Guia de Amamentação:
de mulher para mulher
Vanda Marques para a Revista Sábado, Portugal
Minha amiga e companheira na promoção, proteção e apoio à Amamentação, a Portuguesa Cristina Leite Pincho, consultora IBCLC, escreveu um guia sobre Aleitamento para ser uma ajuda preciosa para as mães. Ela afirma que falta apoio às mulheres para lidarem com esta questão e que existem muitos mitos para derrubar.
Prof. Marcus Renato de Carvalho
Escreveu o livro para que cada mãe conseguisse sentir-se acolhida ao ler o livro independentemente das escolhas que fez, conta à
Sábado, Cristina Leito Pincho. “Mais do que um livro sobre amamentação é um livro sobre ser mãe e sobre a escuta do bebê.” Com testemunhos de várias mães que tiveram dificuldades, que fizeram escolhas diferentes, encontramos um dos guias mais completos sobre a amamentação.
Consultora de lactação certificada internacionalmente, há mais de 20 anos que apoio a bebês, mães e famílias. Defensora da amamentação, como um direito do bebê, mas sempre respeitando a vontade da mãe. Prefere ajudar a encontrar a melhor forma para ambos. “Ao longo dos anos, muitas mães que eu ajudei e que gostaram muito do meu trabalho, acharam que a visão que defendo e a forma de abordar o assunto deveria chegar a mais pessoas, desafiaram-me a escrever um livro pois seria a forma de chegar a mais pessoas”, conta à Sábado. E assim nasce o livro Amamentar, A Escolha Natural para o Seu Bebê, da editora Livros do Horizonte.
Além disso, o livro que se dirige “às mães, grávidas ou já com os bebês nascidos, que amamentem ou que queiram amamentar, mas é também para os pais e restante família para que possam compreender melhor os desafios que muitas mães passam e desta forma poderem apoiar melhor.” Cristina Leite Pincho, definida como a maior especialista em amamentação de Portugal, também faz questão de desfazer alguns mitos, aliás, refere que existem 50. Um deles é que dar de mamar dói e sobre a qualidade do leite.
Fez questão de criar um guia, acha que falta ajuda às mulheres que querem amamentar?
No meu trabalho foco muito a questão da amamentação mais do que ser uma forma de dar leite ao bebê ser uma relação que se desenvolve com o tempo, que tem como ponto de partida as bagagens que as pessoas trazem, que não há uma solução que sirva para todas as pessoas, que cada caso é um caso e que é fundamental escutar o bebê e segui-lo.
A palavra guia pode ter uma conotação de algo a seguir passo a passo, ou uma fórmula para resolver tudo e isso não existe na amamentação. Outra definição da palavra guia que aparece no dicionário é “Livro que contém indicações úteis.” Nesta perspectiva fazia sentido um livro que tivesse indicações úteis para tentar descomplicar um processo que a natureza criou tão simples, mas que a cultura o complicou tanto.
Faz falta ajuda às mães para se libertarem de camadas de informação que interferem com a sua intuição e capacidade de amamentar. Claro que na nossa época é necessária informação, mas essa informação deve ser baseada em evidência cientifica e deve levar ao aumento da confiança das mães, de tal forma que elas se sintam seguras para seguirem os bebês, ou seja, para intuírem.
É importante descomplicar o processo, para que as mães, ao se sentirem seguras, possam desfrutar mais tranquilamente de todo o processo. As mães que querem amamentar sofrem muitas pressões, sentem-se demasiadas vezes questionadas no seu papel de mães pela forma com escolheram alimentar os seus bebês. Sentem que tudo depende delas, muitas vezes sentem-se fragilizadas e inseguras, por isso, sim, fazia falta um livro para ajudar as mães que querem amamentar, mas sem demasiadas regras.
Qual é a importância do leite materno para o bebê?
O leite materno é o alimento desenhado para corresponder a todas as necessidades do bebê por pelo menos os primeiros seis meses de vida. Por isso se fala de amamentação em exclusivo até aos seis meses. As necessidades do bebê são colmatadas pelos elementos que compõe o leite materno. Quando saímos daquilo que a natureza desenhou temos de estar atentos ao impacto que isso poderá ter a curto, médio e longo prazo em termos do desenvolvimento e saúde geral do bebê, criança, adulto.
Diz que a amamentação é um direito da bebê. Por quê?
É um teaser para nos levar a refletir fora da caixa, fora do que é aceitável culturalmente na nossa época. Alguém fala ou pensa nos direitos dos bebês? Eu gosto de pensar nisso. É bom pensarmos nisso e de acordo com a visão que temos da vida é provável que cheguemos a ideias diferentes sobre os direitos dos bebês.
Na minha perspectiva, que é sempre uma abordagem centrada no bebê tendo em conta aquilo que o bebê está biologicamente preparado para fazer, ter ou receber, não posso deixar de pensar que a amamentação é um direito. Por exemplo, partindo desta perspectiva, quando se fala de amamentação falamos muito das escolhas da mãe e ninguém fala da escolha do bebê.
E se fosse o bebê a escolher?
Do ponto de vista biológico, se não interferíssemos com os seus reflexos e com o seu tempo ele escolheria a amamentação. É tão bonito de ver quando damos a possibilidade que seja o bebê a conduzir o processo com tudo aquilo que ele vem equipado para o fazer. Mas para isso o bebê deveria ter o direito às condições que melhor favorecem a adaptação ao seu novo meio ambiente, o habitat de transição é o corpo da mãe com o alimento que vai ao encontro de todas as suas necessidades. É uma questão fisiológica e parafraseando o Dr. Michel Odent, a fisiologia está acima da cultura.
E o direito da mãe? Onde fica?
O direito da mãe fica onde sempre tem estado, prevalece sempre. Acredito que o direito da mãe é ter acesso a toda a informação que a capacite a tomar decisões conscientes e informadas e não ser empurrada para caminhos que venham a ditar o fracasso da amamentação sem que ela se tenha apercebido de como é que isso aconteceu.
Quando a decisão da mãe é amamentar também deveria ter o direito a todo o apoio necessário para conseguir ultrapassar os desafios e obstáculos que possam surgir no decurso da amamentação. Por direito, as mães deveriam ser ajudadas a estar em harmonia e em sintonia com o seu bebê.
Quais são os principais mitos da amamentação? Por quê?
No livro tenho um capítulo sobre mitos. São 50 mitos que estão nesse capítulo, mas há muitos mais. Um dos mais comuns talvez seja o mito de que dar de mamar tem de doer. Também existem mitos sobre a qualidade do leite. Sobre os minutos que o bebê deve estar à mama. Se se deve dar de mamar de um lado ou dos dois.
A maioria dos mitos surgem por questões culturais. Também surgem porque há a ideia de que a amamentação one size fits all (uma “medida” serve para todos). Isso não existe. Cada caso é um caso e a tendência de generalizar experiências acaba por dar origem a mitos. Surgem porque é um tema em que todas as pessoas têm uma opinião, quer tenham amamentado ou não, e fazem das suas experiencias e/ou visão da vida regras para as outras pessoas.
Qual é o mito mais difícil de derrubar?
Talvez seja o de que dar de mamar tem de doer. A dor existe para nos avisar de que alguma coisa não está bem e alguma coisa tem de ser feita para se alterar esse estado. As pessoas assumem que dar de mamar é suposto doer e muitas vezes por não se dar importância à dor, por ser considerada como parte do processo, por não se dar ouvidos à dor vem uma cascata de problemas que teriam sido completamente evitados se se tivesse identificado a causa da dor inicial e se se tivesse agido para a sua resolução.
Um outro mito muito enraizado é que os bebês devem estar x tempo na mama. O tempo na mama não nos diz nada sobre se o bebê está ou não a receber leite. Não é para o relógio que devemos olhar, mas para o bebê e para aquilo que ele está a fazer.
As mães não têm ajuda?
Vivemos numa sociedade em que as famílias estão muito isoladas. Muitos pais pela primeira vez não tiveram muito contato anterior com outros bebês. Não há muitas redes de suporte, as mães vivem a sua maternidade em solidão e não têm com quem falar das dificuldades e desafios que estão a passar. As mães que querem amamentar muitas vezes não encontram resposta para as suas questões, pois as pessoas à sua volta também não amamentaram ou amamentaram muito pouco, ou recorreram rapidamente a suplementos. Cuidar do bebê passou a ser um assunto dos cuidados primários de saúde, logo passou a ter que ser demasiado medido e quantificado.
As mães têm pouca ajuda e muitas vezes a ajuda que têm torna a amamentação e o cuidado do bebê demasiado funcional ficando a mãe preocupada com o cumprir tarefas e se o que está a fazer está certo ou errado deixando muito pouco espaço para o que realmente interessa que é focar-se no bebê e tentar perceber o que o seu filho realmente necessita. Quando as mães seguem os seus bebês tudo se torna mais fácil e a amamentação torna-se mais relacional. Deixam de ser precisas regras e instruções de outras pessoas porque começa a existir uma relação de comunicação e conhecimento profundo do bebê.
Muito do apoio que as mães precisam é ajudá-las a (re)descobrirem a sua intuição. A organização mais antiga no mundo na área do apoio à amamentação, a La Leche League, tem um livro a que chamou The Womanly Art of Breastfeeding, talvez porque de fato, se a amamentação for intuída, a amamentação é uma arte feminina. E para a amamentação e todo o processo de cuidar dos bebês ser mais intuído é necessário criar oportunidades para as grávidas e mães que amamentam possam estar juntas para partilharem as suas experiências e vivências. Para além deste aspecto importantíssimo, há também os conhecimentos trazidos pela ciência da lactação.
Nem sempre a amamentação corre como esperado e apenas a parte mais intuída pode não chegar para resolver os problemas, nesses casos há que recorrer a profissionais que tenham aprofundado os seus estudos na área da ciência da lactação. Em Portugal não são muitos, mas já existem. Ainda é uma ciência pouco conhecida e as pessoas regem-se muito mais por mitos, por crenças pessoais do que por conhecimentos profundos desta ciência, por isso muitas vezes as mães sentem que o apoio que têm não é suficiente.
Acha que os hospitais privados incentivam ao uso da mamadeira (biberão)?
Isso é uma forma muito generalista de pôr as coisas e eu não gosto de generalizar. Acontece muitas vezes que nas maternidades, sejam elas públicas ou privadas, se recorra muito facilmente ao complemento pelos mais variados motivos: porque é o protocolo, porque é mais rápido, porque é mais fácil de quantificar, de medir, de fazer um check na lista, porque não há profissionais suficientes para passarem o tempo que seja necessário com cada mãe para que ela se sinta segura, confiante e capaz de alimentar o seu bebê apenas com a mama, sem dores e garantindo que o bebê está a receber leite suficiente.
Porque as pessoas não sabem ou não se apercebem que dar de mamar é muito mais do que dar leite ao bebê e não dão a devida importância ao aspecto relacional e ao estado emocional da mãe para que esta consiga amamentar. Porque muitas vezes os profissionais não sabem a diferença entre o bebê estar apenas a chuchar (sucção não nutritiva) ou de fato a engolir leite. Porque muitas vezes quem supostamente deve apoiar as mães não está nem dentro da arte de amamentar nem dentro da ciência da lactação.
Pensa que o pai tem um papel importante na amamentação? Poderá ajudar a mãe?
O pai tem um papel fundamental na amamentação tanto para o sucesso como para o insucesso. A mãe precisa de alguém que a apoie incondicionalmente, que a ajude a lembrar-se que ela é capaz, que a consiga ajudar em termos práticos nas diferentes áreas. O pai à partida deverá ser essa pessoa. Há pais que fazem esse papel maravilhosamente, mas também há pais que com os seus medos e inseguranças aumentam as inseguranças das mães. Não nos podemos esquecer que o pai também está a viver e descobrir o seu papel de pai e que também poderá precisar de apoio.
Parabéns Cristina por suas abordagens que concordamos!
Espero que você venha ao próximo ENAM – Encontro Nacional de Aleitamento Materno no Rio de Janeiro em novembro de 2019 e para lançamento do livro no Brasil.
Dr. Marcus Renato de Carvalho, IBCLC
O livro custa 18.60€ e pode ser encontrado no site da Livros Horizonte – Portugal