Um dos melhores textos que li ultimamente foi a da escritora irlandesa Anne Enright no “London Review of Books” – sobre o seu próprio leite. Ela está amamentando, supondo que pela primeira vez, e escreve sobre a filha, que chama de “a minha Drácula branca”, sobre a experiência de alimenta-la no peito, e sobre a surpreendente abundância do leite. Ele corre nos momentos mais inesperados. ” O reflexo existe para funcionar à visão, ao som ou ao pensamento do seu bebê, o que já é horripilante” – escreve Enright – “mas o cérebro não parece saber exatamente o que é um bebê, e manda você alimentar qualquer coisa indefesa, ou maravilhosa, ou pequena. Portanto, tenho lactado para tripulantes de submarinos russos e turistas alemães mortos no Concorde. A solidão e a tecnologia me afetam sempre, e fazem correr meu leite. O desejo também me atinge, não no coração, mas isto eu esperava. O que não esperava era que haveria coisas que não me comovem mas movem o meu leite. Ou que, às vezes, eu só sabia que me comovi quando sinto a dor do leite aflorando. Então me surpreendo tentando descobrir o que, à minha volta, é triste ou adorável – foi uma combinação de palavras, ou a expressão num rosto? – o que me atraiu tanto minha atenção inconsciente, ou minha pituitária, ou minhas células alveolares.” O nome dela é Anne Eright.
(O GLOBO – 28/03/2001)
Do meu ídolo luiz Fernando Veríssimo