É possível que um bebê nasça em estado de embriaguez?
Sim, aconteceu na cidade de Otwock, na Polônia. Uma mulher estava tão bêbada na hora do parto que o bebê nasceu com 15 vezes mais álcool no sangue que o limite máximo permitido para motoristas no teste do bafômetro no país do Leste da Europa.
A mulher acabou presa poucos minutos depois de ter dado à luz o menino, sob acusação de ter colocado em risco a vida da criança – que, ainda de acordo com os médicos, tem alta propensão a desenvolver dependência química.
O Globo, 16/6/2008
EFEITOS ADVERSOS DO USO MATERNO DE ÁLCOOL NA GESTAÇÃO E LACTAÇÃO SOBRE A SAÚDE DO BEBÊ
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO MÓDULO DE SAÚDE DA CRIANÇA do CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE MATERNO-INFANTIL
UFRJ
I – Introdução
O álcool sempre acompanhou a humanidade desde de seus primórdios, estando presente nos momentos de celebração, congregação e nas cerimônias religiosas.
O caráter social do álcool o dissocia da imagem de droga. Ainda, o “hábito” de beber faz parte da socialização, servindo, em muitos casos, como elemento agregador, o que pode contribuir para o início cada vez mais precoce de seu consumo.
È sabido que as mulheres sempre beberam; entretanto, percebe-se um aumento no número de mulheres que fazem uso de álcool (10).
II – Síndrome Alcoólica Fetal – Histórico
Apesar do conceito de “doença nova” adquirido pela Síndrome Alcoólica Fetal, a associação entre álcool e gravidez, e seus possíveis malefícios para o bebê, não constituem novidade. Dentre as substâncias com efeito teratogênico, o álcool há muito desperta interesse científico.
Em sua obra “Problemata”, Aristóteles já associava o uso materno de álcool a anomalias fetais (1). Relatos sobre a incidência aumentada de abortos, natimortos e de bebês portadores de malformações congênitas cujas mães faziam uso de álcool na gravidez, são descritos desde a época do Império Romano (2). Na Inglaterra da primeira metade do século XVIII, os chamados “filhos do gim” foram descritos como crianças débeis, fracas e desatentas (1, 2, 3). Em 1834, um estudo conduzido por Dobs revelou que os filhos de mães alcoólatras nasciam trêmulos e imperfeitos fisicamente. Em 1899, o estudo de Sullivan, cuja população era composta por detentas da cadeia de Liverpool, encontrou maior proporção de mortalidade e morbidade entre os filhos de mulheres alcoólatras. Entretanto, no início do século XX, associar danos fetais ao uso materno de álcool durante a gestação era tido como uma idéia moralista (3, 4).
Cientificamente, os efeitos teratogênicos advindos da exposição pré-natal ao álcool foram inicialmente descritos na França em 1968, por Lemoine et al; entretanto, somente no artigo de Jones e Smith, publicado na Lancet em 1973, é que primeiramente foi detalhado um padrão específico de malformações em crianças nascidas de mulheres etilistas, bem como os critérios para o diagnóstico do que eles denominaram Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) (1, 2, 3, 4).
O artigo de Jones e Smith impulsionou uma série de estudos sobre os danos decorrentes da exposição pré-natal ao álcool, os quais fazem um alerta: a SAF é a considerada a causa mais comum de retardo mental infantil não-hereditário (5), sendo a maior causa de retardo mental no ocidente (2). Alguns autores chegam a considerá-la um problema de saúde pública (2).
Os danos causados no feto pelo consumo materno de álcool dependem da dose ingerida e do período em que a exposição ocorreu (1, 6,7); portanto, não temos uma doença alcoólica fetal, mas sim uma síndrome, que como tal, pode apresentar-se sob várias nuances, desde danos extremamente sutis, até à SAF propriamente dita, a qual reúne anomalias físicas, neurológicas e cognitivas (8). Os efeitos do álcool no feto (EAF) são descritos em crianças que foram expostas ao etanol durante a fase intra-útero, porém em menor quantidade e/ou freqüência em relação àquelas que apresentaram o quadro completo da síndrome, sendo manifestados através de déficits comportamentais e/ou de crescimento, sem a ocorrência de dismorfismo facial (2, 3, 6, 8).
III – Álcool e metabolismo fetal
Durante a gestação, o organismo materno é a fonte de nutrição para o feto. É através da circulação sangüínea materna que os nutrientes são transferidos para o feto, após serem submetidos à barreira placentária. É a placenta quem media tanto a nutrição quanto a eliminação dos resíduos do metabolismo fetal (9, 10). De acordo com o tipo de substância presente na circulação sangüínea materna, a permeabilidade placentária pode ser modificada, conferindo uma barreira parcial ou total. O álcool pode facilitar a quebra da barreira placentária, tornando-a permeável (10). O etanol, portanto, atravessa livremente a placenta e espalha-se pelo líquido amniótico, atingindo os tecidos fetais (2, 10). O bebê é exposto à mesma concentração alcoólica ingerida pela mãe. Os níveis sangüíneos de etanol em ambos permanecem similares até que o metabolismo seja efetuado completamente. Todavia, o feto apresenta metabolismo e degradação mais lentos, em virtude do aparato enzimático ainda imaturo ou mesmo em desenvolvimento (2, 4, 10).
Portanto, doses inócuas para a mãe são rapidamente transferidas para o feto, fazendo com que o líquido amniótico permaneça impregnado de etanol por um período superior àquele necessário ao pleno metabolismo e depuração maternos (4, 10).
A exposição fetal ao álcool pode-se manifestar sob diferentes níveis, pois a suscetibilidade ao agente depende de variáveis tais como (4):
* quantidade de álcool
* época da exposição
* estado nutricional
* capacidade de metabolização materna e fetal
Sendo assim, os danos sobre o feto advindos do consumo materno pré-natal de álcool, podem apresentar-se desde alterações sutis, sem comprometimento morfológico, contudo, com a presença de déficit de desenvolvimento global, até às malformações grosseiras (10). A SAF, portanto, seria a forma mais grave do desfecho da exposição do feto ao consumo materno de álcool durante a gravidez (5).
A quantidade segura para a ingestão de álcool por parte da gestante, bem como o nível de etanol que resulta em EAF ou SAF ainda são desconhecidos (2, 4, 5, 10). Portanto, o consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação deve ser desestimulado. Essa recomendação deve ser estendida para o período pré-conceptual (2).
Os danos fetais também variam de acordo com o período gestacional. De um modo geral, no primeiro trimestre da gestação há o risco de anomalias físicas e dismorfismo facial. O risco de abortamento está mais associado ao segundo trimestre, ao passo que a diminuição do crescimento fetal, em especial, do perímetro cefálico e do cérebro, relaciona-se com o terceiro trimestre (6, 10). Uma vez que o terceiro trimestre é marcado pelo rápido desenvolvimento cerebral e pela organização essencialmente neurofisiológica, o consumo de álcool nessa fase pode prejudicar o desenvolvimento cerebral, gerando impacto negativo sobre a capacidade intelectual e/ou comportamental (2).
Em estudo conduzido por Streissguth e Dehaene, em 1993, com 16 pares de gêmeos, demonstrou uma maior concordância de SAF entre os monozigóticos do que nos dizigóticos, apontando a influência da capacidade fetal individual de metabolização do etanol como mais um fator a ser considerado quando da avaliação do risco à exposição intra-útero ao álcool (2).
IV – Síndrome Alcoólica Fetal – Diagnóstico
A SAF é uma condição irreversível decorrente da exposição pré-natal ao álcool. De acordo com a Research Society on Alcoolism Fetal Alcohol Study Group, que em 1980 padronizou os critérios para diagnóstico da síndrome, seus portadores apresentam dismorfia facial, deficiência de crescimento pôndero-estatural pré ou pós-natal abaixo do percentil 10, disfunção do sistema nervoso central e várias malformações associadas (2, 5, 10, 11).
O dismorfismo facial preditivo de SAF deve contemplar fissuras palpebrais curtas (olhos abertos), lábio superior fino, philtrum indefinido e fáscies plana (5). A figura 1 ilustra o sinal da droga no rosto:
Alterações faciais características da SAF. FONTE: Alcohol Health & Research World 1994 18(1). National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism – NIAAA.
A presença das alterações faciais praticamente fecha o diagnóstico, pois apesar de serem encontradas isoladamente em outras síndromes, é justamente a ocorrência combinada de tais anomalias que caracteriza a SAF (5).
Com relação às alterações neuro-comportamentais, destacam-se (5, 10, 11):
* retardo mental
* déficit de atenção
* hiperatividade
* distúrbio de aprendizagem
* distúrbio de fala
* distúrbio motor
* dificuldade em cálculos
* dificuldade de socialização
V – SAF em recém-nascidos
Além das características morfológicas típicas da SAF (figuras 2 e 3), dentre os recém-nascidos de mães alcoolistas, cerca de 75% sofrem de síndrome de abstinência após o parto, caracterizada por apnéia, cianose, agitação, tremores, opistótono e convulsões. Para esses bebês, a gravidade do quadro pode conduzir ao óbito (10).
Dificuldade de sucção, hiperexcitabilidade, irritabilidade e dificuldade de vínculo, também são achados em recém-nascidos com SAF (2,10).
Os filhos de mães que fizeram uso moderado ou elevado de álcool durante a gestação podem nascer sem SAF, apresentando, porém, alterações sutis de ordem neuro-comportamental, tais como distúrbio do sono, alterações do ciclo sono-vigília, hiperatividade física e menor adaptação a estímulos aversivos (10). O estudo de Ioffe e Chernick, realizado em 1990, demonstrou que o consumo expressivo de álcool no início da gravidez afetava o sono REM e o desenvolvimento motor, conforme anomalias detectadas no traçado do eletroencefalograma, ao passo que o sono não-REM e o desenvolvimento mental eram alterados quando o uso era realizado no final do período gestacional (2).
A exposição a quantidades leves de álcool durante a gestação foi associada a leve depressão da ativação do sistema nervoso (10).
Figura 2. RN com nariz antevertido, filtro liso e Figura 3. RN com implantação baixa de orelhas, lábio superior fino característicos da SAF. filtro liso e lábio superior fino característicos da SAF.
VI – Exposição intra-útero ao álcool e desenvolvimento
Enquanto que as características fenotípicas tendem a desaparecer com a entrada na puberdade, os danos cerebrais persistirão ao longo da vida dos indivíduos expostos ao álcool na fase intra-uterina (2, 11).
Déficits de atenção, hiperatividade, distúrbios de fala e diminuição no tempo de reação a estímulos são freqüentemente encontrados em pré-escolares cujas mães consumiram álcool na gestação (2, 11). Quando na fase escolar, essas crianças tendem a apresentar problemas de aprendizado, déficits de memória, dificuldade de concentração e de manter fixa a atenção, instabilidade emocional, decréscimo da intelectualidade e dificuldade de socialização (10, 11). São também observados déficits cognitivos, tais como dificuldade em desenvolver problemas matemáticos e reduzida capacidade de assimilação de conceitos abstratos, tais como tempo/espaço, causa/conseqüência, além de dificuldade de diferenciação entre situações distintas umas das outras (8).
Mesmo na fase adulta as seqüelas da exposição pré-natal ao álcool podem se manifestar, através de dificuldade de atenção, de resolver e lidar com problemas cotidianos, e de socialização. Tais manifestações contribuem para o aumento da incidência da síndrome anti-social e dos níveis de consumo de álcool, drogas e nicotina (11).
O efeito teratogênico do álcool pode afetar não apenas o fenótipo de seus usuários passivos, mas também comprometer, ou mesmo inviabilizar, seu pleno desenvolvimento acadêmico e social, deixando marcas para o resto da vida.
O prognóstico para os adultos filhos de mães que fizeram uso de álcool na gravidez, e que desenvolveram SAF é bastante sombrio (12):
• 95% apresentarão problemas mentais,
• 55% estarão confinadas em presídios ou apresentarão problemas com álcool / drogas,
• 60% se envolverão com crimes, e
• 52 % apresentarão alteração do comportamento sexual
Não existe tratamento específico para a SAF; logo, a fim de se evitar tal panorama, a adoção de medidas de intervenção precoce faz-se fundamental.
VII – Intervenções precoces na Síndrome Alcoólica Fetal
Com relação à mãe
“E o anjo do SENHOR apareceu a esta mulher, e disse-lhe: Eis que agora és estéril, e nunca tens concebido; porém conceberás, e terás um filho. Agora, pois, guarda-te de beber vinho, ou bebida forte, ou comer coisa imunda.” Juízes 13: 3-4
A abstinência ao álcool no período pré-conceptual e pré-natal previne o surgimento de SAF e EAF (2).
O pré-natal é um momento especialmente rico para identificação do consumo de álcool pela gestante e adoção de estratégias para que o mesmo seja abandonado. Os profissionais de saúde devem estar atentos para a questão do comprometimento fetal decorrente do consumo materno de álcool.
O primeiro trimestre da gravidez é considerado o melhor momento para se trabalhar a interrupção do consumo de álcool, pois o desconforto ocasionado pelas náuseas, o temor de malformações e a cobrança por parte de familiares e amigos quanto à adoção de hábitos saudáveis, podem agir como elementos incentivadores do abandono do uso de bebidas alcoólicas na vigência da gestação (6).
Entretanto, não podemos ignorar que nem sempre a gestante assume fazer uso de álcool, provavelmente por constrangimento (6). A abordagem conferida pelo profissional de saúde deverá ser de tal forma acolhedora que possibilite desenvolver na paciente a confiança necessária para tal revelação.
Com relação ao bebê
Uma vez que as manifestações da exposição pré-natal ao álcool podem ocorrer em níveis dos mais variados, e que os danos neuro-comportamentais, ainda que sutis, deixam seqüelas que acompanharão o indivíduo ao longo de sua existência, o diagnóstico precoce de SAF e EAF pode melhorar sua qualidade de vida.
Para tanto, além de uma anamnese detalhada, que objetive apurar o consumo materno de álcool na gestação, uma avaliação sensível o bastante para captar as alterações mais tênues do desenvolvimento neuro-comportamental e cognitivo do bebê é de extrema importância.
Um dos melhores métodos de avaliação de lesões mínimas do sistema nervoso é a Brazelton Neonatal Behavioural Assessment Scale (BNBAS), ou Escala de Brazelton (1).
A BNBAS tem por objetivo a avaliação do desenvolvimento comportamental do bebê, através da expressão de suas competências em controlar e integrar as dimensões autonômica, motora, social e estados de consciência (13).
O estado de consciência do bebê representa a expressão de todo seu repertório comportamental (1). A variabilidade dos estados e seu padrão de mudança são características fundamentais do período neonatal.
As disfunções de regulação dos estados de consciência do recém-nascido são das mais precoces indicações de distúrbios da função neuro-comportamental, sendo que a vulnerabilidade de tais estados poder ser maior em cerca de cinco a seis vezes em um bebê exposto ao álcool na fase intra-uterina, do que outro com o mesmo peso ou idade gestacional, porém sem riscos (1). Percebe-se aí o impacto do uso da BNBAS como instrumento de intervenção precoce a ser empregado em filhos de mães que fizeram uso de álcool na gestação.
O diagnóstico precoce de SAF ou EAF possibilita a adoção de medidas que resultarão em diminuição do impacto negativo causado pelo uso passivo do álcool pelo feto, tais como terapia cognitiva, tratamento neurológico, psiquiátrico, fonoaudiológico e fisioterápico (5). A abordagem multidisciplinar ao paciente com SAF ou EAF parece ser a mais eficaz (5).
VIII – Álcool e Lactação
A orientação para a abstinência do uso de bebidas alcoólicas, visando evitar riscos à saúde do bebê, não deve ser restrita somente à gestação e ao período pré-conceptual.
Durante o período de aleitamento, a transferência de álcool via leite materno também representa risco ao desenvolvimento do recém-nascido e do lactente, merecendo atenção por parte dos profissionais de saúde que atenderão o binômio mãe-filho. Em 1983, o álcool já era catalogado como droga que passa para o leite materno, com sua ingestão necessitando ser abolida durante todo o período de amamentação (14).
A recomendação do consumo de álcool pela lactante é uma tradição ainda difundida. Um dos muitos folclores que rondam a amamentação diz respeito ao uso de bebida alcoólica, especialmente antes da mamada, para aumentar a produção do leite, facilitar sua ejeção e relaxar a mãe e o bebê (14, 17). No Brasil, a cerveja preta é tida popularmente como lactogôgo, embora não haja comprovação científica para respaldar sua indicação a nutrizes.
A associação entre consumo de bebidas alcoólicas e risco de danos ao bebê parece ser melhor percebida entre gestantes do que entre nutrizes (15, 16). Um estudo tipo coorte, conduzido com mulheres no pós-parto atendidas no Centro Municipal de Saúde (CMS) Marcolino Candau, no município do Rio de Janeiro, demonstrou que, do período gestacional para o pós-parto, dobrou o consumo de cerveja, vinho e demais bebidas alcoólicas (15).
Vários autores evidenciam que o álcool consumido pela mãe passa rapidamente para o leite (16). Após 30 minutos de ingestão, o álcool já está presente no leite, alcançando seu platô aos 60 minutos, independentemente do volume, quando consumido na forma de bebida fermentada (14). Pesquisas pioneiras demonstram que o teor do álcool presente no leite materno é diretamente proporcional ao do sangue, e que a sucção ou aleitamento pré ou pós-ingestão da bebida não altera a quantidade de álcool que é transferido para o leite. Portanto, à medida que a droga penetra no sangue, cresce sua concentração no leite (16).
A ingestão de bebidas alcoólicas por lactantes altera o flavor, a composição e a produção do leite, e expõe o RN ao etanol, provocando efeitos imediatos sobre o seu comportamento (14, 16).
O aroma do leite materno é modificado imediatamente após a ingestão alcoólica (16). A avaliação do consumo de álcool por quatro dias no período inicial (quinto ao oitavo dia pós-parto) e médio (nono ao décimo segundo dia pós-parto) da amamentação, demonstrou uma redução da lactação e baixo consumo de leite por parte dos bebês, sugerindo, para os autores, resposta à modificação do aroma do leite (16).
Estudos experimentais realizados com ratas e coelhas demonstraram que o uso crônico de etanol inibe a produção de ocitocina (16, 14, 17). Com relação à produção de prolactina, os resultados ainda são conflitantes; entretanto, o estudo experimental de Subrananian et al. demonstrou que o consumo agudo de álcool inibiu por cerca de uma hora a liberação de prolactina induzida pela sucção. Posteriormente, o autor sugeriu que a liberação da prolactina é restabelecida após a metabolização do etanol, indicando que a alcoolemia afeta a liberação deste hormônio sob estímulo da sucção (14, 16).
Segundo alguns autores, a ingestão alcoólica materna durante a lactação afeta o sistema imunológico do bebê, sendo observado, a longo prazo, déficit na imunidade celular, com alterações nos tecidos linfóides intestinais, baixo peso do timo, redução de linfócitos T, Ig A plasmática e macrófagos, e no sistema nervoso (16). Ainda, estudos experimentais indicam sensibilidade ao álcool em etapas precoces do desenvolvimento de animais (14).
Ainda que em baixas concentrações (5%), o consumo de etanol pode afetar o estado nutricional materno de vitamina A, acarretando, subseqüentemente, diminuição do nível de retinol no leite (17). Dessa forma, o aporte de vitamina A para o bebê também é prejudicado, tornando-o menos resistente a infecções e comprometendo seu desenvolvimento normal (17).
A ingestão materna de álcool no período pós-natal pode acarretar também alteração do padrão normal de crescimento do lactente, cirrose e fibrose hepática, desenvolvimento anormal, bem como modificações comportamentais, prejuízo na área do aprendizado e da memória (no período de adolescência) e aumento da mortalidade (14, 15, 16, 17). O consumo pela rata lactante, de uma mistura de água adicionada de álcool (20%), provocou no RN, com apenas 12 dias de lactação, desnutrição protéica, déficit de crescimento, redução de proteína no fígado e plasma.(14, 17). A exposição pós-natal ao álcool também pode acarretar alterações no coração, com modificação da contratilidade cardíaca e declínio da relação peso cardíaco/peso corporal, sugerindo mecanismo intrínseco protetor contra os efeitos do álcool. (16, 14).
IX – Conclusão
Os danos causados no feto pelo consumo materno de bebidas alcoólicas no período gestacional podem se apresentar sob várias nuances, desde os distúrbios mais sensíveis e difícil diagnóstico, até o espectro mais avassalador, denominado Síndrome Alcoólica Fetal.
A abstinência ao consumo de bebidas alcoólicas durante o período pré-conceptual e a gestação previnem a ocorrência da síndrome, a qual ainda é desconhecida da grande maioria de mulheres em idade fértil e, infelizmente, de muitos profissionais de saúde. Ainda é corrente a idéia de que não consumir álcool durante a gestação, para prevenir danos ao feto, é algo moralista.
Uma vez instalado o risco de ocorrência de comprometimento pela exposição fetal ao álcool, o diagnóstico de sua extensão deve ser realizado o mais precocemente possível. Para tanto, o uso da Escala de Brazelton, dado o seu potencial para avaliar danos sutis do desenvolvimento neuro-comportamental, é a mais adequada recomendação (1, 13).
Ressalta-se que a percepção dos danos gerados pelo álcool não deve ser restrita à sintomatologia, mas sim ampliada às relações entre seu portador e a rede social na qual ele está inserido, uma vez que o ambiente também exerce importante influência sobre o prognóstico (5).
O consumo de bebidas alcoólicas deve ser desestimulado também durante o período de amamentação. Ao contrário do que propaga a crendice popular, o álcool, além de não melhorar a produção, pode causar efeitos adversos sobre a produção e ejeção do leite, além de representar risco ao crescimento e desenvolvimento do bebê.
A conscientização dos profissionais de saúde a cerca da importância de se avaliar o consumo de álcool por gestantes e lactantes poderá representar diminuição da mortalidade e morbidade dos filhos de mães que, inadvertidamente, ou mesmo seguindo orientações inadequadas, fizeram uso de bebidas alcoólicas.
IX – Bibliografia
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Este trabalho da Nutricionista Vânia de Oliveira Trinta, coordenadora do Banco de Leite Humano da Maternidade Escola da UFRJ obteve o conceito A. Parabéns!
Prof. Marcus Renato de Carvalho
Publicado originalmente em 8/1/2007