A confissão pública da atriz Luíza Thomé sobre sua depressão pós-parto pode auxiliar um continente extraordinário de mulheres que vivem a mesma situação, sem encontrar qualquer justificativa lógica para este terrível sofrimento. A previsível equação “depressão=rejeição do filho” não se sustenta em todos os casos. Mães felizes, que com zelo e amor aguardaram ansiosas o nascimento do filho, foram surpreendidas por um colapso emocional que lhe usurpou a energia criativa, no exato momento em que mais gostariam de celebrar a chegada de seu bebê. O que fazer diante dessa situação?
Que providências devem ser tomadas para preservar ambos, mãe e filho?
Este é realmente, um momento muito delicado e todo cuidado é pouco. Controlar a depressão pelos medicamentos, só em casos muito graves, quando há risco de vida para eles. O ideal é o acompanhamento psicológico contínuo durante todo o período da depressão, estendendo-se até o completo restabelecimento emocional da paciente. O psicólogo envolvido nesta tarefa precisa enfrentar adequadamente a família, especialmente o marido, de forma a reduzir os efeitos desestruturados do quadro depressivo, evitando, de todas as formas possíveis, que o bebê seja diretamente atingido pela crise. È importante ressaltar que o visível estado de tristeza exibido pela mãe é resultado de um conflito sobre o qual ela não é culpada e muito menos tem consciência de sua existência. Portanto, diagnosticar, corretamente, a fonte da depressão é fundamental na aplicação do programa de tratamento. O bom diagnóstico conduz a uma dupla vantagem: primeiro pode livrar mais rapidamente a paciente do extenuante sofrimento provocado pela doença. Segundo cria as condições necessárias para a compreensão do processo emocional que se segue à enfermidade, promovendo um natural amadurecimento da personalidade da mãe.
A Gravidez é uma “Crise”
Toda depressão é uma descida ao inferno, isto é, ao mundo inferior, subterrâneo. Neste sentido, inferno e depressão são a mesma e única realidade. Temos nesta belíssima frase da atriz Luiza Thomé o epicentro do seu sofrimento. A única maneira que encontrou de comunicar ao mundo a imensidão de seu infortúnio, foi referir-se a ele simbolicamente. Entre os humanos, a gravidez não é apenas um fenômeno biológico de reprodução das espécies. Sua dimensão afetiva revela-se no anseio do casal encontrar sua própria transcendência. Mas a fecundação é, também, uma vivência subjetiva.
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Uma experiência psicológica única. Ao engravidar, a mulher revive, inconscientemente, a saga do seu próprio nascimento, e isso a deixa aberta a uma série de acontecimentos complemente desconhecidos e praticamente impossíveis de serem lembrados, salvo pela força contida no estado depressivo.
Também pode ocorrer com os homens?
Erra quem também pensa que os homens não sofrem de depressão pós-parto. Sofrem sim. Mas neles, este sentimento assume uma outra fisionomia. Tratei de um caso em que o marido decidiu separar-se justamente no dia em que a mulher voltou como bebê da maternidade. Crises agudas de ciúmes, indiferença ou desinteresse sexual súbito, podem revelar um quadro depressivo dificilmente admitido pelo pai. Aliás, o termo “depressão pós-parto” não me parece feliz e nem faz justiça à realidade dos acontecimentos. Seria mais justo falar em depressão que se precipita através do parto, e isso, por um motivo muito simples: não foi a gravidez que promoveu a depressão.As condições para seu aparecimento sempre estiveram lá, no mundo oculto, e, de certa forma, negligenciado pela mulher à espera do momento para eclodir.
Dr. José Raimundo Gomes – Psicólogo clínico.
Médicos despreparados
Muitos casos graves de depressão pós-parto, principalmente aqueles que levam à morte do bebê, poderiam ser minimizados se a mulher tivesse tido, por parte de seu obstetra, um acompanhamento mais atencioso e atualizado. Médicos com leituras e interesses no assunto sempre detectam os perfis emocionais que podem redundar numa eventual depressão pós-parto. O problema é que a grande maioria dos profissionais só se preocupa com a barriga. A cabeça de sua paciente, ainda que isso seja de grande relevância para a gravidez tranqüila e um bom parto, é relegada o segundo plano ou, como muitos gostam de dizer, “é problema para o psicólogo”.
Obstetras atualizados, conscientes das complexidades emocionais de uma gestação, permanecem atentos ao estado psicológico de suas pacientes, conversam com seus maridos, questionam quando algo não lhes parece normal, preparam-se, enfim, e à família, para o que poderá vir a ser o que se convencionou chamar de depressão pós-parto. Porque esta não surge de repente nem vem do nada, é algo que já estava latente, que já vinha sinalizando para sua existência através de vários sintomas, alguns imperceptíveis para a mãe, mas claros para um médico mais consciente e atento.
Essa falta de visão do médico é um problema crucial no Brasil e nos países subdesenvolvidos em geral e não atinge apenas as camadas mais pobres da sociedade, onde a assistência médica adequada à gestante é comum também nas faixas de renda mais alta, por uma razão muito simples: os médicos não se preparam para enfrentar esse tipo de problema. Essa falta de visão já começa nas próprias faculdades, onde o tema é abordado de maneira muito superficial, quando é abordado. Em pleno terceiro milênio, ainda há médicos que classificam esse imenso e inenarrável sofrimento da mulher como “frescura”. Também não se vê o assunto ser abordado em seminários ou em simples reuniões profissionais. Outro agravante: a equipe hospitalar de apoio – enfermeiras, atendentes, até mesmo muitos psicólogos – nada sabe da doença e, não raro, trata mal a paciente, quando esta manifesta os sintomas da depressão, recusando-se a amamentar o filho ou mesmo a vê-lo.
È preciso, portanto que este grave problema, que hoje atinge milhares de mulheres em todo o mundo, seja pauta de discussões multidisciplinares nas faculdades, em centros de estudos específicos, na literatura e nos consultórios médicos. Que a depressão pós-parto seja encarada como ela realmente deve ser: um gravíssimo problema que pode levar uma mãe a matar o seu próprio bebê, sem sequer ter noção do que está fazendo e por que o está fazendo. Nós médicos, não podemos mais nos omitir diante desse quadro que leva as famílias ao desespero, sem falar no sofrimento dessa mãe que desejou este filho e se vê presa de um conflito emocional que a leva a rejeita-lo, quando sempre ansiou por amá-lo. Esta responsabilidade não é apenas do psicólogo, mas de todos nós.
Dra. Maria Eduarda Nepomuceno Lins – Obstetra – USP
Fonte: Instituto Ary Carvalho