Summary
Influenciador não é profissão. Já passou da hora de os criadores de conteúdo se elidirem desse termo narcisista, cabotino e esvaziado. Cabe aos outros dizer que determinada pessoa exerce ou não uma influência sobre suas escolhas, jamais ela própria. Esse excesso de presunção e autoidolatria, impulsionadas pela ilusão dos likes e do engajamento, pode não ser a razão, mas tem ajudado muito a jogar uma atividade, em princípio interessante, inovadora e acessível, no lamaçal da rapinagem. Os dilemas da Ética X Conflito de interesses...
A tal da “influência”
‘Influenciar não é o primeiro passo de um comunicador; é a consequência’
Bruno Astuto – Revista Ela / O Globo em 31/12/2023
Aviso para 2024 aos navegantes da internet: influenciador não é profissão. Já passou da hora de os criadores de conteúdo se elidirem desse termo narcisista, cabotino e esvaziado. Cabe aos outros dizer que determinada pessoa exerce ou não uma influência sobre suas escolhas, jamais ela própria. Esse excesso de presunção e autoidolatria, impulsionadas pela ilusão dos likes e do engajamento, pode não ser a razão, mas tem ajudado muito a jogar uma atividade, em princípio interessante, inovadora e acessível, no lamaçal da rapinagem.
As redes sociais deram voz aos excluídos
As mídias digitais abriram as portas para diferentes pontos de vista. Deram voz a pessoas antes excluídas do universo da comunicação por critérios de cor, gênero, situação econômica e até naturalidade. Era muito mais difícil, por exemplo, um criador de conteúdo do Norte ou do Nordeste fazer chegar seus pensamentos, suas ideias e seus produtos à esfera nacional. A internet não só conectou o mundo, como também as ilhas culturais e sociais dentro de um mesmo país.
Toda inovação, no entanto, traz conflitos éticos a que a legislação demora a se adaptar, criando um terreno fértil para estelionatários agirem impunemente.
É com isso que os comunicadores sérios devem ter cuidado. Existem trapaceiros em todas as profissões, mas a maioria delas está consolidada e já criou seus mecanismos de controle. O que está acontecendo hoje no mercado de marketing de “influência” é um vácuo regulamentar que só está prejudicando quem se dedica seriamente a ele e, acima de tudo, o consumidor.
Então vamos entender qual o futuro desse setor que movimenta US$ 34 bilhões no mundo.
Influenciar não é o primeiro passo de um comunicador; é a consequência de um laudo trabalho de estudo, pesquisa de formas e conteúdo, coerência e, por favor, credibilidade.
Conflito de interesses?
Esta exige muito de quem pretende conversar com o público, uma vez que é construída sobre o maior desafio da Humanidade: escolhas. Quem escolhe deve aprender a renunciar. Dizer não ao dinheiro fácil, aos esquemas. Porque a internet mudou muita coisa, mas não todas. Qualquer carreira consistente, seja analógica, seja digital, começa pela ética.
Antes de partir para uma audiência, um legítimo comunicador precisa letrar-se nas questões de hoje: os pleitos dos movimentos sociais, as sensibilidades históricas, o entendimento de que nem todo mundo tem acesso às mesmas coisas. Mas muita gente quer aprender e conhecer realidades diferentes. E, para lhes apresentar, é necessário ter humildade, critérios, didática, o que se consegue com a leitura de jornais, livros, artigos. Não só posts.
O verdadeiro criador de conteúdo vai atrás de uma história única, uma exposição diferente, uma dica imperdível, um relato de experiência, comentários sobre uma nova pesquisa, um livro interessante. Tem a habilidade de transformar o incomum num sonho adaptável. Constrói uma programação não apenas publicitária; lembre-se que os comerciais estão no intervalo da novela, não o contrário. Ele não posta a si mesmo em situações únicas para simplesmente dizer: “Estou aqui, olha como sou chique” – pura ilusão. É preciso ter responsabilidade sobre o privilégio, compartilhando não apenas experiências, looks, glórias e certezas, mas também dúvidas, exemplos, histórias, ideias, heróis. Entusiasmar-se pelo belo, mas também se insurgir contra aquilo que avilta a condição humana: a trapaça, a ignorância, o preconceito e a desigualdade.
Agir a serviço do outro, não do ego. Eis a única maneira pela qual um verdadeiro comunicador pode evitar ser confundido com os trapaceiros: levantar-se da cama não para influenciar, mas para inspirar.