Método Mãe Canguru: aplicação no Brasil, evidências científicas e impacto sobre o aleitamento materno
Kangaroo Mother Care: scientific evidences and impact on breastfeeding
J Pediatr (Rio J). 2004;80(5 Supl):S173-80: Método Mãe Canguru, Cuidado Mãe Canguru, contato pele a pele.
Objetivo: Descrever o histórico do Método Mãe Canguru e apresentar evidências científicas sobre os benefícios dessa prática para os bebês de baixo peso no tocante a morbimortalidade, desenvolvimento psicoafetivo, neurossensorial e amamentação.
Fontes dos dados: Foram consultadas publicações sobre o Método Mãe Canguru abrangendo o período de 1983 até 2004, identificadas nas bases de dados MEDLINE e Lilacs, bem como livros, teses e publicações técnicas do Ministério da Saúde.
Síntese dos dados: Desde sua primeira descrição, o Método Mãe Canguru tem sido amplamente estudado. A análise de experimentos randomizados mostrou que o mesmo consiste em fator de proteção para a amamentação exclusiva no momento da alta hospitalar (RR 0,41; IC95% 0,25-0,68). O método também está associado a redução do risco de infecção hospitalar com 41 semanas de idade gestacional corrigida (RR 0,49; IC95% 0,25-0,93); redução de enfermidades graves (RR 0,30; IC95% 0,14-0,67); redução de infecções do trato respiratório inferior aos 6 meses (RR 0,37; IC95% 0,15-0,89); e maior ganho ponderal diário (diferença de médias de 3,6 g/dia; IC95% 0,8-6,4). O desenvolvimento psicomotor foi semelhante entre bebês submetidos ao Método Mãe Canguru e controles aos 12 meses, e não houve evidências de impacto sobre a mortalidade infantil.
Conclusões: Há evidências de impacto positivo do Método Mãe Canguru sobre a prática da amamentação. Embora o método pareça reduzir a morbidade infantil, as evidências são ainda insuficientes para que o mesmo seja recomendado rotineiramente. Por outro lado, não existem relatos sobre efeitos deletérios da aplicação do método. Há a necessidade de se realizar estudos sobre a efetividade, aplicabilidade e aceitabilidade do Método Mãe Canguru em nosso meio.
O Método Mãe Canguru (MMC), também conhecido como “Cuidado Mãe Canguru” ou “Contato Pele a Pele”, tem sido proposto como uma alternativa ao cuidado neonatal convencional para bebês de baixo peso ao nascer (BPN). Foi idealizado e implantado de forma pioneira por Edgar Rey Sanabria e Hector Martinez em 1979, no Instituto Materno-Infantil de Bogotá, Colômbia, e denominado “Mãe Canguru” devido à maneira pela qual as mães carregavam seus bebês após o nascimento, de forma semelhante aos marsupiais. Era destinado a dar alta precoce para recém-nascidos de baixo peso (RNBP) frente a uma situação crítica de falta de incubadoras, infecções cruzadas, ausência de recursos tecnológicos, desmame precoce, altas taxas de mortalidade neonatal e abandono materno. O novo programa domiciliar de atenção ao RNBP era baseado nos seguintes princípios: a) alta precoce independentemente do peso, desde que o bebê apresentasse condições clínicas estáveis; b) não-utilização de fórmula infantil, e sim apenas leite materno; c) incentivo ao contato pele a pele precoce entre mãe e bebê, sendo o mesmo colocado entre as mamas; e d) manutenção do bebê em posição vertical. Essa iniciativa contou com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o qual divulgou amplamente seus resultados, especialmente no tocante à redução da mortalidade, aos benefícios psicológicos e ao baixo custo (1).
Apesar dos questionamentos acerca das vantagens do MMC, que surgiram em função da não-comparação desses resultados iniciais com resultados obtidos em um grupo controle, vários países europeus adotaram a prática, e suas pesquisas confirmaram em grande parte os achados iniciais (2). Ao longo das últimas décadas, diversos serviços adotaram o MMC, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostrando possibilidades de adaptação da proposta em diferentes contextos de acesso à tecnologia na assistência neonatal.
Os primeiros experimentos realizados em países desenvolvidos indicaram que o método era seguro em termos de resposta fisiológica do recém-nascido (RN) e que oferecia benefícios em relação à prática da amamentação e redução de hospitalizações, além de reduzir o choro dos bebês aos 6 meses de vida (3,4). Dois experimentos realizados em países em desenvolvimento mostraram que o MMC era seguro quanto à mortalidade, podendo reduzir a morbidade grave e evitar reinternações (5,6).
Em meados da década de 90, um grupo de pesquisadores e profissionais de saúde de diversos países com experiência em MMC reuniram-se em Trieste, Itália, para discutir a efetividade, segurança, aplicabilidade e aceitabilidade desse tipo de atenção ao RNBP em diferentes localidades. Com base nas pesquisas já realizadas e nos relatos de experiências de diferentes serviços, o grupo concluiu que o MMC tinha potencial para melhorar a saúde e a sobrevivência de RNBP, particularmente naqueles locais onde os recursos são limitados. Porém, benefícios tanto para as mães quanto para os bebês também podem ser obtidos nos locais onde se dispõe de tecnologia, casos em que o método contribui para a humanização da assistência neonatal e para um melhor vínculo mãe-bebê (7).
Esta revisão tem por objetivo demonstrar evidências científicas sobre os benefícios do MMC no tocante à amamentação, bem como seu impacto sobre a morbidade e a mortalidade infantis, aspectos psicoafetivos e neurossensoriais.
O MMC no contexto brasileiro
No Brasil, os primeiros serviços que aplicaram o MMC foram o Hospital Guilherme Álvaro, em Santos (SP), em 1992, e o Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), em 1993. Em 1997, o modelo adotado pelo IMIP foi reconhecido pela Fundação Getúlio Vargas na premiação “Gestão Pública e Cidadania”, sendo também premiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como Best Practice (8). A partir desse momento, houve uma considerável expansão do MMC no País, o que contribuiu para a sua definição como uma política pública, assim como ocorre em outros quatro países: Colômbia, Indonésia, Moçambique e Peru (9).
No ano 2000, o Ministério da Saúde do Brasil aprovou a Norma de Atenção Humanizada ao RNBP (MMC), recomendando-a e definindo as diretrizes para sua implantação nas unidades médico-assistenciais integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS). A Norma do Ministério propõe a aplicação do método em três etapas, iniciando nas unidades neonatais (unidades de terapia intensiva neonatal – UTIN, e unidades de cuidados intermediários), passando às unidades canguru (ou alojamento conjunto canguru) e, após a alta hospitalar, nos ambulatórios de seguimento (canguru domiciliar). Na primeira etapa, preconiza-se acesso precoce e livre dos pais à UTIN, estímulo à amamentação e participação da mãe nos cuidados do bebê, bem como início do contato pele a pele logo que as condições clínicas do bebê permitam. Na segunda etapa, mãe e bebê permanecem em enfermaria conjunta, e a posição canguru deve ser realizada pelo maior tempo possível. Os critérios de elegibilidade para a permanência nessa enfermaria são disponibilidade materna, capacidade materna de reconhecer as situações de risco do RN e habilidade para a colocação da criança em posição canguru. Além disso, os bebês devem ter alcançado estabilidade clínica, nutrição enteral plena, peso mínimo de 1.250 g e ganho de peso diário maior que 15 g. Os critérios para alta hospitalar, com transferência para a terceira etapa, são: segurança materna quanto aos cuidados do bebê; motivação e compromisso para a realização do método por 24 horas/dia; garantia de retorno à unidade de saúde de maneira freqüente; peso mínimo de 1.500 g; criança com sucção exclusiva ao seio; ganho de peso adequado nos 3 dias que antecedem a alta hospitalar; e condição de recorrer à unidade hospitalar de origem a qualquer momento enquanto estiver na terceira etapa, que se encerra, em geral, quando o peso do bebê atinge 2.500 g (10).
Silva (11), analisando as normas e rotinas definidas pelo Ministério da Saúde, identificou cinco pilares na proposta brasileira: (1) cuidados individualizados, centrados nos pais (intervenção centrada na família); (2) contato pele a pele precoce (estimulação adequada e prazerosa, com integração sensorial); (3) controle ambiental de luz e som (para evitar estimulação aversiva e inadequada); (4) adequação postural (prevenção de futuras distonias nos RN prematuros); e (5) amamentação (favorecendo vínculo e prevenção de doenças no primeiro ano de vida).
Pode-se dizer que o desenvolvimento da proposta de Atenção Humanizada ao RNBP – MMC no Brasil sofreu forte influência da Colômbia, que norteou as linhas gerais do programa (presença da mãe, contato pele a pele, aleitamento materno e possibilidade de alta precoce), e também de outras experiências de cuidados com bebês prematuros, como o Programa de Avaliação e Cuidados Individualizados para o Desenvolvimento do Neonato (Newborn Individualized Development Care and Assessment Program – NIDCAP), que se baseia na teoria do desenvolvimento síncrono-ativo (12). Segundo essa teoria, o equilíbrio do funcionamento do bebê prematuro é estabelecido por cinco subsistemas (autonômico, motor, de estados, de atenção/interação e regulador), que são interligados e interagem entre si. A desorganização de um subsistema sobrecarrega os outros e influencia negativamente o bebê, assim como a organização de um subsistema influencia positivamente os demais, permitindo um equilíbrio no organismo.
O MMC aplicado no Brasil pode ser considerado um programa de intervenção complexo e abrangente, que leva em consideração o desenvolvimento global do bebê e o meio em que ele está inserido. Tem como objetivo a humanização da assistência ao RNBP, e não a substituição da tecnologia nas UTIN (10).
Evidências científicas sobre o papel do MMC na redução da morbidade e mortalidade infantis
Desde sua primeira descrição, o MMC tem sido amplamente estudado (6,13-16), embora existam poucos estudos com metodologia científica adequada para a avaliação de seu impacto sobre morbidade e mortalidade.
Uma revisão sistemática realizada pela Cochrane Library, atualizada em fevereiro de 2003, identificou apenas três estudos comparando o MMC com o cuidado convencional de atenção ao RNBP que respeitavam o critério para inclusão na análise, que era a alocação aleatória dos bebês abaixo de 2.500 g no grupo canguru ou controle (17). O primeiro estudo, realizado em um hospital do Equador (5), analisou a evolução de bebês com peso de nascimento inferior a 2.000 g, não-gemelares e que não haviam apresentado graves anormalidades congênitas, respiratórias, metabólicas ou infecciosas. Foram alocados aleatoriamente 140 bebês no grupo canguru e 160 bebês no grupo controle, sendo que os bebês do grupo canguru foram mantidos em contato pele a pele e amamentados em livre demanda, enquanto os bebês do grupo controle permaneceram em incubadoras ou berços aquecidos e foram amamentados com horários predefinidos. O segundo estudo, realizado na Colômbia (18), pesquisou bebês com peso de nascimento igual ou inferior a 2.000 g, com mãe ou parente disponível para participar do programa e sem planos de deixar Bogotá em futuro próximo, que não apresentaram malformações congênitas ou problemas perinatais detectados precocemente. De um total de 777 RN, 396 foram alocados randomicamente no grupo canguru, tendo permanecido 24 horas por dia em contato pele a pele, recebendo leite materno regularmente, embora fórmula infantil fosse administrada se necessário. O terceiro estudo foi realizado em três hospitais, na Etiópia, Indonésia e México (19), com RN cujo peso de nascimento variou entre 1.000 e 1.999 g, sem dependência de oxigênio e/ou líquidos intravenosos, com habilidade para mamar e sem malformações. De um total de 463 bebês, 178 foram excluídos, não sendo conhecido o número de RN inicialmente alocados em cada um dos grupos. Os bebês do grupo canguru foram mantidos em contato pele a pele contínuo, dia e noite, incluindo os períodos de sono materno.
Os principais achados dessa revisão, que envolveu um total de 1.362 bebês e utilizou métodos padronizados da Cochrane Collaboration para a condução da análise estatística, foram os seguintes (entre parêntesis apresentam-se os riscos relativos e respectivos intervalos de confiança):
O MMC apresentou-se associado a redução do risco de infecção hospitalar com 41 semanas de idade gestacional corrigida (RR 0,49; IC95% 0,25-0,93); redução de enfermidades graves (RR 0,30; IC95% 0,14-0,67); e redução de infecções do trato respiratório inferior no seguimento de 6 meses (RR 0,37; IC95% 0,15-0,89).
Bebês submetidos ao MMC tiveram maior ganho de peso diário (diferença de médias de 3,6 g/dia; IC95% 0,8-6,4).
O desenvolvimento psicomotor foi semelhante nos dois grupos aos 12 meses de idade corrigida.
Não houve evidências de diferenças na mortalidade infantil comparando-se os dois grupos.
Os autores responsáveis pela revisão concluem que, embora o MMC pareça reduzir a morbidade infantil, as evidências são ainda insuficientes para que o método seja recomendado rotineiramente, pois alguns questionamentos feitos acerca da metodologia dos ensaios incluídos enfraquecem a credibilidade dos achados. Apontam também a necessidade de realização de mais experimentos randomizados, controlados e bem desenhados. Por outro lado, os mesmos autores reconhecem que não existem relatos sobre efeitos deletérios da aplicação do MMC (17).
Recentemente, estudo randomizado controlado realizado em dois hospitais na África do Sul mostrou que bebês submetidos ao contato pele a pele alcançaram melhores resultados na estabilização fisiológica quando comparados a bebês que permaneceram em incubadoras (20).
Evidências de benefícios psicoafetivos relacionados ao MMC
A separação do bebê de sua família, principalmente de sua mãe, imposta pelas condições clínicas do bebê doente e por normas das UTIN convencionais, pode levar a uma interferência negativa na formação dos laços afetivos, o que pode afetar o posterior desenvolvimento psicoemocional desse bebê.
Existem evidências de que um contato íntimo da mãe com seu bebê prematuro pode interferir positivamente na relação desse bebê com o mundo. A pele, maior órgão do corpo, recebe estímulos sensoriais de várias magnitudes, e o contato pele a pele, que no MMC implica o contato cutâneo corpo/tórax entre o bebê prematuro e sua mãe, pode promover várias mudanças no organismo tanto de um como do outro. O conhecido efeito do contato pele a pele como um estimulador da liberação de ocitocina parece desempenhar um importante papel no comportamento da mãe e afetar positivamente o seu humor, facilitando o contato com o bebê (21). Em 1989, Affonso et al. (22), em um estudo com 33 mães que realizaram o contato pele a pele com seus bebês prematuros e um grupo controle, observaram uma tendência a maior estabilidade emocional nas mães que utilizaram essa prática. Relataram também maior sentimento de confiança e competência em comparação com as mães dos bebês que receberam cuidados convencionais. Sinais de estabelecimento de uma relação afetiva mais precoce com o bebê e maior proximidade dos pais nos seus cuidados e no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento foram relatado por Charpak et al. (23) e Reichert et al. (24) em outros estudos.
Em uma pesquisa envolvendo 488 mães de bebês prematuros, Tessier et al. (25) observaram que aquelas que realizaram o MMC se sentiram mais competentes e apresentaram melhor percepção das competências do bebê. Além disso, apresentaram menos sentimentos de estresse mesmo quando a estadia hospitalar foi prolongada. Vantagens como melhor relação com o bebê, com a equipe, melhor aceitação dos cuidados recebidos pelo bebê na UTI e maior segurança nos cuidados foram sentimentos também relatados por pais que participaram de um Programa Canguru relatado por Rapisardi et al. (26). O relato desses sentimentos subjetivos pode ser entendido como sinais positivos indiretos de formação de vínculo afetivo favorecido pelo MMC e poderiam ser indicadores positivos para uma maior participação dos pais nos cuidados e na estimulação dos bebês, permitindo a eles uma atenção mais continente e mais individualizada (27).
Por outro lado, a separação prolongada entre mãe e bebê pode interferir negativamente na formação do vínculo afetivo. Klaus & Kennel (28) descreveram a prematuridade e a internação prolongada como fatores de risco para atraso do desenvolvimento, maus-tratos familiares e mesmo abuso, atribuindo a gênese desses problemas ao afastamento da criança imposto à família. Uma pesquisa prospectiva australiana com 353 bebês nascidos com peso menor que 1.000 g e que foram cuidados em unidades neonatais convencionais identificou, após a avaliação de 167 casos encaminhados, 80 crianças com quadro comprovado de maus-tratos, os quais não puderam ser relacionados com presença de deficiências, causas médicas ou perinatais, tendo sido principalmente relacionados a fatores parentais (29).
Evidências de benefícios neurossensoriais relacionados ao MMC
O bebê prematuro nasce em um período de rápido e pleno processo de maturação, principalmente no que se refere à maturação cerebral e ao desenvolvimento do aparelho psíquico emocional. Tem seu processo fisiológico de maturação interrompido e é privado de um meio intra-uterino ótimo, que proporcionava experiências sensoriais e motoras variadas e continentes, facilitadas pela ausência de gravidade. Suas vivências se norteavam pelo ritmo materno e estava razoavelmente protegido contra o excesso de estimulação externa. Após o nascimento, é esperado que, pela sua condição de imaturidade, o meio extra-uterino exerça um impacto considerável no seu organismo. Brazelton (30), em sua observação minuciosa de bebês, referiu que o sistema nervoso de um bebê prematuro se organiza com mais facilidade quando permanece em ambiente tranqüilo e sem uma carga excessiva de estímulos. Meyerhof (31) avaliou bebês prematuros assistidos em uma unidade de cuidados convencionais utilizando a escala de Brazelton, que consiste na observação da resposta comportamental do RN a diferentes estímulos, corroborando a afirmativa de que um ambiente menos estressante tem um impacto positivo na maturação do bebê. Os bebês prematuros que receberam cuidados convencionais, mantidos organizados dentro da incubadora e possibilitados de descansar e dormir em determinados períodos do dia, permaneceram menos tempo internados, menos tempo na incubadora e tiveram um menor tempo de uso de sonda orogástrica. Apresentaram também melhor controle nos estados comportamentais e na estabilidade autonômica, demonstrando, assim, uma maior estabilidade fisiológica e comportamental.
Observando-se ainda o padrão fisiológico durante a vida intra-uterina, nota-se que as experiências do bebê acontecem em um ritmo cíclico de atividade e são norteadas pelas possibilidades de descansar e dormir sempre que sentir necessidade, o que, segundo Korones (32), acontece em cerca de 80% do tempo. Mann et al. (33), em suas pesquisas, referem o sono como um grande influenciador positivo do desenvolvimento cerebral.
Por outro lado, o ambiente extra-uterino inadequado, caracterizado por situações constantes de estresse, manipulação, privação do sono, ruído e luminosidade excessiva, resulta em efeitos aversivos ao desenvolvimento adequado do sistema nervoso (34-39) e é indicador de risco para o desenvolvimento normal (40,41). Como grande fator de estresse e desorganização na unidade neonatal, destacam-se os estímulos dolorosos a que são expostos esses bebês. Estudos recentes demonstraram que as experiências dolorosas no período neonatal podem levar a alterações no desenvolvimento global de bebês prematuros (42,44).
Diante dos estudos mostrando que o meio ambiente e a forma como são cuidados os bebês prematuros poderiam interferir negativamente no seu desenvolvimento, surgiram várias propostas de programas de intervenção neonatal com a finalidade de resguardar o bebê e oferecer estímulos adequados, para minimizar os efeitos da intervenção impostos pelas necessidades orgânicas dos bebês. Foram desenvolvidos e adotados programas com alguns critérios, como redução da luminosidade e do ruído do ambiente e adequação da postura facilitadora na incubadora a fim de propiciar a auto-organização e o autoconsolo, além de medidas para o controle da dor e a possibilidade de períodos de descanso e sono. Os resultados dos estudos confirmaram que bebês que foram cuidados levando-se em consideração os aspectos acima citados apresentaram melhores resultados no seu desenvolvimento global quando avaliados, mesmo que de forma parcial (45-48). A adequação postural por si só permitiria a auto-organização, a manutenção adequada do tônus e o autoconsolo do bebê (49-51).
Salles (52)avaliou 25 bebês nascidos prematuramente que foram cuidados em uma unidade que utilizou medidas consideradas protetoras para o desenvolvimento normal do sistema nervoso central (adequação postural na incubadora, atenuação do ruído excessivo e da luminosidade e realização do contato pele a pele, incluindo o MMC), comparando-os com um grupo controle que foi assistido em uma unidade de cuidados convencionais. O exame utilizado foi o teste neurocomportamental de Dubowitz, aplicado quando os bebês tinham 40 semanas de idade corrigida. O grupo que recebeu os cuidados protetores mostrou desempenho significativamente melhor no exame do que o grupo controle.
A associação dessas medidas protetoras com a possibilidade da presença dos pais na unidade neonatal, sua participação nos cuidados e o contato pele a pele trouxeram novas perspectivas para uma estimulação positiva para esses bebês (11,12,53-56). A presença dos pais possibilita mais facilmente o contato pele a pele, que, por sua vez, permite a estimulação tátil proprioceptiva e protege contra a sobrecarga de estímulos aversivos, compreendendo um método aceitável para estimular adequadamente o desenvolvimento neurocomportamental do bebê (55).
Bebês prematuros que realizaram contato pele a pele apresentam melhor desenvolvimento mental e melhores índices em testes de motricidade (56), uma diferença significantemente menor no tempo de duração do choro e no padrão de consolabilidade (57) e períodos de sono mais profundos (58). Um outro impacto sobre o desenvolvimento do bebê prematuro se refere à presença de alterações neurológicas transitórias observadas principalmente no tônus muscular durante o primeiro ano de vida. O índice na literatura varia de 36 até 83%, dependendo do peso e idade gestacional no nascimento (59-61). No entanto, Silva (11) observou uma incidência de apenas 27,1% de alterações tônicas transitórias em um dos poucos trabalhos realizados no Brasil com acompanhamento neurológico de bebês prematuros que participaram de um Programa Canguru. Nesse estudo, o autor acompanhou o desenvolvimento neurológico de 70 crianças nascidas prematuramente e submetidas ao MMC centrado em medidas protetoras na unidade neonatal, no contato pele a pele e na participação dos pais.
Evidências sobre benefícios relacionados à prática do aleitamento materno
Um importante pilar do Cuidado Mãe Canguru é o estímulo à amamentação. Apesar de as evidências apontarem para os inúmeros benefícios do aleitamento materno para o bebê prematuro (62,67), a prevalência de aleitamento nesse grupo ainda é muito baixa. Xavier et al. (68), em estudo descritivo sobre aleitamento materno em bebês nascidos com peso igual ou inferior a 2.500 g no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), verificaram que 13,5% nunca haviam sido amamentados e que somente 38,5% estavam sendo amamentados aos 6 meses de vida. Lefebvre (69) observou, no Canadá, que em bebês com peso de nascimento abaixo de 2.500 g, somente 58% foram amamentados ao nascimento, enquanto que 73% foram amamentados no grupo de bebês de termo. Entre os bebês de baixo peso, somente 3% receberam alta em aleitamento exclusivo, e 11% nunca chegaram a ser colocados ao seio.
Hellbauer et al. (70), na África do Sul, estudando os fatores que influenciam a escolha materna sobre a forma de alimentação do seu bebê após a alta de uma UTIN, observaram que, entre outros fatores, o baixo peso do bebê ao nascimento e o tempo prolongado de internação afetaram negativamente a decisão de amamentar. Bicalho-Mancini et al. (71), em estudo realizado sobre os fatores de risco para a não-amamentação exclusiva em bebês de baixo peso internados em UTIN em Belo Horizonte (MG) antes e depois da implantação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, observaram que, apesar das taxas de aleitamento materno exclusivo no momento da alta aumentarem de 36% (antes da implantação) para 54,7% (após a implantação), esses números mostram ainda a necessidade de outras intervenções para aumentar a prática da amamentação entre esses bebês. Boo (72), na Malásia, com o intuito de verificar a taxa de amamentação em bebês nascidos abaixo de 1.500 g e internados numa unidade neonatal de risco, observou também que, apesar das práticas de incentivo à amamentação existentes no hospital, somente 40,2% desses bebês estavam sendo amamentados à alta hospitalar.
Em contrapartida, estudos realizados em serviços que praticam o MMC mostram que mães que realizam o contato pele a pele com seu bebê prematuro apresentam um volume diário de produção de leite significativamente maior quando comparadas com um grupo controle. Além disso, observam que o abandono da lactação foi mais freqüente entre as mães que não fizeram uso do método (22,73). Em um estudo randomizado controlado com 71 bebês prematuros com peso de nascimento inferior a 1.500 g, Whitelaw et al., na Suécia (4), verificaram que, na sexta semana de vida, os bebês que realizaram o MMC apresentaram uma prevalência de aleitamento materno duas vezes maior que os do grupo controle (55 versus 28%). Ramanathan et al., em Nova Déli, Índia (74), encontraram resultados semelhantes em um estudo com 28 bebês prematuros, no qual a freqüência de aleitamento na sexta semana de vida foi de 85,7% para os bebês submetidos ao MMC contra 42,8% para os controles. Charpak et al., em duas pesquisas realizadas na Colômbia, uma em 1994 e outra em 2001, também verificaram maiores prevalências de aleitamento materno com 1, 6 e 12 meses de vida nos bebês que realizaram o Método Canguru quando comparados aos controles (6,53). No Brasil, Lima et al. (75) e Silva (11) encontraram resultados semelhantes nos indicadores de aleitamento materno. Aos 6 meses de vida, as prevalências de aleitamento materno nesses estudos foram, respectivamente, de 63 e 60,3% nos bebês que participaram de programa Mãe Canguru.
Conde-Agudelo et al. (17) concluíram recentemente, a partir da análise de três experimentos randomizados, que o MMC foi fator de proteção para a amamentação exclusiva no momento da alta hospitalar (RR 0,41; IC95% 0,25-0,68).
A Tabela 1 apresenta um breve resumo de alguns trabalhos que investigaram a prática do aleitamento materno em bebês submetidos ao MMC.
Tabela 1 –
Estudos que analisaram o MMC e a freqüência de aleitamento materno
Considerações finais
O MMC no Brasil, ou Atenção Humanizada ao RNBP, fundamenta-se no processo de desenvolvimento contínuo do bebê e introduz algumas possibilidades de entendimento da assistência neonatal em um contexto mais amplo, propondo o resgate dos conhecimentos fisiológicos, psicológicos e neurológicos do ser humano e levando em consideração o indivíduo por completo. Acrescenta substratos baseados no desenvolvimento neuropsicoemocional, contribuindo, assim, para uma atenção equilibrada às necessidades do bebê e de sua família.
Este trabalho de revisão apresenta evidências sobre os benefícios do MMC que certamente foram consideradas quando da definição dessa estratégia de atenção como uma política pública no Brasil. É fundamental, porém, que se realizem pesquisas sobre a efetividade dessa estratégia de atenção ao bebê de baixo peso no contexto brasileiro. Não se pode perder de vista o fato de que o MMC foi aqui proposto com o objetivo de humanizar a atenção ao RNBP, à semelhança do que ocorre nos países desenvolvidos, e não com o propósito de substituir a tecnologia das unidades neonatais. Há que se considerar também, nas pesquisas, os diferentes contextos nos quais o método tem sido aplicado, uma vez que nosso país é marcado por grandes diferenças macro- e microrregionais.
Trabalhos nacionais publicados recentemente sobre o tema mostram o interesse de pesquisadores em aspectos subjetivos, como a percepção de pais de bebês prematuros sobre a vivência do MMC (76) e a influência das redes de apoio sobre essa prática (77). Esses estudos, sobre aceitabilidade e aplicabilidade do método, são também fundamentais para fornecer subsídios e apontar caminhos para a organização da assistência canguru em nosso meio.
Sonia I. Venancio – Pediatra, Doutora em Saúde Pública, Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP). Docente do curso de Aconselhamento em Amamentação (OMS/Unicef) e do curso para Gestores sobre a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (OMS/Wellstart).
Honorina de Almeida – Doutora em Medicina pela Universidade de Freiburg, Alemanha. Pesquisadora do Instituto de Saúde/CIP/SES/SP, São Paulo, SP.