De peito aberto
“Estava decidida a amamentar meu filho, mas meus seios doíam muito. Comecei a procurar ajuda pela Internet e encontrei as Amigas do Peito”, conta Bernardete Carvalho dos Santos, 31 anos e mãe de Bernardo, de 4 meses. Seu primeiro filho, hoje com onze anos, não teve a mesma sorte. Ela não pôde dar de mamar devido a uma formação peculiar de seus mamilos e à má orientação médica. “Na época, fui aconselhada a tomar um antibiótico para meu leite secar. Sofri muito por não poder amamentá-lo e ele desenvolveu uma série de doenças como bronquite e resfriados”, conta a moradora de Vista Alegre (Zona Norte carioca). Segundo a dona-de-casa, a debilidade da saúde do seu primogênito não se compara à imunidade do caçula, que é alimentado só com o leite materno. “É incrível, Bernardo não pega nem resfriado”, orgulha-se.
A ONG Amigas do Peito foi fundada em 1980 por iniciativa de Bibi Vogel, atriz e modelo consagrada na época falecida em abril deste ano. Formada por mulheres voluntárias, ela luta pelo direito à amamentação e dá suporte emocional e psicológico às mães com problemas para amamentar. O grupo oferece atendimento por telefone – o Disque Amamentação (21- 2285-7779) -, promove reuniões em diversos locais do Rio de Janeiro e de Niterói, e também dispõe de um site (amigasdopeito.org.br).
A orientação atual da Organização Mundial de Saúde é que o bebê deve receber exclusivamente o leite materno até completar seis meses. Mas a mãe deve dar o peito sempre que a criança pedir, pelo menos até o segundo ano de vida. “Não existe um tempo certo para todo mundo, o momento do desmame chega naturalmente, como um acordo entre a mãe e o bebê”, explica Cláudia Orthof, 46 anos, co-fundadora das Amigas do Peito e coordenadora do grupo em Botafogo (Zona Sul).
“No começo é muito difícil, os seios doem e podem até rachar”, conta Cláudia da Silva, 31 anos, moradora de Queimados (município da Baixada Fluminense), que amamentou seu filho até os nove meses. Nesse mesmo período, ela foi ama de leite de dois sobrinhos. Para continuar a amamentar seu bebê, Cláudia contou com o apoio da mãe, que o levava até o trabalho na hora de almoço. “Era cansativo, dava o peito de manhã cedo antes de sair e minha mãe ficava com ele. Só voltava à noite e ele mamava novamente”, conta orgulhosa. Cláudia teve rachaduras no bico do seio como conseqüência do excesso de mamadas, tratou com uma receita caseira e não desanimou. “Quando acontecem fissuras, aconselhamos à mãe que passe um pouco do próprio leite na área e deixe secar. O importante é que o local se mantenha seco para não infeccionar”, ensina Cláudia Orthof.
Falta de informação e arrependimento
Mesmo com as campanhas divulgadas pelo Ministério da Saúde e a capacitação dos profissionais em hospitais para estimular a amamentação, o número de crianças que só consomem o leite materno ainda é pequeno. Pesquisa realizada em 2003 pela pediatra Sônia Venâncio, do Instituto de Saúde de São Paulo (unifesp.br), mostra que o procedimento beneficia apenas 13,9% dos bebês de até seis meses.
Segundo a OMS, o alto índice de crianças com anemia até os dois anos de idade, cerca de 50%, é uma das conseqüências do desmame precoce. Muitas vezes, ele é provocado pela falta de informação das mulheres. Uma pesquisa realizada pela Escola Paulista de Medicina revela que 40% das mães não sabem amamentar quando saem da maternidade. “Não existe uma receita que se aplique a todo mundo, daí a importância das mulheres se solidarizarem e trocarem informações”, explica Rosimar Macedo Teykal, 51 anos, moradora da Tijuca (Zona Norte) e uma das Amigas do Peito desde o primeiro grupo coordenado por Bibi.
Nos momentos de dúvida, a opinião de um profissional da área de saúde ganha peso e pode ajudar – ou atrapalhar. “Ainda encontramos médicos com a mentalidade de vinte anos atrás quando grupo surgiu. Era uma época em que as pessoas acreditavam que o bom era dar leites enriquecidos pela indústria”, conta Rosimar.
“É muito freqüente que as mães cheguem até aqui arrependidas depois de terem começado a introduzir leite complementar por orientação médica ou até mesmo da família. Elas acabam acreditando que o leite delas não é suficiente”, atesta a pediatra Isa Yoshikawa de Sousa, do Banco de Leite do Instituto Fernandes Figueira, em Botafogo. O hospital mantém um serviço gratuito de atendimento e orientação para as mães (SOS Amamentação 0800-268877). “As alegações mais comuns são que o neném não está ganhando peso e que o leite é fraco”, observa a dra. Isa.
Os danos causados pelo desmame precoce não estão somente ligados à saúde do corpo, mas principalmente à saúde emocional. “É muito diferente dar de mamar com seu próprio peito e dar uma mamadeira. Com a mamadeira, é como se qualquer pessoa pudesse estar fazendo aquilo, você não cria um vínculo e nem tem a sensação de estar alimentando seu bebê”, diz Bernardete. Para muitas mulheres, amamentar pode ser uma maneira de afirmar sua maternidade e reforçar o vínculo com o filho. “Foi a melhor coisa que pude fazer pelo meu filho. Deixar de ter esta experiência é deixar de viver um grande amor”, fala Marisa de Menezes Marques, 38 anos, moradora da Usina (Zona Norte).
Inimigos do peito
Muitas vezes é preciso o apoio de outras mães para que elas passem a se sentir seguras. “Tive muitas gestações frustradas até que consegui ter o meu primeiro filho. Ele nasceu saudável, mas era muito pequeno. Como ele mamava muito, ficava exausta e tinha a impressão de que não tinha leite suficiente”, conta Marisa. Seu filho Mateus, hoje com quatro anos, crescia normalmente e no primeiro mês quase dobrou de peso. Ainda assim, ela procurou a Amigas do Peito assustada: “Mesmo vendo meu filho saudável, ficava insegura. Foi preciso ouvir outras mulheres que atestassem o meu sucesso”, diz.
Poucas sabem, mas introduzir chupetas, bicos e mamadeiras pode prejudicar o aleitamento. “Não indicamos chupeta nem mamadeira. Estes objetos mudam a maneira da criança sugar e dificultam a readaptação ao seio”, explica a dra. Isa. Desde meados de 2003, uma medida do Ministério da Saúde obriga que as embalagens destes produtos tragam advertências sobre os riscos de utilização.
Para a mãe, a rejeição ao seu leite também pode ser uma experiência traumática. Os seios ficam cheios e doloridos e a criança se recusa a mamar mesmo com fome. “Chora o bebê e chora a mãe”, conta a dra. Isa, acostumada a tentar reverter quadros de desmame e estimular a retomada da produção de leite. “O desmame não pode ter durado muito tempo e só é reversível até os três meses de idade do bebê”, ensina a pediatra. Mas é preciso ter muita paciência. “A criança faz um verdadeiro banzé. A mãe tem que estar muito determinada, é uma verdadeira batalha”, acrescenta.
Foi o que aconteceu com Bernardete antes de procurar o Amigas do Peito. Com muitas fissuras e dor, ela retirava seu leite, colocava numa mamadeira e dava a Bernardo. Como a ordenha rendia pouco, ela também alimentava o bebê com um leite industrial, seguindo a sugestão de seu médico. “Percebi que eu não sabia como amamentar e liguei para o Disque-Amamentação das Amigas. Segui as dicas dadas por telefone e já comecei a ter resultado. Fui à reunião e passei e me sentir segura para abandonar a mamadeira”, conta vitoriosa. Como o bebê ficou afastado do peito por um curto período e tinha somente 40 dias, ela conseguiu voltar a produzir leite em maiores quantidades em pouco tempo.
Uma outra vantagem de quem amamenta é a economia. Uma lata de leite para bebês custa em torno de R$ 14 e dura em média quatro dias. E ainda tem o custo com mamadeiras, água, gás e medicamentos. “Dar leite de latinha para meu filho representava um gasto enorme em meu orçamento. Tive que deixar de comprar fraldas e outras coisas para casa. Fora o trabalho enorme”, lembra Bernardete, falando sobre a experiência com seu primeiro filho.
Solidariedade maternal
A troca de experiências entre mulheres é a estratégia do grupo para ajudar cada uma a superar medos e dificuldades. “Vou levar uma vizinha que acabou de ganhar neném e não está conseguindo dar de mamar”, entusiasma-se Bernardete, que se prepara para ir à próxima reunião, dar seu testemunho e estimular outras pessoas. A maioria dos problemas relatados pela mães estreantes já foram superados por outras que freqüentam as reuniões.”Foi lá que descobri que não era a única mãe angustiada no mundo. Sempre que vejo uma mãe cansada, cheia de olheiras, lembro de como cheguei até as Amigas”, diz Marisa, que até hoje participa dos encontros.
As coordenadoras das reuniões das Amigas do Peito são voluntárias e passaram pela experiência de amamentar exclusivamente até os seis meses. É comum que as discussões extrapolem o tema da amamentação e outras dificuldades vividas pelas mães sejam compartilhadas pelo grupo.
Fora a ONG, também já existem setores em alguns hospitais só para atender quem precisa de orientações de médicas sobre amamentação. O Instituto Fernandes Figueira é um dos mais completos e dispõe de um banco de leite que recebe e distribui leite humano para seus pacientes e de outras instituições. “É importante que as mães saibam que o melhor momento para procurar ajuda é quando começa a doer o peito e não quando já está tudo inflamado. Neste caso, a recuperação é mais difícil ”, adverte a dra. Isa.
Há três anos membro do Amigas do Peito, a moradora de Botafogo Karina Kuschnir, 36 anos, aconselha: “As mães devem sempre procurar um hospital que esteja classificado como Amigo da Criança para fazer o seu pré-natal e o parto. Nestes locais, certamente, serão dadas orientações corretas sobre a amamentação”. Amigo da Criança é um título idealizado pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e concedido pelo Ministério da Saúde para os hospitais que adotam procedimentos que visam o bem-estar da criança, entre eles o estímulo à amamentação exclusiva.
Para quem quiser tirar dúvidas e ter mais informações:
Amigas do Peito:
Reuniões: na primeira sexta-feira de cada mês na Casa de Rui Barbosa (Rua São Clemente, 134, Botafogo), às 10h; às 14h da última sexta-feira do mês no Solar Grand Jean Montigny na PUC-Rio (Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea); no terceiro sábado do mês na Biblioteca Infantil (Campo de São Bento, em Icaraí, Niterói), às 9h; e na Igreja dos Capuchinhos (Rua Haddock Lobo, 266, Tijuca) na segunda e na quarta terça-feira do mês, às 14h .
Instituto Fernandes Figueira (IFF):
O hospital fica na Av. Rui Barbosa, 716, no Flamengo – telefone (21) 2553-6730. O Banco de Leite possui um telefone para ligações gratuitas: SOS Amamentação 0800-268877.
Hospitais Amigos da Criança no Rio de Janeiro:
Maternidade Leila Diniz (Estrada de Curicica, 2000 – Jacarepaguá – tel.: 21 2445-2264);
Hospital Maternidade Praça XV (Praça XV de Novembro, 4, fundos – Centro – tel.: 21 2507-6001);
Hospital Pedro Ernesto (Av. 28 de Setembro, 87 – Vila Isabel – tel.: 21 2587-6100);
Hospital Maternidade Nova Friburgo (Av. Antonio F. Moreira, 12 – Centro, Nova Friburgo – tel.: 22 2522-9345);
Hospital Carmela Dutra (Rua Aquidabã, 1037 – Lins de Vasconcelos – tel.: 21 2269-5446);
Hospital Central do Exército (R. Francisco Manuel, 126 – Triagem);
Associação Pró-Matre Rio (Av. Venezuela, 153 – Caju, tel.: 21 2223-1225).