DEZEMBRO 1996 No. 19
Mais um passo para a proteção da saúde infantil
Em 1996, o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno completou 15 anos. Trabalhadores de saúde e defensores da amamentação vibraram quando o Código foi adotado pela Assembléia Mundial de Saúde (AMS) em 1981. Acreditava-se que com a rápida implementação do Código, brevemente se encerraria o marketing não-ético de leites infantis. Infelizmente, após 15 anos, suas esperanças não se concretizaram. A lenta transformação do Código em leis e regulamentações nacionais, assim como a pressão da indústria, resultaram na falta de cumprimento ao Código e contínua perda de vidas infantis. Apesar destas dificuldades, o Código continua sendo um importante instrumento de defesa e um guia sobre o qual os governos devem se basear para a elaboração de suas legislações.
A indústria de alimentos infantis tem tentado levar as pessoas a acreditarem que o Código não tem mais validade. Isto não é verdade. Embora muitos dos produtos e práticas promocionais atuais não existissem em 1981, as resoluções subsequentes da AMS têm fornecido guias para a interpretação do Código, tanto aos governos quanto aos trabalhadores de saúde. Um bom exemplo disto é a Resolução AMS 49.15 da Assembléia Mundial de Saúde de 1996. Esta resolução trata de três aspectos de preocupação atual sobre alimentação infantil: 1. o marketing de alimentos complementares; 2. o patrocínio de trabalhadores de saúde pela indústria e 3. a vigilância do cumprimento ao Código.
1. Na Resolução 49.15, a AMS conclama os estados-membros “a assegurar que os alimentos complementares não sejam promovidos de forma a prejudicarem a amamentação”. A contínua restrição à promoção de substitutos do leite materno em todo o mundo, levou a indústria a investir na promoção de alimentos complementares. Como resultado, estes produtos são introduzidos cada vez mais cedo na alimentação da criança (ver Bohler e Bergstrom, página 3). As pesquisas têm mostrado que quanto mais a criança consome alimentos complementares menor é sua ingestão de leite materno. Em comunidades com alta mortalidade infantil, os bebês necessitam da proteção conferida pelo leite materno. A introdução precoce de alimentos complementares aumenta o risco de doença.
2. A Resolução 49.15 trata da pressão sutil a que são submetidos os trabalhadores e as instituições de saúde ao aceitarem que a indústria financie conferências, equipamentos e estudos. A pressão não é somente para que aceitem o dinheiro, como também para que retribuam à empresa “com gratidão”, encarando a alimentação artificial de maneira favorável. Todo trabalhador de saúde confessa ter como principal compromisso o interesse de seus pacientes; entretanto, o aceitar dinheiro ou presentes da indústria de leites infantis leva a um conflito de interesses: o próprio interesse, particular, versus o interesse de mães e crianças, às quais ele serve. A resolução conclama os governos “a assegurar que o apoio financeiro a profissionais que trabalham com saúde infantil não crie conflito de interesses, especialmente com respeito à Iniciativa Hospital Amigo da Criança”.
3. O artigo 11º do Código exige que a indústria monitore suas próprias práticas. Esta auto-avaliação é necessária, mas de forma alguma pode ser vista como um monitoramento independente, desinteressado. Com o objetivo de evitar viés, a resolução conclama “que o monitoramento da aplicação do Código e das resoluções subsequentes seja feito de maneira independente, transparente, livre de influências comerciais”.
Durante o debate sobre alimentação infantil, ficou evidente que os delegados consideraram estes tópicos como muito importantes. Após várias votações a emendas, o Comitê votou unanimemente pela aprovação desta resolução, dando mais um passo na luta pela sobrevivência infantil.
Nota: Até o momento 24 países transformaram os artigos do Código Internacional em leis ou regulamentos nacionais. O Brasil aprovou seu “código” em 1988. Revisada em 1992, a Resolução 31/92 do Conselho Nacional de Saúde – Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes, tem sido monitorada pela rede IBFAN Brasil e muitos de seus artigos continuam sendo descumpridos.
Destaques
* Em estudo de 74 lactantes de baixa renda realizado em Lima, Peru, os pesquisadores descobriram que infecção aguda não altera a quantidade e a composição do leite de peito. O volume de leite, o total de proteínas e os níveis de lactoferrina, ferro, zinco e cobre não diferiam entre mães sadias e mães que tinham infecções do trato respiratório ou urinário, diarréia ou febre de origem desconhecida.
Ravaleta N, Lanata C, Butron B, Peerson JM, Brown KH, Lonnerdal B. Effect of acute maternal infection on quantity and composition of breast milk, American Journal of Clinical Nutrition, 62; 559-563, 1995.
* Pesquisas têm demonstrado que os ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (AGPCL) melhoram o desenvolvimento mental e visual de crianças, especialmente as que nasceram prematuras. Um estudo realizado na Holanda demonstrou que a adição de ribonucleotídeos à fórmula infantil não aumenta o nível de AGPCL em bebês pré-termo. Durante todo o período experimental de 40 dias, bebês amamentados apresentaram níveis mais elevados de AGPCL do que bebês alimentados artificialmente, suplementados ou não com nucleotídeos.
* Woltil HA, van Beusekom CM, Siemensma AD, Polman HA, Mustiet FAJ, Okken, A. Erythrocyte and plasma cholesterol ester long-chain polyunsaturated fatty acids of low-birth-weight babies fed preterm formula with and without ribonucleotides: comparison with human milk. American Journal of Clinical Nutrition, 62: 943-949, 1995.
Por Que Amamentar ?
* Relata-se, com frequência, crescimento ósseo anormal em bebês pré-termo. Aceita-se como causa a baixa ingestão de minerais. Em Cambridge, Reino Unido, 926 bebês pré-termo foram acompanhados durante 5 anos com a finalidade de se estudar os efeitos a longo prazo da dieta recebida no início da vida. Todas os bebês tomavam leite de suas próprias mães e foram aleatoriamente selecionados para receber fórmula para prematuro ou leite humano de banco de leite. Mais tarde, aos 5 anos de idade, mediram-se a estatura, peso, espessura e mineralização óssea. Em ambos os grupos se demonstrou que quanto maior a ingestão de leite materno na infância, maior o nível de mineralização óssea aos 5 anos. Os bebês que receberam como suplemento a fórmula para prematuro apresentaram mineralização óssea menor que aquelas suplementadas com leite humano de banco. A diferença no conteúdo ósseo de minerais foi maior que 38%. Diz-se que o conteúdo reduzido de minerais no leite humano causa anormalidades ósseas em bebês pré-termo. Entretanto, a longo prazo, uma maior ingestão de leite humano está associada a maior conteúdo ósseo de minerais. Os autores propõem duas teorias para explicar estes achados. O baixo conteúdo de minerais do leite humano pode “ensinar” o corpo a conservar minerais e, posteriormente, a “super-mineralizar” o osso quando mais minerais estejam disponíveis na dieta. Por outro lado, a presença de fatores hormonais de crescimento no leite humano pode reforçar a mineralização óssea. Este estudo apoia a idéia de “períodos críticos” de crescimen-to, durante os quais qualquer mudança leva a alterações permanentes na estrutura e função do organismo infantil.
Bishop NJ, Dahlenburg, Fewtrell MS, Morley R, Lucas A. Early diet of preterm infants and bone mineralization,Acta Paediatrica, 85: 230-236, 1996.
* Em um estudo sobre a relação entre contraceptivos hormonais e câncer uterino, envolvendo 6 países, os pesquisadores estudaram também os efeitos da amamentação prolongada sobre a doença. Sabe-se que baixos níveis de estrógeno reduzem o risco de câncer uterino. Os níveis de estrógeno são mais baixos durante a amenorréia pós-parto. Este estudo comparou 225 mulheres com tumor uterino a 480 mulheres sadias com relação aos meses totais de amamentação, idade em que iniciaram a amamentação e anos desde a última amamentação. Os resultados mostraram que quanto mais tempo a mulher amamentou menor o risco de câncer uterino. Mulheres que amamentaram por mais de 72 meses apresentaram 1/4 do risco de câncer comparativamente às mulheres que amamentaram de 1 a 22 meses. A proteção contra o câncer diminuiu de acordo com o período da última amamentação. Amamentar por mais de 12 meses/gravidez reduziu o risco em mais da metade comparativamente a amamentar 0-3 meses/gravidez.
Rosenblatt KA and Thomas DB. WHO Collaborative Study of Neoplasia and Steroid Contraception. Prolonged lactation and endometrial cancer, International Journal of Epidemiology, 24(3): 499-503, 1995.
* A preocupação com anemia em bebês é frequentemente uma razão para se iniciar a alimentação complementar. Entretanto, sabe-se que o uso de outros alimentos além do leite materno interfere com a biodisponibilidade do ferro do leite de peito. Na Itália, pesquisadores mediram a situação do ferro de 30 crianças que foram amamentadas até um ano de idade e que não receberam fórmulas, nem alimentos complementares enriquecidos com ferro. 30% das crianças estavam anêmicas aos 12 meses. A duração da amamentação exclusiva nas crianças não-anêmicas foi de 6.5 meses, enquanto foi de 5.5 meses nas crianças anêmicas. Nenhuma das crianças que tinham sido amamentadas exclusivamente por pelo menos 7 meses apresentaram anemia. Os autores sugerem que talvez o uso de outros alimentos em idade precoce tenha interferido com a absorção de ferro nas crianças que estavam anêmicas e não eram amamentadas exclusivamente.
Pisacane A, DeVizia B, Valiante A, Vaccaro F, Russo M, Grillo G, Giustardi A. Iron status in breast-fed infants, Journal of Pediatrics, 127: 429-431, 1995.
* Os macrófagos são células brancas do sangue que consomem patógenos e estão presentes no leite humano. Pesquisadores, no Japão, estudaram o crescimento destas células no leite humano e no tecido mamário. Eles observaram que o crescimento era promovido, em parte, por um fator estimulador de colônias de macrófagos (FECM), presente no leite humano. Eles detectaram uma quantidade 10-100 vezes maior de FECM no leite de peito do que no sangue. Outros estudos demonstraram que este fator era produzido por células epiteliais da mama.
Hara T, Irie K, Saito S, Ichijo M, Yamada M, Yanai N, Miyazaki S. Identification of macrophage colony-stimulating factor in human milk and mammary gland epithelial cells, Pediatric Research, 37(4): 437-443,1995.
* Sabe-se que existem elementos no leite humano que inibem micróbios, ajudam no desenvolvimento celular e impedem que as bactérias se fixem às células de revestimento dos tratos intestinal, urinário e respira-tório. Na Suécia, pesquisadores observaram que o leite humano, de fato, mata células cancerosas de pulmão. Um fator proteico do leite eliminou células de revesti-mento do pulmão que eram cancerosas ou estavam em fase de desenvolvimento, mas não as células maduras ou normais. Os autores sugerem que este fator possa ajudar na maturação das células de revestimento intestinal da criança e prevenir o crescimento de células anormais.
Hakansson A, Zhivotovsky B, Orrenius S, Sabharwal H, Svanborg C. Apoptosis induced by human milk protein, Proceedings of the National Academy of Science, USA, 92: 8064-8068, 1995.
* Pesquisadores, na Califórnia e em Honduras, observaram que a introdução de alimentos complementares antes dos 6 meses em crianças amamentadas não traz vantagens, tanto para a nutrição quanto para o crescimento. Entretanto, detectaram que a população hondurenha resistia à idéia de amamentação exclusiva por 6 meses. As mães acreditam que os bebês precisam “aprender a comer” ao redor dos 4 meses de idade. Para testar esta hipótese, os pesquisadores ampliaram o estudo original e avaliaram também a alimentação infantil aos 9 e 12 meses. As duplas mãe-bebê foram divididas em três grupos: 1) amamentação exclusiva por 26 semanas; 2) introdução de alimentos complementares com 16 semanas e continuidade da amamentação à demanda e 3) introdução de alimentos complementares com 16 semanas e amamentação na mesma frequência anterior à complementação.
Aos 9 e 12 meses, a frequência da amamentação foi similar nos três grupos (média de 11.1 mamadas/dia e 9.5 mamadas/dia, respectivamente aos 9 e 12 meses). A quantidade média de alimento consumido no almoço também foi similar nos três grupos. Os grupos não diferiram com relação à aceitação de alimentos aos 9 e 12 meses de idade. Os autores concluiram que a introdução de alimentos complementares antes dos 6 meses de idade não apresenta vantagens para a aceitação de alimentos pela criança.
Cohen RA, Landa Rivera L, Canahuati J, Brown KH, Dewey KG. Delaying the introduction of complementary food until 6 months does not affect appetite or mothers report of food acceptance of breast-fed infants from 6-12 months in a low income Honduran population, Journal of Nutrition, 125: 2787-2792, 1995.
Preparado por GIFA – The Geneva Infant Feeding Association
Membro da International Baby Food Action Network-IBFAN
Traduzido por Tereza S. Toma e revisto por Marina F. Rea
(IBFAN Brasil-Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar)
Endereço para correspondência:
A/C Tereza Toma – Instituto de Saúde
Rua Santo Antonio, 590 – 2º andar
São Paulo – SP Brasil CEP 01314-000
Fone/Fax: (011) 606.7328
Contribuições no valor de R$ 4,00 para o recebimento de 2 exemplares ao ano serão benvindas.
Apoio: SOH-DIA (Stichting Oecumenische Hulp/Dutch Interchurch Aid)
Instituto de Saúde – Secretaria de Estado da Saúde – SP
Editoração Eletrônica: Nelson F. Brandão
Divulgação: Marcus Renato de Carvalho CLINICA INTERDISCIPLINAR DE APOIO A AMAMENTACAO
Prof. do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina – UFRJ
Rua Carlos Góis, 375 s/404 – Leblon. Fax: 021 267 6391 / CEP: 22440-040 Rio de Janeiro – RJ Tel. 021 249 0312
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