Amamentação Exclusiva: segura, saudável e sustentável na ótica da mulher e dos movimentos sociais
É uma grande honra para as Amigas do Peito estar aqui, na abertura da Semana Mundial de Amamentação. Gostaria de lembrar que aqui estou, não enquanto profissional de saúde que sou e que muito me orgulho de ser, porque comprometida com a prevenção da saúde em sua forma mais integral.
Hoje aqui estamos, no coletivo, como sempre, enquanto Grupo de Mães Amigas do Peito. Aqui estou, no singular, enquanto mulher e mãe que viveu na prática a experiência de Amamentação Exclusiva, há mais de 20 anos atrás, quando isto ainda era uma utopia sonhada por poucos.
Gostaria de ressaltar que meu convite para falar hoje aqui se deve à participação das Amigas do Peito no II Congresso Ecologia do Parto e do Nascimento – Uma Celebração da Vida, que se deu em maio na UERJ. Isto foi uma vitória das mulheres e dos movimentos sociais na inclusãoda Amamentação em todos os eventos científicos ligados aos Direitos Reprodutivos. Não podemos continuar lutando separados e até competitivamente. Temos, todos nós, que ter um compromisso interdisciplinar, intersetorial e interinstitucional. Temos, todos nós que ajudar a clarear este elo indissolúvel entre Gravidez, Parto/Nascimento e Amamentação Fisiológicos. AMAMENTAÇÃO EXCLUSIVA FISIOLÓGICA É ECOLÓGICA!
Sendo esta a minha fala hoje, na ótica da mulher e dos movimentos sociais, é importante lembrar o quanto andam juntos ciência e cultura. Lembrar que as pessoas se sentem seguras em amamentar porque se pesquisa e se comprova que amamentar faz bem imunológicamente, psicológicamente, socialmente, etc. Mas lembrar também que só se pode pesquisar um fato se ele existe. Para se pesquisar todos estes aspectos da amamentação, foi preciso que as mulheres amamentassem exclusivamente, seguindo seu instinto, sua intuição, sua cultura e a observação de suas necessidades e as necessidades dos seus bebês, quando ainda se conhecia pouco ou nada sobre amamentação exclusiva.
Não podemos esquecer que Amamentação Exclusiva foi o recurso usado pelos humanos para preservar a espécie.
Poderíamos enumerar muitas publicações científicas que comprovam que Amamentação Exclusiva é segura, saudável e sustentável. Preferimos, no entanto, fazer um exercício de simplificar as coisas. Vamos simplesmente observar e facilitar. Acreditamos que Amamentação Exclusiva é uma parte da vida, e como tal deve ser refletida, discutida e estudada por todos que fazem parte da celebração da vida, da forma mais ampla possível. Não só por profissionais de saúde. Nem mesmo de Educação ou Ciencias Sociais. Mas por todos. Todos nós. E aqui convido a todos nós a nos incluirmos neste grupo, cada um no seu papel, e quase sempre em muitos papéis, seres múltiplos que somos.
Até os seis meses se recomenda hoje Amamentação Exclusiva. Um pouco mais, em casos de miséria e guerra. Um pouco menos, em casos de necessidade da volta ao trabalho por parte da mãe. Porque seis meses? Poderíamos justificar com comparações nutricionais do leite materno a outros leites ou alimentos. Mas preferimos simplificar e argumentar com coisas que todos podemos observar. Coisas que estão na nossa frente mas não enxergamos.
Porque em torno dos seis meses uma criança demonstra desejo de experimentar comer quando rodeada por familiares se alimentando. Porque nesta fase a criança se senta, é capaz de segurar e levar à boca um alimento, tem seus primeiros dentes despontando, está muito mais interessada no ambiente do que antes quando a mãe era seu foco de atenção. Porque nessa fase a mulher e mãe já está mais voltada para outros aspectos de sua vida, apesar de seu foco continuar a ser seu bebê. Porque nesta fase o homem e pai ou substituto está com um vínculo mais estabelecido com o bebê e poder alimentar seu filho tem um valor especial. Porque nesta fase a criança coloca muitos objetos sujos e contaminados na boca e não adoece pois já adquiriu anticorpos. Porque nesta fase se for descoberta uma alergia alimentar os riscos serão menos perigosos para a vida do bebê. Porque nesta fase começa a ficar mais fácil a atividade sexual do casal. Porque nesta fase o bebê aceita mais tranquilamente ser cuidado por outra pessoa e ser alimentado por outra pessoa podendo compreender melhor que sua mãe nutridora desaparece mas aparece, vai mas volta. Porque nesta fase os intestinos do bebê estão mais competentes, já não existem tantas cólicas, ele é capaz de digerir sem transtornos.
Parece que esquecemos que durante os nove meses de vida intra-uterina fomos alimentados via sanguínea. Não havia alimentação oral, nem digestão, mesmo que engulíssemos e excretássemos um pouco de líquido amniótico. Pensando assim, parece até que seis meses é ainda pouco para nos acostumarmos com tantas mudanças. Em poucos minutos passamos do meio líquido para o aéreo, respiramos, inflando nossos pulmões pela primeira vez. Saímos do dentro para o fora. Da água para o ar. Do contido para o aberto. Do movimento contínuo para o parado. Do acompanhamento constante para a experiência de solidão. Das vozes longínquas ouvidas de lá de dentro para os sons fortes ouvidos cá fora. Usamos nosso olfato pela primeira vez. E também, e ainda, outra alimentação. Depois do nascimento passamos a cavar o pão nosso de cada dia, produzindo nosso alimento/leite com a nossa própria sucção. Amamentação exclusiva é uma poderosa maneira de nos adaptarmos da vida intra-uterina para a vida extra-uterina. Amamentação exclusiva é um cordão umbilical aqui fora por mais alguns meses, um cordão mágico, que tem o poder de se desconectar e se conectar. E refazer isso tantas vezes até que se torne menos ameaçador e arriscado. Nos separamos, como no parto. Mas podemos voltar a nos unir. Morremos numa vida para viver em outra.
Vamos aprimorando o processo, longo aprendizado, mais fácil para alguns, muito difícil para outros, diferente a cada dia para todos. Quando começamos a nos sentir confortáveis na nova condição, sentimos desejo de conhecer coisas novas. Nosso caminho natural é o desenvolvimento. Tantas regras rígidas parecem mostrar que não se acredita nesta lei da natureza. Já muito ajuda quem não atrapalha, já dizia minha avó.
Ainda hoje, no Brasil e em todo o mundo muita gente é atrapalhada no seu percurso natural de amamentação exclusiva. Atrapalhada por gestações e partos desassistidos ou violentos, por relações familiares e sociais injustas e desequilibradas, por atendimento médico inadequado, por miséria, guerra e injustiça social, por falta de orientação contraceptiva adequada, por propaganda enganosa e anti-ética, por se ter rompido o elo da experiência cultural de amamentação exclusiva, por preconceito, ignorância, medo, solidão…
Nos perguntamos por que, então, amamentação exclusiva é ainda tão boicotada socialmente. Por que a OMS (Organização Mundial de Saúde) indica seis meses exclusivos e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) reduz a licença maternidade? A única resposta aceitável é de que como humanos somos ambivalentes, estamos sempre num movimento pendular entre acreditar ou não na força da vida. Sabemos na prática que amamentar exclusivamente provoca mudanças radicais de comportamento para as quais às vêzes não estamos preparados. Produz vínculos para os quais não estamos prontos e dos quais temos medo. Amamentação exclusiva produz solidariedade, confiança, segurança, saúde, lealdade, comprometimento, prazer, alegria e ainda por cima é mais econômico. Amamentação exclusiva dá lucro para produtor e consumidor. Não aceita intermediários nem especuladores. Amamentação exclusiva não polui o meio ambiente. Amamentação exclusiva tem repercussões mais longe do que a vista alcança.
Não podemos desvincular Amamentação Exclusiva de todas as lutas da humanidade em prol da vida: ecologia, direitos de gêneros e etnias, direitos reprodutivos, justiça social, educação para a paz. Amamentação exclusiva é acreditar na nossa capacidade de sermos auto-sustentáveis, ecológicos e protagonistas da nossa história.
*Este texto foi lido na Abertura da Semana Mundial de Amamentação, promovida pelo Grupo Técnico Interinstitucional de Aleitamento Materno do PAISMCA – Programa de Assistencia Integral à Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescenteem 1/9/2004 no Auditório da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro