução de custos de saúde pública a longo prazo devido à amamentação sejam amplamente reconhecidos, a amamentação exige enormes investimentos em tempo materno que têm outros custos não reconhecidos. Embora as crianças não estejam sendo levadas pelos trens ao redor do país, nosso atual período de aleitamento é, contudo, desumano e dispendioso.
Uma vez que reconheçamos esses custos humanos e financeiros, o caminho a seguir é claro. Sempre que possível, os locais de trabalho respeitosos com as mulheres devem ir além de permitir e acomodar intervalos de ordenha e introduzir cuidados acessíveis no local para que as mães possam fazer pausas para amamentar enquanto trabalham. Quando isso não for possível, há outra maneira simples de compensar os custos associados à amamentação.
Sugerimos que as notáveis melhores práticas internacionais que os EUA ignoraram durante décadas: licença parental paga para todos os pais que trabalham; licença que não conta em semanas, mas em meses. Ou ainda melhor, enquanto a amamentação for necessária.
A licença parental paga não só oferece às novas mães a opção de fornecer leite materno para seus bebês, mas começa a compensá-las financeiramente por uma pequena fração do trabalho de cuidados não-remunerado que elas contribuirão para nossa sociedade nos anos por vir.
*Texto original de Zuzana Boehmová, consultora da Nova Iniciativa Global de Paridade de Gênero da América.
A sociedade não reconhece e não protege a gestação, o parto e a amamentação como trabalho feminino que só as mulheres são capazes de realizar.
Prof. Marcus Renato de Carvalho
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