Pesquisa – DIARRÉIA INFANTIL
Nesta luta o LEITE MATERNO é o herói
Para a criança de baixa renda que vive em condições precárias de higiene o aleitamento materno pode ser a diferença entre viver e morrer. Trata-se de uma parcela da população sujeita à ação de bactérias que causam a diarréia ou qualquer outro tipo de infecção, por ingerir alimentos mal lavados ou lavados com água não tratada. Isso propicia a ingestão de micróbios que se fixam na parede do intestino, causando-lhe danos. “A diarréia é uma infecção intestinal que causa desidratação e pode levar à morte, se não for tratada a tempo”, informa a pediatra Magda Carneiro Sampaio, diretora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) eprofessora do Departamento de Imunologia do Instituto.
A Escherichia coli enteropatogênica é a bactéria mais encontrada em crianças de baixa renda acometidas de diarréia. A esse respeito a professora Magda desenvolveu estudos e chegou a várias conclusões. Sua pesquisa partiu de estudos clínicos epidemiológicos, da década de 50, que demonstram a baixa incidência de infecções (respiratórias, pulmonares, urinárias) em crianças amamentadas. A partir desta década, a metodologia passou a ser mais rigorosa. “Porém, já no final do século passado se destacava o valor do leite materno para o organismo infantil”, diz ela.
A pesquisadora identificou os anticorpos IgA que impedem a ação daquele agente causador da diarréia contra o intestino. Conhecer o anticorpo significa ter a possibilidade de criar vacina contra a doença.
“A diarréia mostra-se causa importantíssima de mortalidade e morbidade infantis, em crianças de baixa renda e de baixa idade”, reforça. O tratamento passou a ser conhecido pela população depois de veiculadas informações sobre os benefícios do soro caseiro.
“A doença é tratada com hidratação oral ou endovenosa e, às vezes, por antibióticoterapia.” Estudos laboratoriais desenvolvidos por Magda Sampaio possibilitaram descobrir que o leite materno é capaz de prevenir qualquer tipo de infecção no organismo infantil, durante os seis primeiros meses de vida, inclusive a diarréia.
Ela vem investigando quais mecanismos ali atuam através do leite. Com a função de proteger, defender e alimentar, tornando o organismo resistente, o leite materno compõe-se principalmente de água, carboidratos, gorduras, proteínas em grande quantidade e elementos de defesa. Nesse caso, os anticorpos são o componente principal, pois detêm um tipo especial de proteína, algumas enzimas e muitas células. As células se somam às já existentes na criança e são “muito parecidas” com as sanguíneas. “Tais componentes de defesa só o leite materno tem”, avisa a professora. O leite de vaca também oferece proteção, mas para o bezerro. Para o ser humano, serve apenas como alimento. “São diferentes os micróbios e os anticorpos que vivem num e noutro organismo”, esclarece.
A professora atribui à natureza a capacidade de desenvolver uma estratégia para defender a criança de pouca idade contra infecções, já que ela ainda não teve tempo para construir sua própria defesa.
Se amamentado, o bebê raramente terá diarréia. “Poderá ter fezes amolecidas, mas não a diarréia patológica, quando expele água várias vezes ao dia, alterando seu estado de saúde”, lembra.
Os elementos presentes no leite materno que protegem contra essa e outras infecções estão sendo estudados há cerca de oito anos e já originaram três teses de mestrado e três de doutorado. Excelente no combate a doenças no primeiro semestre de vida, o leite materno resume-se num complexo vitamínico, composto não apenas pela parte imunológica, mas também afetiva. “Esta última oferece a chance de dar equilíbrio para o desempenho futuro”, acredita a pesquisadora.
Estudo leva a vacina
A pesquisa demonstrou por que a bactéria não se instala em crianças amamentadas, através do comportamento do leite na prevenção contra diarréias. “Usamos modelos in vitro — células em cultura com leite e bactérias — em organismo humano. Verificamos que os anticorpos não deixam a bactéria instalar-se e eliminam seus efeitos.” Em resumo, neutralizam sua capacidade de causar danos. Foram encontrados no leite materno anticorpos contra todos os fatores de virulência das bactérias, sobretudo a Escherichia coli enteropatogênica.
Os estudos laboratoriais levaram à conclusão de que o leite protege contra a diarréia porque contém anticorpos de uma classe chamada IgA, que neutralizam a ação nociva de bactérias, impedindo que se fixem à parede do intestino.
Segundo a professora, todos os leites examinados de várias mães de comunidades do Butantã têm anticorpos contra as bactérias que causam diarréia.
A partir de sua identificação será possível desenvolver uma vacina contra a diarréia provocada pela Escherichia coli enteropatogênica, nunca encontrada em crianças de bom nível socioeconômico.
O IgA é um anticorpo abundante e eficaz: “Impede, também, que se altere o metabolismo da célula”, explica a pesquisadora. Há outros, ainda, que agem contra endotoxinas, que são pedaços de bactéria causadores do choque séptico, que dá origem à infecção generalizada.
Impedida de se fixar na parede do intestino, a bactéria é expulsa pelo movimento peristáltico do intestino (através das fezes). “A ação dos anticorpos não oferece ambiente favorável para a sua permanência.”
A criança recebe, através da placenta, o anticorpo (IgG) com a função de proteger apenas os tecidos e desenvolve como suplemento o IgA, a partir do leite materno. Depois de seis meses de vida, a pessoa vai formando seus próprios anticorpos. “Eles existem na saliva, sucos intestinais, secreções respiratórias, no sangue”.
Para Magda Sampaio, não existem “diferenças dramáticas” entre o desenvolvimento dos amamentados e não amamentados. “Sabe-se que estes podem viver normalmente, sobretudo se em ambiente limpo e com condições de alimentar-se”, mas o bebê sempre correrá o risco de contrair infecções que poderão levar à morte ou deixar seqüelas.
Além disso, estarão ausentes de seu organismo alguns benefícios vistos como mais refinados, que só a amamentação pode conferir. A proteção contra doenças alérgicas é um deles. “Nas famílias onde existe propensão a alergias é recomendável estender a amamentação das crianças ao máximo”, recomenda a pediatra.
Há estudos que indicam ser o desenvolvimento intelectual melhor em crianças que foram amamentadas. “Autores ingleses já atestam esse fato”, informa. Outros apontam para a possibilidade de o aleitamento evitar a aterosclerose.
Tudo isso se deve à qualidade dos nutrientes encontrados no leite materno, agregada à questão afetiva.
USP vai começar testes clínicos de vacina contra diarréia
Alvo será E. coli, bactéria que freqüentemente causa infecções gastrintestinais
Uma vacina em desenvolvimento da Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Butantan pode ajudar a diminuir o número alarmante de crianças que morrem de diarréia a cada ano. O alvo da vacina é a Escherichia coli enteropatogênica, uma das bactérias que mais freqüentemente causam infecções gastrintestinais.
Os resultados preliminares do medicamento, testado em camundongos e coelhos, foram apresentados em 14 de julho na 55ª Reunião Anual da SBPC, em Recife. A chefe do estudo é a professora Magda Carneiro Sampaio, do Laboratório de Imunologia da USP. Nos próximos dias, segundo ela, a vacina começará a ser testada em pessoas. Os testes iniciais têm que ser feitos em adultos.
A vacina foi produzida a partir da síntese, em laboratório, de um gene da bactéria, inserido no DNA de lactococos (germes usados para fermentação do leite). “Ainda não há previsão do lançamento da vacina”, disse a pesquisadora. “Sabemos até agora que será aplicada em crianças entre o segundo e o terceiro mês de vida.”
Magda Sampaio, que coordenou o simpósio “Saúde Materno-Infantil”, também falou sobre a importância do aleitamento materno para o combate à diarréia. Em estudos recentes, ela constatou que os anticorpos encontrados no leite humano neutralizam a ação da Escherichia coli. Chamados de Iga, os anticorpos protegem o intestino das crianças da infecção.
“Estatísticas de especialistas do Rio Grande do Sul demonstraram que a incidência de morte em crianças de baixa renda é 16 vezes maior entre aquelas que tomam leite em pó do que entre as que se alimentam do leite materno”, disse a pesquisadora. Segundo o Unicef, 2,6 milhões de crianças morrem por ano, devido a diarréias.
Maria do Carmo de Morais – Especial para O Globo On Line