ALUNO em ALEITAMENTO MATERNO
(republicação com texto corrigido)
Marcus Renato de Carvalho*
Aluno veio do latim alumnus, “criança de peito, lactente, menino” e, por extensão de sentido, “discípulo”. O verbo ao qual se liga éalere, “fazer aumentar, nutrir, alimentar”. Sérgio Rodrigues do Blog sobrepalavras
No início da carreira, me apaixonei pela amamentação e o seu entorno (humanização do nascimento, paternidade, mãe-canguru), e, quanto mais estudava, mais convencido estava da sua importância e mais queria saber. Como todo iniciante, acabei “me achando”, já me sentia um expert, e cometi erros por esta postura…
No início dos anos 90 tive a felicidade de ganhar uma bolsa da OPAS/OMS e fazer um curso em um centro de excelência nos Estados Unidos – o Wellstart International**, na Califórnia. Essa instituição ministrava o curso para equipes de vários países e havia versões também em russo, espanhol e francês. Um curso de alto nível com duração de 40 dias, o que me causou estranheza: precisava de tanto?
Como ignorante, desconhecia o tamanho da minha incipiência; colocando-me no meu devido lugar, fiz o melhor curso da minha vida e, empolgado, apresentei uma segunda monografia extra – um plano para implementar políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento nos países latino-americanos. No meu confortável quarto em um apart-hotel colocaram um computador, que logo precisou ser trocado, pois só entendia russo. Participava das aulas durante todo o dia e à noite estudava – com apoio de um material didático espetacular, (e ainda saí de lá com uma caixa de slides, mamas pedagógicas, livros e muita vontade de atuar…) Uma das aulas que me marcaram ocorreu no zoológico de San Diego, onde estudamos lactação entre mamíferos, comparando o conteúdo do leite de cada espécie com as características do crescimento e do desenvolvimento de suas crias. Estava certo de que os mamíferos, para que assim fossem classificados, não apenas eram aptos de produzir leite como eram capazes de amamentar instintivamente; pois eis que nos deparamos com uma gorila em cativeiro que, apesar dos esforços dos biólogos e veterinários com vídeos de outros animais de sua espécie, não conseguiu amamentar. Foi um exemplo de como a amamentação não é inata, e sim uma habilidade, uma cultura que precisava ser “repassada” de alguma forma. Embora a prole da mãe primata não tivesse sido amamentada, o episódio me nutriu com conhecimento. Voltei mais sabido, com um título de especialista, porém mais humilde e mais disposto a ser aluno do que professor ou consultor, como me sentia no início da carreira.
Hoje, em comemoração aos meus 30 anos “de aleitamento”, confesso que sou um eterno aluno, um lactente, um menino que aprende com cada família que atende no ambulatório da Universidade, com meus alunos e com os pacientes e suas histórias no consultório da clínica especializada em aleitamento.
Citando Emmanuel, todos deveriam: aprender para ensinar e, ensinar para aprender.
Agradeço ao Sérgio Rodrigues, jornalista e escritor, por me ajudar a descobrir a etimologia da palavra e do verbo que significam tanto para a minha trajetória profissional – nutrir, alimentar, amamentar…
Obrigado também a Nayara Alves, minha aluna de Medicina, (e eu seu aluno em Letras) por suas críticas e sugestões ao texto.
* Marcus é Pediatra, Docente da Faculdade de Medicina da UFRJ, autor e coautor de alguns livros sobre amamentação e editor do www.aleitamento.com
** Wellstart International http://wellstart.org/ é uma organização americana sem fins lucrativos. Foi idealizada originalmente como coordenadora do Programa de Aleitamento de San Diego em 1979/80. Inicialmente, este programa pertencia ao Departamento de Medicina de Família e Comunidade da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia. Em 1983, com o financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) adicionou o Programa de Gestão da Educação em Amamentação. O que incluía trazer equipes multidisciplinares de prestadores de cuidados de saúde com algum nível de liderança (Obstetras, Pediatras, Médicos de Família, Enfermeiros, Nutricionistas, Parteiras…) de hospitais de ensino de vários países que juntos fariam por quatro semanas um treinamento em manejo clínico da lactação e desenvolvimento de habilidades e, por uma semana, o planejamento de um programa que iriam realizar ao voltarem para seus países.