Amamentação:
Empoderamento das Mulheres Negras
Breastfeeding: Empowering Black Women
Isabel Cruz*
*Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde
e Etnia Negra – NESEN/UFF. Membro titular do
Comitê Técnico de Saúde da População Negra,
Ministério da Saúde.
Online Brazilian Journal of Nursing, Vol 6, No 2 (2007)
Abstract
Breastfeeding is related to women’s reproduction and health. All women have the right to breastfeed as enshrined in the Convention on the Elimination of all Forms of Discrimination against Women (CEDAW) and the Convention on the Rights of the Child (CRC). Breastfeeding also is related to women’s sexuality so, it is a gender issue and takes place to empowering women. Breastfeeding is particularly difficult for the black woman, marginalized by poverty, violence, poor nutritional status, job insecurities and gender/race inequalities.
Keywords
women; blacks; racism; sexism; breastfeeding
Resumo
A amamentação está relacionada à saúde das mulheres e todas as mulheres têm o direito de amamentar conforme assegurado na Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e na Convenção sobre os Direitos da Criança. Mas a amamentação também está relacionada à sexualidade das mulheres e, portanto, é também uma questão de gênero e, assim, constitui-se em um fator para o empoderamento das mulheres. A amamentação é particularmente difícil para a mulher negra, excluída socialmente pela pobreza, violência, má nutrição, desemprego e iniqüidades raciais e de gênero.
Palavras-chaves
mulheres; negros; racismo; sexismo; amamentação
Enfermeiras é fácil e pode ser feito agora:
1- aplicar a teoria do autocuidado, fornecendo informação e promovendo a autonomia da cliente
2- realizar ações educativas sistemáticas e sistematizadas em horários e locais acessíveis à cliente (creches, igrejas, terreiros de candomblé, sábados, domingos, noites, etc.)
3- comprometer família, comunidade, pai da criança (sempre existe um!) no processo de preparação para o aleitamento e no aleitamento propriamente dito
4- realizar efetivamente o pré-natal enquanto uma ação da enfermeira em colaboração com o médico, capacitando a gestante para o parto ativo e natural, e para o aleitamento exclusivo.
5-supervisionar a parturiente, puérpera e nutriz, assim como a criança, até que o aleitamento esteja acontecendo naturalmente
6- agir imediatamente quando verificar um incidente que pode comprometer o aleitamento exclusivo
Em agosto de cada ano, acontece a Semana Internacional pelo Aleitamento Materno (1 a 7) que tem entre seus objetivos alertar que o aleitamento materno só acontece quando existe um ambiente de justiça social e de gênero para que todas as formas de apoio ao aleitamento se tornem disponíveis. Em 1995, Breastfeeding: Empowering Women foi tema da World Alliance for Breastfeeding Action (WABA). Por entender que o aleitamento por razões biológicas, hormonais e sociais é fundamental para o empoderamento da mulher, lancei mão deste tema de campanha para dar título a este texto sobre as mulheres negras.
No Brasil, as iniqüidades raciais em saúde estão evidenciadas na literatura científica [1] [2], por conseguinte, o Sistema Único de Saúde (SUS), pela ação direta de seus gestores e profissionais de saúde, deve implementar ações que propiciem a equidade de gênero e de raça as quais são parte constitutiva do conjunto de estratégias de promoção da saúde e empoderamento das mulheres negras.
O empoderamento das mulheres negras e a elevação de sua auto-estima são cruciais para uma amamentação bem sucedida. Para tanto, é necessário o acesso à informação adequada por meio de um serviço de pré-natal que exija mais dos gestores de saúde do que 6 consultas médicas. É necessário um pré-natal que assegure vivências positivas que envolvam a família (de qualquer tipo de estrutura) e a comunidade, assim como locais de trabalho formal ou, especialmente, o informal.
O apoio necessário todos sabem, mas nunca é demais repetir: encorajamento, informação precisa e adequada sobre o cuidado das mamas e o valor do leite materno para a criança e para a mulher, cuidado atencioso durante o parto, orientação, tranqüilizarão, afirmação, apoio a tempo e hora e dicas práticas.
Quem deve dar apoio todos sabem, mas não é demais repetir: primeiro, nós profissionais de saúde, particularmente, nós, enfermeiras. Além de nós, os empregadores (formais ou informais), amigos, família e a comunidade.
Em que local o apoio ao aleitamento materno à mulher negra deve acontecer? Em todo lugar e hora. Cito aqui a Dra. Fátima Oliveira, da Rede Feminista de Saúde:
– Seja em que lugar for, quando vejo uma mulher grávida, digo: Que barriga linda! E emendo a pergunta: Está fazendo o pré-natal?
Dra. Fátima Oliveira age desta forma com o firme propósito de reduzir a mortalidade materna em qualquer momento ou local em que surgir uma oportunidade. Eu só acrescentaria: Está se preparando para amamentar?
Aleitar é natural para todos os mamíferos. Para a espécie humana é um ato cultural. Precisa sim ser ensinado, treinado e supervisionado até que a mulher possa seguir com tranqüilidade os seis primeiros meses de sua criança alimentando-a exclusivamente com seu próprio leite.
A mulher negra (gestante ou parturiente ou puérpera ou nutriz, condições de maior vulnerabilidade) paga impostos, é cidadã e, por conseguinte tem direito à educação e ao cuidado pré-natal de excelência, assim como ao parto ativo e natural em maternidades que tenham como filosofia um serviço de saúde centrado na mulher.
Cabe observar que numa sociedade marcada pelo racismo e pelo sexismo, o desestímulo ao aleitamento materno atinge mais as mulheres socialmente vulneráveis (mulheres negras e indígenas, por exemplo) e, assim, gera entre outras coisas o aumento da morbi-mortalidade infantil da prole dessas mulheres e também uma menor exposição dessas mulheres aos benefícios de um hormônio natural: a ocitocina.
A ocitocina, uma molécula produzida na área do hipotálamo, no cérebro, é uma substância que induz o trabalho de parto e a lactação. Além disso, a ocitocina também regula uma série de processos fisiológicos, dentre eles, as emoções e os comportamentos sociais.
Parto, aleitamento, ocitocina, como estes conceitos podem ter relação com o empoderamento da mulher negra?
Primeiro, é preciso lembrar que o Brasil é um país com elevados índices em cesarianas e em abandono do aleitamento (mulheres com baixa exposição à ocitocina?).
Então, de volta à ocitocina. Ela também é descrita pelos cientistas como o “hormônio do afeto humano”. As pesquisas levaram os cientistas a concluir que a exposição à ocitocina faz a pessoa a ter mais confiança no outro e a estabelecer vínculos (companheiro/companheira; pais/filhos).
A ocitocina é o hormônio responsável pela sensação de prazer quando a mãe tem o seu bebê (este hormônio também é liberado pelo pai quando segura o seu filho nos braços, o que justifica a presença do homem na sala de parto para formação precoce do vínculo parental).
A ocitocina é realmente um hormônio muito especial, pois junto com a serotonina, ela está presente em maior concentração nos cérebros das pessoas apaixonadas e nas pessoas relaxadas (pós-orgasmo, por exemplo) já que uma de suas funções é bloquear os hormônios que produtores do estresse.
Em síntese, o aleitamento mais do que um direito humano a ser garantida a mulher negra, socialmente vulnerável, é também um recurso para o seu empoderamento como pessoa, pois lhe permite o controle sobre sua vida, seu trabalho e sua prole. O aleitamento constitui-se como uma poderosa estratégia de promoção da saúde para a mulher negra nas esferas: física (prevenção do câncer de mama e redução da morbi-mortalidade infantil), mental (formação de vínculo parental, aumento da auto-estima), sensual (carícias mãe/criança) e social (empoderamento pela auto-determinação e realização de seu papel social de mulher e mãe). Para tanto, recomenda-se [3] que o Sistema Único de Saúde, pela ação direta de gestores e profissionais de saúde, acolha e atenda com qualidade as gestantes, parturientes, puérperas e nutrizes negras, assim como seus recém-nascidos, observando ao menos o que se segue:
SENSIBILIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS – Inclusão nas capacitações dos profissionais – com ênfase nas equipes do PSF – e nas equipes das maternidades, os conteúdos sobre diferenciais raciais nas condições de vida e saúde, assim como sobre os conteúdos de comunicação assertiva e terapêutica (estabelecimento de confiança e demonstração de respeito), e as estratégias de enfrentamento da discriminação de gênero e raça (incentivo à participação no processo de tomada de decisão).
AÇÕES EDUCATIVAS SISTEMÁTICAS E SISTEMATIZADAS para a gestante negra, visando a redução dos indicadores negativos de morbi-mortalidade e do contexto de exclusão social, devem ser realizadas, a partir do 3o. mês de gestação. As ações educativas devem ser sistematizadas, visando aumentar a qualidade de vida e preparar a gestante para o parto, o cuidado e o aleitamento do bebê que vai chegar. Realizado preferencialmente em grupo (extensivo a familiar/companheiro), o curso de preparo da mulher negra para o parto ativo e natural e para o aleitamento materno exclusivo deve contemplar a prevenção dos principais problemas decorrentes das modificações anátomo-funcionais provocadas pela gestação; orientação sobre a alimentação; o desenvolvimento do bebê; os cuidados posturais; os exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico (períneo); amamentação e suas técnicas; os exercícios e os cuidados de preparação do seio e do mamilo para amamentação; as práticas de relaxamento a serem utilizadas no pré-natal e durante o trabalho de parto; as técnicas respiratórias que minimizam a dor; os posicionamentos que auxiliam a dilatação; os posicionamentos para auxiliar na saída do bebê; o papel ativo e participante da gestante durante o trabalho de parto; as rotinas de avaliação da equipe de saúde; alojamento conjunto; e a monitorização da gestante e do bebê; os cuidados com o bebê e a vacinação e triagem neonatal; planejamento familiar, prevenção das DSTs/AIDS e câncer.
PRÉ NATAL – Segundo o PHPN a pressão arterial das gestantes deve ser aferida em todas as consultas de pré-natal. Caso o valor seja igual ou superior a 140/90 mm Hg, em especial nas gestantes negras, é recomendado o acompanhamento e o encaminhamento para serviços de alto-risco. Deve-se também, atentar para os resultados de glicemia, garantindo a realização de 2 exames de rotina, conforme preconiza o PHPN, entre outras ações. É fundamental para a redução da taxa de mortalidade materna das mulheres negras que as consultas pré-natais sejam intercaladas ou simultâneas com as ações educativas do curso de preparo para o parto e o aleitamento.
Referências
[1] Cruz, I. 2006 Aug 5. Column: Black Woman Health – Gender and race institutional discrimination. How the nurse can prevent these violations?. Online Brazilian Journal of Nursing [Online] 5:2. Available: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/362/84
[2] Cruz, I. 2006 Apr 22. Racial Discrimination – risk factor for high blood pressure? a survey study. Online Brazilian Journal of Nursing [Online] 5:1. Available: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/274/53
[3] Cruz, I. 2006 Apr 22. Column: Black Woman Health. Online Brazilian Journal of Nursing [Online] 5:1. Available: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/263/52
20 de novembro:
Dia Nacional da Consciência Negra