O aleitamento materno no tratamento de crianças com fenilcetonúria
A Fenilalanina é um dos aminoácidos codificados pelo código genético, sendo portanto um dos componentes das proteínas dos seres vivos.
É um composto natural que está presente em todas as proteínas (vegetais ou animais). O corpo humano necessita da fenilalanina, pois é uma parte integral de todas as proteínas do nosso corpo. Os humanos não conseguem sintetizar a fenilalanina, logo é um componente essencial da nossa dieta diária, sem ela o corpo não consegue funcionar.
A fenilalanina é encontrada no LEITE MATERNO, no aspartame, um adoçante, substituto do açúcar e muito utilizado em bebidas, principalmente refrigerantes.
Existe um grupo de pessoas que sofrem da uma rara doença hereditária chamada fenilcetonúria (PKU). A estas pessoas falta uma enzima que é necessária para digerir a fenilalanina. Esta, como não é absorvida, passa a acumular-se no organismo até ser convertida em compostos tóxicos, designados por fenilcetonas, que são expelidos pela urina. Os doentes com PKU que ingerem a fenilalanina sofrem de diferentes sintomas de toxicidade, incluindo atrasos mentais especialmente em crianças, e distúrbios intelectuais nos adultos.
Fonte: Wikipedia
O Teste do Pezinho é um exame que detecta este erro inato do metabolismo.
Resumo
Objetivo:
Avaliar o efeito do leite materno como fonte de fenilalanina (phe) nos níveis sangüíneos desse aminoácido e no crescimento de fenilcetonúricos.
Métodos: Foram estudados 35 fenilcetonúricos que mantiveram leite materno, e os resultados foram comparados com os de 35 lactentes que usaram fórmula láctea comercial. Os grupos foram pareados por sexo e por idade à suspensão do aleitamento materno. Os dados foram analisados até a suspensão do leite materno ou durante 12 meses de acompanhamento. O grupo amamentado recebeu “fórmula especial” isenta em phe, em mamadeira a cada 3 horas, e leite materno em livre demanda nos intervalos. Os níveis sangüíneos de phe, coletados semanalmente até 6 meses e quinzenalmente até 1 ano de idade, foram analisados durante a amamentação. Foram comparados o tempo necessário para adequação dos níveis sangüíneos de phe, após o início do tratamento, utilizando o teste de Wilcoxon e os dados antropométricos, pelo teste t de Student pareado, utilizando o escore z. As dosagens de phe foram analisadas durante a amamentação.
Resultados: O tempo mediano para adequação dos níveis de phe no sangue foi de 8 dias para o grupo amamentado e de 7 dias para o grupo controle. As dosagens de phe estavam adequadas em 87% das vezes para o grupo amamentado e em 74,4% para o grupo controle. Na avaliação antropométrica, a maioria das crianças, de ambos os grupos, apresentou escore z > -2.
Conclusão:
A manutenção do aleitamento materno, durante o tratamento, mostrou-se adequada no controle metabólico e no crescimento das crianças fenilcetonúricas.
J Pediatr (Rio J). 2007;83(5):447-452: Aleitamento materno, fenilcetonúria, fenilalanina.
Abstract
Objective: To evaluate the effect of breastmilk as a source of phenylalanine (phe) on levels of this amino acid and on growth in phenylketonuric infants.
Methods: The study recruited 35 breastfed phenylketonuric infants and compared their results with those of 35 infants fed on commercial, milk-based formula. The groups were paired for sex and age at weaning from breastfeeding. Data were analyzed up until cessation of breastmilk or for 12 months’ follow-up. The breastfed group were given a “special formula” free of phe, by bottle every 3 hours, and breastmilk at will during the intervals. Levels of phe in the blood, collected weekly up to 6 months and fortnightly up to 1 year de age, were analyzed while breastfeeding continued. The two groups were compared in terms of the time taken for the levels of phe in blood to return to normal after treatment was started, using the Wilcoxon test. Anthropometric data were compared with Student’s t paired test in the form of z scores. The phe assays were analyzed throughout breastfeeding.
Results: The median time taken for phe levels to return to normal was 8 days for the breastfed group and 7 days for the control group. The phe assay results were normal in 87% of tests for the breastfed group and in 74.4% for the control group. The majority of children in both groups exhibited a z score > -2 on anthropometric examination.
Conclusions: Continuation of breastfeeding, during the treatment, proved adequate for metabolic control and growth in children with phenylketonuria.
J Pediatr (Rio J). 2007;83(5):447-452: Breastfeeding, phenylketonuria, phenylalanine.
Introdução
A fenilcetonúria (PKU) é doença genética autossômica recessiva, caracterizada por deficiência ou ausência de atividade da enzima fenilalanina hidroxilase, o que impede a hidroxilação da fenilalanina (phe) em tirosina. O aumento da phe no sangue leva a alterações do sistema nervoso central, causando retardo mental irreversível1.
O Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PETN-MG), gerenciado pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM-UFMG), é responsável pela triagem neonatal no Estado de Minas Gerais. Todas as crianças com níveis de phe ≥4 mg/dL são encaminhadas ao Serviço Especial de Genética do Hospital das Clínicas da UFMG (SEG-HC-UFMG), para esclarecimento diagnóstico e tratamento, se necessário2. De acordo com o protocolo do Ministério de Saúde (Portaria SAS/MS 847/2002), todas as crianças com níveis de phe no sangue ≥ 10 mg/dL deverão ser tratadas. O tratamento consiste na utilização de dieta restrita em phe, associada ao uso de um substituto protéico para complementação das necessidades diárias de proteínas, em especial2-4. Os níveis sangüíneos de phe considerados adequados para o fenilcetonúrico no primeiro ano de vida devem situar-se entre ≥ 2 mg/dL ≤ 6 mg/dL5. Como a phe é um aminoácido essencial também para o fenilcetonúrico, a dieta deve contê-la em quantidade adequada, possibilitando tanto a manutenção dos seus níveis sangüíneos em limites considerados seguros quanto o crescimento e o desenvolvimento dos indivíduos dentro dos parâmetros da normalidade3. No tratamento tradicional para PKU, recomenda-se a suspensão do leite materno (LM) devido à dificuldade em se quantificar a phe ingerida pela criança e, conseqüentemente, o controle de seus níveis sangüíneos. Estudos mais recentes vêm demonstrando ser possível controlar os níveis de phe no sangue utilizando o LM como fonte de phe6-9. O objetivo deste trabalho foi o de avaliar o efeito do LM como fonte de phe nos níveis sangüíneos desse aminoácido e no crescimento de crianças com PKU, em comparação ao tratamento tradicional.
Métodos
Foi realizado estudo de coorte histórico concorrente e pareado. A amostra foi constituída por 70 lactentes, 35 mantidos em aleitamento materno, nascidas de janeiro de 2000 a abril de 2005, configurando 70% da população diagnosticada no período e 35 controles não amamentados, nascidos no período de 1993 a 1999. Todos os lactentes foram triados pelo PETN-MG e estavam em tratamento no SEG-HC-UFMG. O grupo amamentado foi constituído por crianças que estavam em amamentação natural no dia do diagnóstico, nascidas a termo, com peso ao nascimento ≥ 2.500 g, sem doenças crônicas associadas, que iniciaram o tratamento até 40 dias e que mantiveram aleitamento até 30 dias após o início da terapia.
Este grupo foi comparado a um grupo controle, composto por 35 outros lactentes com PKU submetidos ao tratamento tradicional, pareados por sexo e idade à suspensão do aleitamento. Foi realizada seleção das crianças deste grupo mediante sorteio de lactentes constituintes de uma lista de possíveis controles que preenchiam os mesmos critérios de inclusão acima relatados.
As variáveis de cada par foram comparadas até a idade em que a criança do grupo amamentado manteve o aleitamento. Findo este período, o par não mais entrava nas avaliações realizadas, estando as crianças em idade a mais próxima possível uma da outra. As consultas e as dosagens sangüíneas de phe foram realizadas semanalmente até 6 meses de idade e quinzenalmente até 1 ano.
Os pais ou responsáveis assinaram o termo de consentimento esclarecido, tendo o presente estudo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP-UFMG).
Até janeiro de 2000, todas as crianças com níveis sangüíneos de phe ≥ 10 mg/dL, no SEG-HC-UFMG, eram tratadas utilizando fórmula láctea comercial, oferecida em mamadeira, e o LM era suspenso. Após este período, se a criança preenchesse os critérios de inclusão, a mesma participava do estudo em curso, mediante protocolo específico. O tratamento foi baseado em trabalhos publicados sobre o tema, os quais demonstravam a possibilidade de manutenção do LM no tratamento da PKU6-8,10.
O sangue para dosagens sangüíneas do aminoácido foi coletado por punção venosa, e a dosagem de phe foi feita por ultramicrofluorimetria, após eluição11.
As crianças do grupo amamentado recebiam LM em livre demanda nos intervalos das mamadeiras, contendo “fórmula especial”, a cada 3 horas. A “fórmula especial” isenta em phe continha substituto protéico, água, carboidratos e lipídeos. A concentração calórica da “fórmula especial” era mantida em torno de 67 cal/100 mL. O volume de LM, a quantidade do substituto protéico e dos outros ingredientes foram definidos de acordo com os níveis sangüíneos de phe, verificados em cada consulta, os quais deveriam ser mantidos nos valores considerados adequados no primeiro ano de vida5.
Como forma de aumentar ou diminuir a sucção ao seio e, conseqüentemente, controlar a ingestão de phe, modificava-se o volume e/ou a concentração calórica da ”fórmula especial”. As modificações foram realizadas utilizando os seguintes critérios:
1)Se a dosagem de phe estava adequada, o volume e os ingredientes da “fórmula especial” eram mantidos.
2)Se a dosagem de phe estava > 6 mg/dL, a “fórmula especial” era alterada, e o volume de cada mamadeira era aumentado da seguinte maneira: de 10 a 20 mL quando a dosagem era > 6 mg/dL e ≤ 8 mg/dL, de 20 a 40 mL quando a dosagem era > 8 mg/dL e ≤ 10 mg/dL, e de 40 a 50 mL quando a dosagem estava > 10 mg/dL. Caso as dosagens de phe permanecessem > 6 mg/dL em três consultas consecutivas, o LM era suspenso e iniciava-se o tratamento tradicional.
3)Se as dosagens de phe estavam < 2 mg/dL, o volume e os ingredientes da “fórmula especial” de cada mamadeira eram diminuídos em 10 mL, para estimular a sucção ao seio e aumentar a ingestão de LM, até que os níveis de phe atingissem os valores recomendados, ou que o volume da “fórmula especial” atingisse um mínimo de 20 mL/mamadeira. Se o volume chegasse a este mínimo, sem modificações dos níveis sangüíneos de phe, por duas consultas consecutivas, alterava-se a concentração calórica da “fórmula especial” de 67 para 45 cal/100 mL. Se mesmo assim os níveis sangüíneos de phe permanecessem < 2 mg/dL, fórmula láctea comercial contendo phe era acrescida à “fórmula especial”, mantendo-se, ainda, o LM.
As crianças do grupo controle utilizaram fórmula láctea comercial como fonte de phe, cujo aminograma é conhecido. A dieta “fórmula especial” era prescrita para 24 horas, oferecida em mamadeira a cada 3 horas, contendo, além da fórmula láctea comercial, o substituto protéico, lipídeos e carboidratos. Nas consultas subseqüentes, a quantidade da fórmula láctea comercial era alterada de acordo com os níveis de phe no sangue, e a concentração da “fórmula especial” era mantida em torno de 67 cal/mL.
Para o grupo amamentado, foi calculada a duração do aleitamento e avaliado o número de crianças em que foi necessário introduzir a fórmula láctea comercial para manutenção dos níveis sangüíneos de phe dentro dos limites recomendados.
As características dos dois grupos foram comparadas utilizando o teste de Wilcoxon, considerando o nível de significância de p < 0,05.
As médias sangüíneas de phe foram analisadas, nos dois grupos, durante o período em que as crianças foram amamentadas, excluindo as dosagens realizadas antes do início do tratamento e no dia do teste de sobrecarga. Este teste é realizado aos 6 meses de vida para confirmação diagnóstica e classificação da PKU.
Os níveis de phe no sangue foram agrupados mensalmente em < 2 mg/dL; ≥ 2 mg/dL e ≤ 6 mg/dL e > 6 mg/dL nos grupos amamentado e controle.
Foram comparados, entre os dois grupos, os tempos médios (em dias) para adequação dos níveis sangüíneos de phe utilizando o teste de Wilcoxon, considerando o nível de significância de p < 0,05.
A classificação do estado nutricional, nos dois grupos, foi realizada pelo programa Epi-Info (epinut), considerando o escore z ≥ -2 como ponto de corte entre eutrofia e desnutrição. As medidas de peso, estatura e perímetro cefálico de cada criança foram coletadas no dia da primeira consulta e no dia, o mais próximo possível, da suspensão do aleitamento materno. Para o grupo controle, foram obtidas as mesmas medidas também no dia da primeira consulta e no dia correspondente à idade do seu par, à suspensão do LM. A comparação dos índices antropométricos encontrados foi realizada pelo teste t de Student pareado pelo programa SPSS.
Resultados
Das 35 crianças de cada grupo, 21 (60%) eram do sexo masculino.
As características dos grupos amamentado e controle e a comparação do tempo necessário (em dias) para adequação dos níveis sangüíneos de phe entre os dois grupos, após início do tratamento, estão descritas na Tabela 1. Observa-se que não houve diferença significativa entre os grupos analisados.
A duração média de aleitamento materno durante o período de 12 meses de acompanhamento foi de 224,4±120,1 dias, com mediana de 199 dias e variação mínima de 35 e máxima de 365 dias. O número de crianças amamentadas mês a mês está demonstrado na Figura 1.
Foi necessário introduzir fórmula láctea comercial na dieta de 24 (68,5%) crianças para completar a ingestão de phe, mantendo-se o aleitamento e os níveis sangüíneos do aminoácido nos limites recomendados, em média aos 75,4±52 dias após o início do tratamento.
A Figura 2 mostra as médias e desvios padrão dos níveis sangüíneos de phe de cada criança dos grupos amamentado e controle durante o período do estudo, determinados pelo tempo de amamentação. Observa-se que foram encontradas médias sangüíneas de phe ≥ 6 mg/dL em uma criança do grupo amamentado e duas do grupo controle.
Ao analisarmos as dosagens de phe no sangue, constatamos que, dos 695 exames das crianças do grupo amamentado, 30,9% estavam < 2 mg/dL, 56,1% com dosagens ≥ 2 mg/dL e ≤ 6 mg/dL e 13,8 % > 6 mg/dL. Dos 704 exames analisados do grupo controle, 34,9% estavam < 2 mg/dL, 39,5% com dosagens ≤ 6 mg/dL e ≥ 2 mg/dL e 25,6% > 6 mg/dL.
A Tabela 2 apresenta a comparação das médias dos índices antropométricos nas avaliações inicial e final entre os dois grupos. Para todos os índices antropométricos analisados, ao início do tratamento e à interrupção do aleitamento materno, observou-se que não houve diferença significativa entre as médias dos dois grupos, considerando o nível de 95% de confiança. Na avaliação antropométrica inicial, uma criança do grupo amamentado apresentou escore z ≤ -2 nos índices peso/idade e estatura/idade e outra no índice estatura/idade. No grupo controle, duas crianças apresentaram escore z ≤ – 2: uma para o índice peso/idade e outra para estatura/idade. Na avaliação final, no grupo amamentado uma criança apresentou escore z ≤ -2 para o índice peso/estatura e outra para estatura/idade; nenhuma criança do grupo controle apresentou escore z ≤ -2.
A análise da evolução antropométrica (diferença entre as avaliações final e inicial) para os grupos amamentado e controle mostrou evolução favorável de todos os índices nos dois grupos; no grupo amamentado, encontrou-se significância estatística apenas na relação estatura/idade (p = 0,00); no grupo controle, encontrou-se significado estatístico no índice estatura/idade (p = 0,00) e para o índice peso/idade (p = 0,00).
Na avaliação das medidas do perímetro cefálico, no dia da primeira consulta, a média obtida foi de 35,9±1,4 cm para o grupo amamentado e de 36,1±1,4 cm para o grupo controle. Não houve diferença significativa entre os grupos (p = 0,7). Nesta avaliação, foram utilizados 31 pares de observação, em razão da ausência da medida em algumas crianças do grupo controle.
Na avaliação do perímetro cefálico final, o grupo amamentado apresentou média de 44,0±3,4 cm, e o grupo controle de 44,0±2,9 cm, também sem apresentar diferença significativa entre os grupos (p = 0,8).
A evolução das medidas do perímetro cefálico, diferença entre avaliações final e inicial, para o grupo amamentado foi de 7,9±3,1 (p = 0,0). Para o grupo controle, a diferença foi de 7,7±2,7 (p = 0,0). Observa-se que as crianças tiveram evolução favorável com significância estatística nos dois grupos.
Discussão
A possibilidade de manter o aleitamento natural como fonte de phe no tratamento da PKU permite oferecer ao lactente fenilcetonúrico todas as vantagens advindas do LM, mesmo que usado de forma mista. Destacam-se, entre outras, as vantagens emocionais que o ato de amamentar proporciona, tanto no fortalecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho quanto na aceitação da doença10,12 . Entretanto, para que a utilização do LM tenha êxito no tratamento da PKU, é necessário que os pacientes tenham consultas freqüentes no serviço de referência, possibilitando ajustes dietéticos constantes e controle metabólico adequado, evitando níveis indesejáveis de phe no sangue6-9,13-15.
Mesmo na presença de alguns fatores de risco, inevitáveis nesta situação, para o desmame definitivo, consideramos que a duração da amamentação das crianças com PKU foi muito boa e semelhante aos tempos médios descritos na literatura, tanto para crianças com PKU quanto para crianças brasileiras sem PKU13,16,17. Demirkol et al.13, McCabe et al.10 e Motzfeldt et al.6 encontraram média de duração do aleitamento materno em fenilcetonúricos de 6,1, 8,9 e 7,0 meses, respectivamente. Entretanto, no estudo de Rijn et al.7, a duração do aleitamento materno foi de apenas 2,5 meses. Nenhum desses autores, no entanto, deixa claro se a duração da amamentação considerava o tempo de aleitamento antes do início do tratamento. No presente estudo, este período não foi considerado e, caso tivesse sido considerado na análise estatística, teríamos encontrado média de amamentação acima do relatado. Apesar de o tempo de amamentação encontrado estar aquém do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, devemos considerar que, quando o tratamento tradicional é instituído, as crianças são desmamadas definitivamente no primeiro mês de vida. Ao manter o LM na dieta dos lactentes com PKU, eles são beneficiados por um período mais prolongado que, de acordo com o presente estudo, pode variar de 35 a 365 dias após o início do tratamento.
O tempo necessário para adequação dos níveis sangüíneos de phe após o tratamento ser iniciado é muito importante. Verificou-se, neste estudo, que os resultados entre os dois grupos foram estatisticamente semelhantes. Rijn et al.7 encontraram um tempo médio de 6 dias para adequação dos níveis sangüíneos do aminoácido para os dois grupos. Esses autores realizavam as dosagens de phe no sangue diariamente, e o LM era oferecido uma vez ao dia, com aumento da oferta à medida que os níveis de phe diminuíam. Motzfeldt et al.6 relatam média de 8 dias para adequação dos níveis de phe no sangue de seus pacientes e, nesse estudo, o LM era suspenso por 1 a 3 dias. Salientamos que, no presente estudo, para efetuar o cálculo do tempo necessário para adequação dos níveis sangüíneos de phe, foi utilizado um período mínimo de 5 dias após o início do tratamento, pois as dosagens bioquímicas são realizadas semanalmente, no dia da consulta. A realização de dosagens sangüíneas diárias de phe em países em desenvolvimento, como o Brasil, é inviável em função do custo elevado do procedimento. A mesma justificativa poderia ser usada se optássemos pela suspensão temporária do LM, ao ser iniciado o tratamento, o que requer internação hospitalar, como feito em alguns estudos6,7. A nossa maior preocupação ao instituirmos o uso do LM para o PKU constituía-se, inicialmente, na probabilidade de se manter os níveis sangüíneos dentro dos limites recomendados. Ao avaliarmos as médias mensais de phe no sangue, durante o período em que as crianças amamentaram, observamos que os níveis permaneceram, em sua maioria, adequados para os dois grupos, nos limites preconizados pela literatura5. Observamos ainda que o grupo amamentado apresenta menor variabilidade, nos exames realizados, em relação ao grupo controle. Quando avaliados os níveis de phe no sangue de cada criança, observamos uma proporção mensal com maior número de exames adequados para o grupo amamentado, quando comparado ao grupo controle. A análise da proporção dos níveis sangüíneos de phe foi apenas descritiva, pois o número de exames foi diferente para cada criança entre os dois grupos, o que impossibilita a comparação estatística pela possibilidade de viés. Rijn et al.7 compararam a proporção dos níveis sangüíneos de phe entre os dois grupos, amamentado e controle, e concluíram não haver diferença estatística entre eles. No entanto, os autores não deixam claro se compararam um mesmo número de exames entre os dois grupos. Em nosso estudo, os níveis sangüíneos de phe, durante o período em que as crianças foram amamentadas, mantiveram-se, em sua maioria, dentro dos limites considerados seguros.
Ao analisarmos o crescimento pôndero-estatural destas crianças, observamos, em nossa estatística, que a maioria das crianças estudadas apresentou escore z > -2 quando os grupos amamentado e controle foram comparados, não ocorrendo diferença estatística entre eles. Na análise da evolução antropométrica no grupo amamentado, verificamos que houve melhora em todos os índices avaliados e com significância estatística no índice estatura/idade. No grupo controle, as crianças também melhoraram, porém apenas no índice peso/estatura a evolução não teve significância estatística. O perímetro cefálico mostrou-se com ganho adequado e evolução significativa, com resultados semelhantes entre os grupos. A manutenção do aleitamento materno no tratamento da PKU possibilitou crescimento adequado das crianças durante o período da amamentação, as quais evoluíram de acordo com o padrão de referência para a idade, confirmando os achados da literatura6-10,14.
Apesar de os dois grupos terem sido selecionados em épocas distintas, não observamos qualquer implicação que pudesse influenciar nos resultados da pesquisa. O protocolo do SEG-HC-UFMG e a equipe de atendimento foram os mesmos em todo o período de estudo.
Concluímos que é possível utilizar o LM como fonte de phe no tratamento do PKU com controle adequado dos níveis sangüíneos de phe e crescimento dos pacientes dentro dos limites da normalidade. No caso específico da PKU, deve ser acrescentado, entre todos os benefícios inerentes à conduta adotada, o reforço positivo no vínculo afetivo entre o binômio mãe-filho, com reflexo afirmativo na aceitação da doença e na adesão ao tratamento.
Referências
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Viviane C. KanufreI; Ana L. P. StarlingII; Ennio LeãoIII; Marcos J. B. AguiarIV; Jacqueline S. SantosV; Rosângelis D. L. SoaresVI; Adriana M. SilveiraVII
IMestre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Nutricionista, Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD), UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Coordenadora clínica, Unidade Funcional-Serviço de Nutrição e Dietética-Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG.
IIProfessora adjunta, Depto. de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG. Doutora, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG.
IIIDoutor. Professor emérito, UFMG, Belo Horizonte, MG.
IVProfessor adjunto, Depto. de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG. Doutor, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG.
VMestranda em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina, UFMG. Nutricionista, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG. Nutricionista, Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD), UFMG, Belo Horizonte, MG.
VIMestre, Faculdade de Farmácia, UFMG. Nutricionista, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG. Nutricionista, Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD), UFMG, Belo Horizonte, MG.
VIIMestranda em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina, UFMG. Nutricionista, Secretaria Municipal de Saúde, Belo Horizonte, MG.
Correspondência
Viviane Kanufre
Rua Horta Barbosa, 200/1204, Bairro Nova Floresta,
31140-260 – Belo Horizonte, MG
Tel.:(31) 3248.9311, (31) 9903.7309
Email: [email protected]
Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.
já havia publicado na seção Profissionais a matéria:
25/6/2003
FENILCETONÚRIA & Amamentação