Breastfeeding – rethinking the difficulties
J Pediatr (Rio J). 2003;79(6):561-6
Ao editor do Jornal de Pediatria,
O Jornal de Pediatria foi feliz em publicar recentemente duas pesquisas e um editorial, todos de elevado nível, sobre a s dificuldades da amamentação e a sua conseqüência – o desmame precoce. Carvalhaes e Corrêa procuraram detectar as dificuldades encontradas nas primeiras horas e dias do aleitamento, dificuldades essas que podem, inclusive, inviabilizá-lo (1).
Em editorial, Sonia Venancio – ela mesma com um histórico de implantação de práticas assistenciais saudáveis nas maternidades – insiste que a alta freqüência de mulheres com problemas no início da amamentação pode estar associada a práticas hospitalares inadequadas e até mesmo prejudiciais (2).
A pesquisa de Ramos e Almeida (3) tem uma abordagem totalmente diferente – trata-se de uma pesquisa qualitativa em saúde, que faz uma análise compreensiva das alegações das mães para o desmame precoce, verificando que a tomada da decisão é complexa e carregada de culpa, revelando a solidão/isolamento da mulher-mãe e sua necessidade desesperada de apoio.
Quanto às soluções apresentadas, Venancio (2) espera a sensibilização de gestores e profissionais de saúde para a ampliação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança em nosso meio. Carvalhaes e Corrêa (1) recomendam a avaliação da freqüência de comportamentos desfavoráveis à amamentação através da adoção rotineira de um protocolo difundido pela Unicef e baseado na observação do binômio mãe-recém-nascido durante a mamada. Escores ruins (desfavoráveis) constituem um sinal de alarme para o desmame imediato e poderiam aconselhar o prolongamento da internação na maternidade ou indicar intervenções de apoio em domicílio. Por sua vez, Ramos e Almeida (3) refletem a necessidade de reformulação do modelo assistencial atual, no sentido de substituir a simples promoção e repasse de informações por novos valores culturais que considerem a amamentação como um ato que precisa ser aprendido pela mãe e protegido pela sociedade. Evidentemente, todos têm sua parcela de razão, e as soluções apresentadas não conflitam, mas, antes, se completam.
Para trazer mais clareza ao debate é preciso lembrar que o apoio à amamentação se dá em duas etapas distintas. A primeira, e talvez mais importante, abrange as duas primeiras semanas de vida, o período mais vulnerável da amamentação. É nesse período que a decisão prévia da mãe de amamentar vai ser posta a prova, podendo ocorrer até mesmo a reversão da atitude da mãe que não pensava em amamentar. Amamentação inicial prazerosa e eficiente é o caminho para o estabelecimento do aleitamento materno; o contrário leva ao fracasso, mesmo em mães inicialmente dispostas a amamentar.
O que se pode fazer? O básico é corrigir as clássicas práticas assistenciais nas maternidades, prejudiciais ao aleitamento materno. Embora ainda não tenhamos atingido o ideal, já houve uma melhora substancial. É preciso atentar para o fato de que a oferta intempestiva de soro glicosado e de mamadeira possa ser não a causa, mas antes uma conseqüência das dificuldades da amamentação. Urge detectar precocemente essa dificuldade. Nesse sentido, é fundamental a observação das primeiras mamadas, guiada por um protocolo tipo formulário da Unicef, eventualmente modificado com contribuições como a de Tereza Sanches (4), fonoaudióloga do Centro de Lactação de Santos (Hospital Guilherme Álvaro, Faculdade de Ciências Médicas de Santos), e que deveria fazer parte obrigatória do prontuário de todas as maternidades. O objetivo é primeiro conscientizar a equipe que atende o binômio mãe-recém-nascido e, depois, selecionar os casos que necessitam de ações intensivas de apoio ao início do aleitamento (2).
Todos os profissionais de saúde envolvidos precisam substituir sua posição apenas de simpatia (ou, eventualmente, até de falta de consideração), possivelmente fruto de sua ignorância, por uma verdadeira empatia (sintonia, sentir o que o outro está sentindo). Isso, no entanto, implica transformar o simples repasse de informações num processo real de aprendizado, o que demanda apoio, estímulo e orientação técnica para evitar ou corrigir o inimigo número um do início da amamentação – a mamada ineficiente (“o bebê que não sabe mamar”) (5).
Para adequar as equipes de saúde da maternidade no manejo básico da amamentação, existe um curso, de 18 horas, Manejo e promoção do aleitamento materno (Unicef/OMS), o qual deveria se tornar também obrigatório, sem prejuízo da formação de grupos de elite no manejo da amamentação, que funcionariam nas maternidades tal como os grupos de prevenção de infecção hospitalar.
Um seguimento atento dos casos de risco deveria incluir a remarcação do dia da alta na maternidade, a marcação de retorno próximo, a visita domiciliar, o encaminhamento protocolado para unidades ambulatoriais de saúde “amigas da criança” (com peritos em aleitamento materno), a doutrinação da família e da comunidade. Neste ponto, a mídia deve mais uma vez ser acionada. Ela conseguiu a proeza de fixar na mente do público a necessidade dos seis meses de amamentação, mas, paradoxalmente, alimentou o conceito errado de que seis meses são suficientes.
A estratégia aqui delineada deveria ser a nova etapa do programa permanente de promoção do aleitamento materno. Não basta mais questionar os conceitos de “leite fraco” e “leite pouco”. Existe leite fraco? Existe leite pouco? É lógico que existe. A sabedoria popular está sempre certa, pois se baseia em observações empíricas; o que pode estar errado é a interpretação (mas isso acontece também com os mais doutos pesquisadores). Quando o bebê mama errado, não consegue extrair leite suficiente (“leite pouco”) e não chega a receber o leite mais calórico do fim (“leite fraco”). Isso pode levar o “bebê chorão” ou “bebê dorminhoco” à desnutrição, à desidratação e ao aumento da icterícia, erradamente dita “icterícia precoce do leite materno”, quando, na realidade, é a icterícia por ingestão insuficiente de leite materno.
Vencida uma difícil etapa de promoção do aleitamento materno, é hora de entrar fundo na nova fase de considerar a amamentação como um ato que precisa ser aprendido pela mulher-mãe (com a ampliação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança e treinamento dos respectivos profissionais de saúde) e protegido pela sociedade (3).
Jayme Murahovschi – Presidente do Centro de Lactação de Santos, Hospital Guilherme Álvaro, Faculdade de Ciências Médicas de Santos/Centro Universitário Lusíadas (Unilus). Presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da SBP.