O poder protetor do leite materno
Por NICHOLAS WADE
Uma grande parte do leite humano não pode ser digerida pelos bebês e parece ter um objetivo muito diferente da nutrição infantil – o de influenciar a composição das bactérias no trato digestivo do bebê.
Os detalhes desse relacionamento triplo entre mãe, filho e micróbios do estômago estão sendo esclarecidos por três pesquisadores da Universidade da Califórnia em Davis, Bruce German, Carlito Lebrilla e David Mills. Eles e outros colegas descobriram que uma determinada variedade de bactéria, uma subespécie da Bifidobacterium longum, possui diversos genes que permitem que ela prospere no componente indigesto do leite.
“Ficamos surpresos ao ver que o leite tinha tanto material que o bebê não consegue digerir”, disse German. “Descobrir que ele estimula seletivamente o crescimento de bactérias específicas, que por sua vez protegem o bebê, nos permite ver a genialidade da estratégia -as mães recrutam outra forma de vida para cuidar de seu filho.”
Os bebês supostamente adquirem essa variedade especial de bifidobactéria de suas mães, mas estranhamente ela não foi detectada em adultos. A substância indigesta que favorece a bifidobactéria é uma série de açúcares complexos derivados da lactose, o principal componente do leite. Os açúcares complexos consistem em uma molécula de lactose à qual foram acrescentadas cadeias de outras unidades de açúcar.
O genoma humano não contém os genes necessários para decompor os açúcares complexos, mas a subespécie bifidobactéria sim, dizem os pesquisadores em uma revisão de seu estudo na edição de 3 de agosto de “Proceedings of the National Academy of Sciences”.
Os açúcares complexos foram considerados por muito tempo sem importância biológica, embora eles constituam até 21% do leite. Além de promover o crescimento da variedade bifidobactéria, eles servem como isca para bactérias nocivas que poderiam atacar os intestinos dos bebês.
Os açúcares são muito semelhantes aos encontrados na superfície das células humanas e são formados no seio pelas mesmas enzimas. Muitas bactérias e vírus tóxicos se ligam a células humanas através dos açúcares da superfície. Mas, em vez disso, eles se ligarão aos açúcares do leite. “Pensamos que as mães evoluíram para permitir que essa coisa flua ao bebê”, disse Mills.
German vê o leite como “um produto incrível da evolução”, que foi moldado pela seleção natural porque é tão crítico para a sobrevivência tanto da mãe quanto da criança. “Tudo no leite tem um preço para a mãe -ela literalmente dissolve seus próprios tecidos para fabricá-lo”, disse.
O bebê nasce em um mundo cheio de micróbios hostis, com um sistema imunológico destreinado e sem o ácido cáustico do estômago que nos adultos mata a maior parte das bactérias.
German e seus colegas estão tentando “desconstruir” o leite, baseados na teoria de que o fluido foi moldado por 200 milhões de anos de evolução mamífera e contém uma riqueza de informações sobre a melhor maneira de alimentar e proteger o corpo humano.
Embora o leite em si seja destinado a bebês, suas lições podem se aplicar aos adultos. Os açúcares complexos, por exemplo, são uma forma de influenciar a microflora do estômago para que ela possa em princípio ser usada para ajudar bebês prematuros, ou nascidos de cesariana, que não adquirem imediatamente a variedade bifidobactéria.
As proteínas do leite também têm funções especiais. Uma delas, chamada alfa-lactalbumina, pode atacar células de tumor e as infectadas por vírus, restaurando sua capacidade perdida de cometer o suicídio celular. A proteína, que se acumula quando um bebê é desmamado, também é o sinal para que o seio volte a sua forma normal.
Essas descobertas deram aos três pesquisadores uma aguda consciência de que cada componente do leite provavelmente tem uma função especial. “Tudo está lá por um objetivo, embora ainda estejamos tentando descobrir qual é esse objetivo”, diz Mills.
“Então, por favor, amamentem.”
Fonte:
Microbes and Health Sackler Colloquium: Human milk glycobiome and its impact on the infant gastrointestinal microbiota PNAS published ahead of print August 2, 2010, doi:10.1073/pnas.1000083107
Human milk glycobiome and its impact on the infant gastrointestinal microbiota
1.Angela M. Zivkovic a , b , c ,
2.J. Bruce German a , b , c ,
3.Carlito B. Lebrilla a , c , d , e , and
4.David A. Mills a , c , f , g , 1
1.aFoods for Health Institute,
2.bDepartment of Food Science and Technology,
3.cFunctional Glycobiology Program,
4.dDepartment of Chemistry,
5.eDepartment of Biochemistry and Molecular Medicine,
6.fRobert Mondavi Institute for Wine and Food Science, and
7.gDepartment of Viticulture and Enology, University of California, Davis, CA 95616
1.Edited by Todd R. Klaenhammer, North Carolina State University, Raleigh, NC, and approved July 2, 2010 (received for review March 10, 2010)
Abstract
Human milk contains an unexpected abundance and diversity of complex oligosaccharides apparently indigestible by the developing infant and instead targeted to its cognate gastrointestinal microbiota. Recent advances in mass spectrometry-based tools have provided a view of the oligosaccharide structures produced in milk across stages of lactation and among human mothers. One postulated function for these oligosaccharides is to enrich a specific “healthy” microbiota containing bifidobacteria, a genus commonly observed in the feces of breast-fed infants. Isolated culture studies indeed show selective growth of infant-borne bifidobacteria on milk oligosaccharides or core components therein. Parallel glycoprofiling documented that numerous Bifidobacterium longum subsp. infantis strains preferentially consume small mass oligosaccharides that are abundant early in the lactation cycle. Genome sequencing of numerous B. longum subsp. infantis strains shows a bias toward genes required to use mammalian-derived carbohydrates by comparison with adult-borne bifidobacteria. This intriguing strategy of mammalian lactation to selectively nourish genetically compatible bacteria in infants with a complex array of free oligosaccharides serves as a model of how to influence the human supraorganismal system, which includes the gastrointestinal microbiota.