Summary
Gribble (2009) perguntou diretamente aos lactentes o que eles pensavam do leite materno e como se sentiam quando mamavam. "Delicioso", "tão gostoso quanto o chocolate" e "melhor que sorvete", foram as palavras literais de algumas crianças, e assim foi finalmente intitulada a investigação. Bebês com mais de dois anos descreveram claramente como mamar os fazia sentir bem, confortáveis ou felizes. Compararam o sabor do leite com alimentos como laranja, morangos ou doces.
Gabrielle Gimenez*
A amamentação não é simplesmente um método de alimentação infantil, ela é um relacionamento entre duas pessoas, com repercussão na saúde de ambas. A opinião da criança como coprotagonista dessa relação, precisa ser levada em conta.
Quando o tema amamentação entra em pauta é comum escutarmos expressões como “alimentação padrão ouro” ou “o leite materno é o melhor alimento para o bebê” e explicações sobre sua inigualável composição, entre outras vantagens que oferece do ponto de vista nutricional e imunológico.
Tudo isso está amplamente documentado por numerosas evidências científicas e não há do que discordar. Só não podemos limitar o nosso discurso a esse aspecto porque ele não ajuda a romper com o caráter reducionista que a nossa cultura atribui à amamentação. Porque ela é vista apenas como uma entre tantas formas de alimentar uma criança.
Nesse contexto, a importância da amamentação como um relacionamento essencial, uma ferramenta para construir e fortalecer o vínculo entre mãe e bebê, bem como um processo abrangente com impacto na saúde física e emocional de ambos, frequentemente fica em segundo plano. É preciso então intensificar a divulgação de informação adequada nesse sentido, já que existem evidências suficientes a respeito.
A amamentação é um relacionamento
Quando se perde o conceito da amamentação como relacionamento e a repercussão ampla que possui sobre inúmeros aspectos da saúde, desenvolvimento e vínculo do ser humano, diminuímos o seu valor real e minimizamos as perdas e riscos envolvidos na sua ausência ou ruptura precoce.
É o que acontece na nossa sociedade. A concepção distorcida em relação à amamentação se manifesta na maneira equivocada com que o desmame é frequentemente considerado, ou seja, como mera troca de alimentos, leite humano por leite de vaca/fórmula infantil.
Por outro lado, o desconhecimento da evidência disponível ou a má interpretação das recomendações oficiais, leva a que a amamentação por mais de seis meses ou um ano seja vista com maus olhos. Precisamos lidar com o termo “amamentação prolongada”, que sequer deveria existir. A amamentação não precisa de rótulos porque é amamentação pura e simples pelo tempo que ela durar. Prova disso é a inexistência de período máximo recomendado ou tempo limite para a consolidação do desmame.
A necessidade de ouvir a outra parte
Relacionar-se com outra pessoa significa olhar a vida levando em conta a sua perspectiva das coisas também. Respeitar as diferenças. Aprender a avançar, ceder e retroceder. Quando precisamos tomar decisões em conjunto, colocamos todas as cartas sobre a mesa. Escutamos as partes envolvidas e os seus argumentos. Buscamos chegar a um denominador comum, que seja bom para todos.
E se a amamentação é um relacionamento, precisaríamos levar em conta o que ela significa para a criança, o outro sujeito dessa relação. Não apenas quanto aos benefícios recebidos por ela, mas pela maneira como a criança vive e experimenta ser amamentada.
Em um panorama em que o desmame precoce é a regra, e amamentar crianças que já tem dentes, andam e falam é visto como desnecessário, muitas mulheres são levadas a interromper a amamentação antes do que gostariam e sem ouvir a criança. Mas o que elas diriam sobre a amamentação se pudessem expressar sentimentos e vontades?
Isso já foi objeto de análise. Gribble (2009)1 perguntou diretamente aos lactentes o que eles pensavam do leite materno e como se sentiam quando mamavam. “Delicioso”, “tão gostoso quanto o chocolate” e “melhor que sorvete”, foram as palavras literais de algumas crianças, e assim foi finalmente intitulada a investigação. Bebês com mais de dois anos descreveram claramente como mamar os fazia sentir bem, confortáveis ou felizes. Compararam o sabor do leite com alimentos como laranja, morangos ou doces.
O que dizem os lactentes falantes
Quando perguntei aos gêmeos, em momentos diferentes, que gosto tinha o meu leite, tanto Beatriz quanto Matias responderam que tinha gosto de morango, ou de sorvete de morango. Mati me disse uma vez que adorava “mamar para sonhar”, e quando eu perguntei o porquê, ele me respondeu: “Porque é mais gostosíssimo para dormir”. Algum tempo depois do desmame, vendo imagens sobre amamentação, ele me disse que gostava muito de mamar, que isso o fazia feliz. E eu fico feliz de poder ter proporcionado isso a eles pelo tempo que eles precisaram e quiseram.
Trouxe essa discussão para o meu perfil do Instagram em mais de uma oportunidade e foi incrível ler as respostas às publicações. As mães relataram que as crianças associavam o sabor do leite a frutas ou outros alimentos. Na lista aparecem das mais variadas como uva verde, morango, maracujá, manga, banana, limão, coco e melancia. Entre os alimentos, pepino, cenoura, pizza, macarrão, pão, cappuccino, chocolate, doce de leite e iogurte. Também apareceu associação de sabor com tutti-frutti ou baunilha, à consistência como “muito cremoso” e algumas, bastante curiosas, como arco-íris e amarelo.
No entanto, foi interessante ver como as crianças associavam o peito a coisas abstratas. Muitas disseram que o leite tinha gosto de mamãe ou de amor. E outras utilizaram expressões literais como “leite do sonho” e “remedinho do dodói”, “sinto amor e calma no coração quando mamo”, ” o peito é fofo e confortável”, “tenho tristeza de leite e preciso mamar”.
Repercussões do diálogo
O clima nos comentários era de ternura, gratidão e bom humor. Muitas mães manifestaram sentir-se acolhidas vendo tantas outras mães amamentando crianças maiores. Outras ficaram intrigadas com a proposta, pois nunca haviam perguntado ou conversado com o seu filho sobre o tema e se sentiram desafiadas a fazê-lo. Algumas mencionaram, que apesar do cansaço e dos desafios da amamentação e da maternidade, escutar dos seus filhos o que significava a amamentação para eles dava sentido a todo o esforço e as ajudavam a seguir adiante. Mães de bebês menores se mostraram ansiosas pelo momento em que elas mesmas poderiam perguntar e obter respostas.
Os lactentes associam o leite materno aos sabores dos seus alimentos favoritos, e reconhecem na amamentação uma aliada na hora de dormir, uma fonte de consolo e regulação emocional, além de um calmante eficiente em situações difíceis como períodos de doença, quedas ou machucados.
Resulta mais do que claro que a amamentação é muito mais que uma forma de alimentação. É relacionamento, é vínculo, é algo delicioso.
Amamentar na cultura do desmame é desafiador. A pressão que as lactantes sofrem pode levá-las a duvidar de se estão fazendo a coisa certa ao manter a amamentação, ou a taxar comportamentos normais da criança de forma negativa. Pelo nosso próprio bem e pelo bem dos nossos filhos, precisamos nos libertar de toda essa negatividade para poder viver a amamentação do começo ao fim com a leveza que ela merece.
* @gabicbs é Puericultora, mãe de três, editora especial do portal aleitamento.com e autora do livro “Leite Fraco? – Guia prático para uma amamentação sem mitos”.
1 Gribble, Karleen. (2009). ‘As good as chocolate’ and ‘better than ice cream’: How toddler, and older, breastfeeders experience breastfeeding. Early Child Development and Care. 179. 1067-1082. 10.1080/03004430701764176.
Leia mais sobre esse tema no novo livro: Dizeres dos Bebês sobre a Amamentação de Ludmila Tavares Costa Ercolin, ISBN 978-65-86160-24-6. 1ª ed. 2023. Editora: Instituto Langage